O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou recentemente que, embora indivíduos portando até 40 gramas de maconha não sejam mais penalizados, podem ainda ser detidos dependendo das “circunstâncias da apreensão”, como possuir um “aparelho celular com contatos de usuários ou traficantes”. Essa decisão é significativa e polêmica, marcando um ponto de inflexão no tratamento jurídico do uso pessoal de maconha no Brasil.
Os ministros definiram um limite de 40 gramas de maconha para diferenciar o uso pessoal do tráfico de drogas. No entanto, esse critério é relativo e cabe às autoridades policiais (delegados) avaliar se há indícios de comércio, como a forma de armazenamento da erva, variedade de substâncias apreendidas, registros de operações comerciais e contatos de usuários ou traficantes no celular.
Opiniões de especialistas em segurança pública
Para Marcelo Itagiba, delegado da Polícia Federal e ex-deputado federal pelo PSDB, a nova tese pode, paradoxalmente, favorecer o tráfico. Segundo ele, os chefes das operações podem usar “aviõezinhos” — indivíduos que transportam as drogas — como se fossem usuários, aproveitando o limite de 40 gramas permitido para consumo pessoal em uma espécie de “delivery” de maconha. “O coordenador dessas operações é o dono do delivery. A captura do verdadeiro responsável é complicada, pois os aviõezinhos vendem substâncias como se fossem usuários”, explicou Itagiba. Ele defende que a punição deve considerar a “intenção” do indivíduo, não a quantidade de droga.
O coronel da Polícia Militar do Distrito Federal e especialista em segurança pública, Leonardo Sant’Anna, também criticou a decisão, afirmando que “nada se resolveu” e que a tese está “cada vez mais distante” da realidade da população. Ele considera absurdo que a pequena quantidade seja usada como justificativa para perturbações sociais causadas pela “tonelada de legalização disfarçada nas trouxinhas de 40 gramas”. Para Sant’Anna, é desconcertante que a discussão da Corte esteja distante das operações contra grandes traficantes.
Entendimento de juristas e sociólogos
Por outro lado, a ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Daniela Teixeira elogiou o STF por estabelecer um “parâmetro seguro e numérico” para distinguir o usuário do traficante. Ela negou que a despenalização trará efeitos negativos, pois ainda cabe aos delegados analisar as circunstâncias das apreensões. “O processo geralmente é bem fundamentado, com apreensão de balança, equipamentos para separar a droga, e essas pessoas normalmente têm grandes quantidades de drogas”, afirmou Teixeira.
Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reconheceu a possibilidade do uso do “delivery” no tráfico, mas ressaltou que esse tipo de operação já existe atualmente. “O tráfico de drogas sempre tenta explorar todas as possibilidades para se beneficiar. Já sabemos que eles usam menores de idade para reduzir penas, por exemplo”, destacou.
A socióloga Carol Grillo, coordenadora do Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), argumentou que o pequeno tráfico de maconha não representa um grande problema para a segurança pública. Se pequenos traficantes fossem erroneamente classificados como consumidores, o impacto negativo seria mínimo. Segundo ela, tratar um pequeno traficante não armado como usuário pode ser mais benéfico para a sociedade, evitando que ele seja aliciado por facções criminosas no presídio.
O desembargador Marcelo Semer, da 13ª Câmara Criminal do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), considerou a decisão do STF “meramente retórica”. Ele afirmou que, embora autorize o porte pessoal de até 40 gramas de maconha, o comércio da droga permanece proibido e as autoridades policiais podem levar em conta as “circunstâncias” da apreensão. Além disso, a quantidade não é o único fator determinante para a prisão; indícios de tráfico, mesmo com menos de 40 gramas, ainda podem levar à detenção.
Felippe Angeli, coordenador de advocacy da plataforma Justa, especializada em gestão do sistema de Justiça, disse que o Supremo criou uma presunção que não é absoluta, já que a condição de usuário pode ser contestada pelas autoridades. Ele considera a decisão importante, mas não drástica. Para Angeli, o principal impacto será sobre indivíduos negros e pobres de periferias, frequentemente considerados traficantes por “vieses raciais”.
Em contraste, o tenente-coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo, Adilson Paes, acredita que liberar todas as drogas, em vez de apenas a maconha, traria “justiça social”. Ele argumenta que a atuação policial é pautada pelo preconceito e discriminação, com uma pessoa negra e pobre tendo maior probabilidade de ser presa por tráfico comparado a uma pessoa branca de classe média ou alta com a mesma quantidade de droga.
Luís Flávio Sapori, especialista em sociologia do crime e ex-secretário adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais, concorda que a liberação total não eliminaria o tráfico, mas ajudaria a reduzir o encarceramento indevido de jovens usuários e enfraquecer o poder do crime organizado.
Plantas fêmeas de maconha
O STF ainda definiu o critério de posse de 6 plantas fêmeas para diferenciar usuários de traficantes de maconha ao “descriminalizar” o porte da droga para consumo próprio. A planta fêmea de maconha é responsável por produzir flores ricas em canabinoides, especialmente o THC (tetra-hidrocanabinol), o principal composto psicoativo que causa os efeitos “chapados”. Os canabinoides são substâncias que atuam no corpo e no cérebro, proporcionando efeitos terapêuticos como relaxamento e alívio das dores.
Em contraste, a planta macho possui níveis mais baixos de THC e produz pequenas bolsas de pólen, necessárias para a fertilização das flores das plantas fêmeas e a consequente produção de sementes. Cada tipo de planta desempenha um papel distinto na reprodução e na produção dos compostos químicos da cannabis.
Diferenças entre plantas de maconha – macho e fêmea:
Quantidade de baseados com 40g
Para ilustrar, segundo uma nota técnica da Superintendência Regional da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, um cigarro de maconha pode conter uma massa média de 0,5 grama a 1,5 grama. Um cigarro de tabaco, para efeito de comparação, pesa em média 1g. Assim, 40 gramas de maconha podem ser transformadas em até 80 cigarros (baseados) da erva, uma quantidade significativa que pode levantar suspeitas dependendo do contexto em que é encontrada. Essa medida, portanto, requer uma avaliação criteriosa por parte das autoridades para garantir que o uso pessoal não seja confundido com tráfico.
Com a nova decisão, o papel do delegado de polícia se torna ainda mais importante. Os delegados serão responsáveis por analisar minuciosamente as circunstâncias de cada caso para determinar se a pessoa em posse de até 40 gramas de maconha é realmente um usuário ou se há indícios de tráfico. Essa análise deve considerar não apenas a quantidade, mas também elementos como a forma de armazenamento, meio de distribuição, forma de disposição, a presença de equipamentos de pesagem, e registros de venda ou contatos suspeitos no celular do detido.
O Portal Nacional dos Delegados publicará em breve uma matéria detalhando como os delegados devem atuar nesses casos, incluindo quais decisões podem ser tomadas para assegurar a correta aplicação da lei e da jurisprudência para evitar correições e injustiças.
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