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O sigilo no inquérito policial como proteção aos direitos fundamentais

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS

JURÍDICO
Sigilo no inquérito e proteção aos direitos fundamentais

Delegado Vinicios Batista do Valle

Por Vinicios Batista do Valle

 

JURÍDICO

 

 

{loadposition adsensenoticia}O presente estudo tem por escopo a relevância do sigilo no Inquérito Policial como tutela dos direitos fundamentais. A despeito da temática ora proposta, procurou o autor discorrer sobre os assuntos conexos como forma de esclarecer melhor, enfatizar o contexto no direito pátrio e reagir com argumentos sobre a constitucionalidade e eficácia deste dispositivo para o desempenho das atividades do Delegado de Polícia, e por fim, a necessidade de ser legitimada tal conduta para que suas atribuições sejam cumpridas à luz da CRFB/88 e da legislação infraconstitucional. Foram suscitadas as principais questões relativas ao tema e a opinião alguns estudiosos no assunto, frisando o autor sob a sua ótica de interpretação e importância do instituto levado a efeito na persecução penal. Na atual conjuntura discute-se sobre a relação entre o defensor do representado e a Autoridade Policial, visto à luz da ordem jurídica, principalmente o disposto na Súmula Vinculante nº 14 do STF.

 

A exposição se deu de forma clara e objetiva com o intuito de servir como argumento e fonte de pesquisa para o tema. Utilizou-se de pesquisa bibliográfica, jurisprudencial, artigos e sites afins, sendo levantado um material que trouxe a tona algumas correntes de posicionamento e a que deve prevalecer pelo entendimento do redator deste artigo.

 

Palavras-chave: Inquérito1. Sigilo 2. Autoridade 3. Defensor 4. Súmula Vinculante 5.

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente estudo jurídico tem por tema a relevância do sigilo no Inquérito Policial como fonte protetora de Direitos Fundamentais, sem que haja prejuízo na atividade policial, principalmente, no exercício da persecução penal. Pretende-se discutir como tem entendido a jurisprudência e doutrina nesse sentido e expor a viabilidade de utilização de tal instituto, visto à luz da Constituição de 1988.

 

É de bom alvitre ressaltar a edição da Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal e sua possível inconstitucionalidade em desarmonia ao disposto do art. 103-A da CRFB/88, já que seus pressupostos aparentemente não foram cumpridos pela própria Corte Suprema.

 

Nesse contexto, a Súmula Vinculante nº 14 é uma realidade que não pode passar despercebida na atividade do Delegado de Polícia, no exercício da instrução do Inquérito Policial.

 

Assim, procurou-se estabelecer pontos importantes e práticos para um melhor entendimento do instituto do sigilo, jungidos ao ordenamento jurídico, pois este se faz necessário para o cumprimento da atividade precípua do Inquérito Policial, mas sem descuidar do respeito cogente da robusta gama de direitos fundamentais, sob pena de responsabilidade do Estado e, em regresso, se for o caso, da própria Autoridade Policial, demonstrando nas fontes do direito os meios que garantem este respeito a ser desenvolvido.

 

A partir desta visão geral, com o objetivo de se aprofundar dentro da temática, serão apresentados os pontos realmente relevantes sobre o instituto do sigilo e sua imprescindibilidade às investigações que irão subsidiar uma ação penal.

 

Por fim, este estudo não tem a pretensão de esgotar o tema, antes, porém, trazê-lo à baila para que se possa sempre e devidamente discuti-lo em nossa sociedade democrática.

 

 

2. INQUÉRITO POLICIAL – NATUREZA JURÍDICA E SUA FUNÇÃO

 

O Inquérito Policial, com tal denominação, surgiu em nossa legislação, pela Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, regulamentada pelo decreto- lei nº 2.824, de 28 de novembro de 1871. O texto legal definia no artigo 42, que o inquérito policial consistia nas diligências necessárias para o “descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito.

O Inquérito Policial é um procedimento administrativo, realizado pela Polícia Civil ou Federal, afeto à atuação da Polícia Judiciária e Investigativa, presidido e coordenado, exclusivamente, pela Autoridade Policial – Delegado de Polícia – conforme o artigo 4º do Código de Processo Penal, e tem sua função bem delineada na lei processual penal, com a finalidade de obter provas (materialidade) da existência da infração penal e indicativos (indícios) de quem seja(m) o(s) respectivo(s) autor(es), fornecendo assim, subsídios (justa causa) ao titular da ação penal, seja o membro do parquet – nas infrações penais de ação penal de iniciativa pública incondicionada ou condicionada a representação, ou a vítima – nas infrações penais de ação penal de iniciativa privada.


Em regra, ao ocorrer uma infração penal – gênero das espécies crime e contravenção – há necessidade de instauração do Inquérito Policial, de forma que ocorra uma investigação pelo Estado que irá buscar os meios para que a ordem jurídica e social rompida se restabeleça.

 

No curso da investigação para apurar a infração penal, o Estado-Administração, através do Delegado de Polícia, busca individualizar um suspeito e indiciá-lo, onde se aponta para o, em tese, autor da infração penal, cientificando-o, formalmente, sobre o procedimento a que está respondendo, bem como assegura o devido acesso daquilo que se carreou/materializou nos autos, para que comece a elaborar sua defesa, já que no Inquérito Policial também há a presença de provas (e não meras informações desprezíveis como querem alguns) que serão, obrigatoriamente, valoradas no processo penal em obediência ao Princípio do Livre Convencimento Motivado, gerando uma possível condenação.

 

Como é cediço, a investigação e o processo criminal em si são mecanismos de proteção do indivíduo, dos quais o Estado não pode prescindir, enquanto Estado Democrático de Direito.

 

Tal postura requer um compromisso ético por parte de todos os personagens que operam neste palco jurídico, em especial das Autoridades Policiais, dos membros do Ministério Público e da Magistratura, sendo imperioso que este compromisso seja assumido por todos os envolvidos na persecução penal, respeitando-se o espaço e as atribuições de cada autoridade.

 

Nesta seara, já se faz importante a figura do defensor. Embora, o Inquérito Policial seja um procedimento peculiar com características próprias, como a inquisitoriedade, isto não quer dizer que o indiciado não possui nenhum direito. Essa inquisitoriedade deve se dar de forma regrada, com observância à legislação e, principalmente, aos ditames da Constituição Federal de 1988, de modo que possam existir, ainda que de forma mitigada, um direito de defesa, propiciando aferir com mais robustez a legitimidade e a veracidade dos atos investigativos do Estado em consonância com as normas jurídicas.

 

Atente-se: não se instituiu a ampla defesa no inquérito na sua essência constitucional. O que se buscou foi assegurar um direito de o representado ter acesso aos autos, para que o defensor possa desde já exercer o seu múnus, além de aferir o Princípio da Juridicidade nas ações da Autoridade Policial. Reforça-se que o inquérito continua sendo inquisitorial e nesse momento não cabe ao advogado produzir uma defesa técnica, apenas observar os atos das autoridades e ir preparando a tese defensiva por meio de provas (requerendo diligências que considerar imprescindíveis, colhendo informações e etc.) para o processo penal, momento adequado da produção da ampla defesa e contraditório, pilares do princípio basilar do due process of law.


No Inquérito Policial, que não é processo, mas fase pré-processual, não há nenhuma decisão definitiva tomada, entretanto, é robusta a presença de direitos fundamentais, sendo a Autoridade Policial importante fiscal desses direitos e garantias, principalmente ao conduzido/indiciado, como o de fazer assistir-se por defensor, direito ao silêncio, respeito à integridade física e moral, de não autoincriminar-se, relaxar sua prisão ilegal apresentada pela Polícia Militar/Guarda Municipal, dentre outros.

 

Seu conceito pode ser bem delineado pelos ensinamentos dos professores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar:

 

Logo, o Inquérito Policial funciona como o cérebro de toda atuação da polícia judiciária. Nele são reunidos todos os elementos colhidos na investigação e através dele que se legitimam os diversos meios de atuação da polícia judiciária. Essa atuação se dá interrogando o suspeito, ouvindo o ofendido e testemunhas, acautelando objetos que possam constituir meios de provas, designando perícia para elucidação e confirmação de fatos e indícios, procedendo a ações de reconhecimento de pessoas e coisas, acareando os envolvidos, identificando e individualizando o suspeito, averiguando a vida pregressa, dentre outras ações tuteladas pelo Código de Processo Penal e leis esparsas que poderão instruir elementos suficientes para o ato de indiciamento (individualização do suspeito) e desfecho por meio do relatório.

 

Em suma, qual seria o seu fim?

 

Sua finalidade é a investigação do crime e a descoberta do seu autor, com o fito de fornecer elementos para o titular da ação penal promovê-la em juízo, seja ele o Ministério Público, seja o particular, conforme o caso. [1]

 

  1. 3. SIGILO NO INQUÉRITO POLICIAL

A legislação pátria determina que a Autoridade Policial deverá assegurar o sigilo no inquérito policial à elucidação do fato ou quando exigido pelo interesse da sociedade, ou seja, tem-se uma obrigação legal que visa o resguardo do sigilo para que se possa dar cumprimento às finalidades precípuas deste instrumento estatal, conforme visto no capítulo anterior.

Assim, dispõe o art. 20 do CPP, in verbis:

 

Art. 20.  A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

 

Nas normas infralegais, preceitua o art. 52 da Instrução Normativa nº 01/92, do Diretor do Departamento de Polícia Federal que:

 

Art. 52. O advogado poderá assistir a todos os atos do inquérito, neles não podendo intervir, sendo sua presença consignada ao final do termo ou auto, ainda que não os deseje assinar.

O consagrado NUCCI [2]ensina que:

 

O Inquérito Policial, por ser peça de natureza administrativa, inquisitiva e preliminar à ação penal, deve ser sigiloso, não submetido, pois à publicidade que rege o processo. Não cabe incursão na Delegacia de Polícia, de qualquer do povo, desejando acesso aos autos do Inquérito Policial, a pretexto de fiscalizar e acompanhar o trabalho do Estado-investigação, como se poderia fazer quanto ao processo-crime em juízo. As investigações já são acompanhadas e fiscalizadas por órgãos estatais, dispensando-se, pois, a publicidade. Nem o indiciado, pessoalmente, aos autos tem acesso. É certo que inexistindo inconveniente à “elucidação do fato” ou ao “interesse da Sociedade”, pode a Autoridade Policial, que o preside, permitir o acesso de qualquer interessado na consulta aos autos do inquérito […]. Assim, também não é incomum que o Delegado, pretendendo deixar claro que aquela específica investigação é confidencial, decrete o estado de sigilo. Quando o faz, afasta dos autos o acesso de qualquer pessoa, salvo ao advogado, conforme expresso no art. 7º, inc. XIV, da Lei 8.906/94 […].

Assim, o sigilo nesta fase pré-processual, faz-se necessário para alcançar os objetivos do Inquérito Policial, mas não poderá ser oposto de forma absoluta na investigação, pois, em apreço ao Princípio da Juridicidade, o Juiz, o Promotor, o Defensor do indiciado e, principalmente, o indiciado, deverão ter acesso aos autos do procedimento policial (do que já está materializado), já que todos estes personagens fazem parte de toda a persecução penal.

 

3.1. FUNÇÕES DO SIGILO


O sigilo no Inquérito Policial possui dupla função, já que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, inc. III da CRFB/88), que deve ser observado neste contexto do trabalho, pois o sigilo não é mais uma necessidade apenas da investigação ou da sociedade, mas sim, jungido também na preservação (imagem, vida privada, honra, intimidade) do próprio indiciado que não deve ser exposto a estereótipos ou estigmatizações, que podem ser geradas (e nunca mais se recuperar destas marcas) caso a Autoridade Policial não tenha a devida cautela no resguardo destas informações.

 

3.1.1. função utilitarista


O CPP, em seu art. 20, determina que a Autoridade Policial preserve o sigilo no Inquérito Policial com a finalidade de assegurar a elucidação dos fatos ou quando exigido pela sociedade, ou seja, cumpre o seu precípuo objetivo que é a investigação da infração penal.

 

Tal função é apresentada para que ninguém, salvo exceções, tenha acesso aos autos do procedimento policial, sob pena de inviabilizar a sua apuração.

 

Assim, o direito do indiciado, através do seu defensor, limita-se as informações colhidas e materializadas/introduzidas no bojo do Inquérito Policial, não aquelas relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso, ou seja, o defensor não pode ser admitido como “parceiro” ou “fiscal” da atividade investigatória, além de não abranger o acesso a informações obtidas em diligências ainda em curso e não-documentadas, como as interceptações telefônicas que permanecem inacessíveis (neste caso, a própria Lei 9.296/96, determina que sejam materializadas em autos apartados, justamente para evitar o acesso indevido e frustrante de possíveis diligências vindouras e elucidativas que apontem a autoria do ilícito penal), campanas, acompanhamento de suspeitos à distância e levantamento de informações, ação controlada, quebra de sigilo fiscal e bancário, decretação de prisão cautelar, dentre outras.

 

3.1.2. função garantista


À luz da CRFB/88, em nosso Estado Democrático de Direito, o indiciado tem vasto rol de direitos e garantias fundamentais, frente às ações estatais, onde a oponibilidade ao defensor constituído do acesso aos autos do Inquérito Policial, através do sigilo, esvaziaria garantias constitucionais conquistadas pelo indivíduo, principalmente quando um dos mais importantes bens jurídicos tutelados pelo Estado, que é a liberdade, estiver ameaçado ou violado, através da prisão.

 

É de bom alvitre trazer o exemplo de que o indivíduo preso e conduzido à Delegacia Policial, às vezes tem logo uma emissora de rádio e/ou TV, divulgando sua imagem dentro da repartição pública, ocorrendo a sua precoce e indevida “condenação” pela opinião pública, isso quando os próprios policiais não forçam o conduzido a levantar seu rosto para a mídia, trazendo aquela imagem detestada pela sociedade de que a polícia é truculenta e violadora de direitos.

 

Assim, a Autoridade Policial deverá cuidar para não violá-los, ao simples argumento de assegurar o bom êxito da investigação ou “promoção pessoal”, pois estará suscetível às ações de responsabilização (criminal, civil e administrativa), já que o Delegado de Polícia é o Estado-Administração no cumprimento das normas jurídicas, onde, em caráter ilustrativo, traz-se o caso[3] verídico da Escola Base de São Paulo, em que no dia 04 de novembro de 1994, o Jornal Nacional, da Rede Globo, exibiu reportagem aduzindo que os seus diretores estariam abusando sexualmente das crianças ali matriculadas. Entretanto, o Poder Judiciário absolveu-os, condenando o Estado a pagar indenização, incluindo o Delegado de Polícia a ressarci-los pela violação de direitos fundamentais.

 

3.2. A SÚMULA VINCULANTE Nº 14 E SUA DUVIDOSA CONSTITUCIONALIDADE

 

Inicialmente, eis a redação do conteúdo sumulado, in verbis:

 

“É Direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão de competência de Polícia Judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

A súmula vinculante, nos termos do art. 103-A, caput, da Constituição Federal, a partir de sua publicação, tem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Pod er Judiciário e à Administração Pública Direta e Indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, incluindo o Ministério Público, onde devem agir de acordo com disciplinado pelo Supremo Tribunal Federal.

 

O instrumento da súmula vinculante é dotado de tal força que impede o seu questionamento nas instâncias inferiores do Poder Judiciário, de sorte que qualquer ato administrativo ou decisão judicial que a contrarie enseja a provocação direta do STF por meio de reclamação, possuindo por vezes, mais força que as próprias regras e princípios constitucionais.

 

Entretanto, a regra criada pelo STF ostenta aspecto nitidamente processual penal, inovando, portanto, a disciplina do Inquérito Policial prevista no Código de Processo Penal, bem como vai além do que estabelece o Estatuto da Advocacia – Lei nº 8.906/1994, art. 7º, incisos XIII e XIV – haja vista que, ao contrário da lei, não ressalva os casos de sigilo legal.

 

A orientação sumular não guarda harmonia com a regra constitucional que estabelece a sua edição, pois seu próprio objeto, haja vista que somente se permite sua aprovação após “reiteradas decisões sobre matéria constitucional”, o que não havia em relação ao assunto tratado, bem como o §1º do mesmo art. 103-A estabelece que a “súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”, não se fazendo presente tais requisitos – que são cumulativos, sendo facilmente verificado nos extratos de julgamentos – disponível no sítio do STF na internet – para constatar que os precedentes invocados foram apenas 7 (sete) impetrações no período de cinco anos, de 2004 a 2009.

 

Assim, ao que tudo indica, ocorreu uma latente usurpação do papel do legislador federal pelo STF.

 

3.3. QUESTÕES PRÁTICAS


a) Ao iniciar a investigação policial, através do Inquérito Policial, se não existir qualquer indicador de que uma determinada pessoa esteja efetivamente implicada no crime investigado, descabe o acesso de qualquer advogado/defensor aos autos, pois a palavra “defensor” engloba qualquer profissional, bacharel em Direito, devidamente habilitado/investido, com a respectiva procuração para, no exercício de suas funções, promover os meios necessários ao direito de defesa no interesse do representado envolvido nas investigações, englobando tanto o advogado, quanto o defensor público. Exemplifica-se: se o advogado de uma testemunha – que não tem interesse pessoal na apuração, nem tampouco tem do que se defender – não poderá invocar a prerrogativa profissional para ter acesso aos autos.

 

b) O art. 7º, XIV, do Estatuto da OAB estabelece que o advogado tem, dentre outros, o direito de “[…]copiar peças e tomar apontamentos”, entretanto, serão as custas por conta do defensor que tenha substancialmente interesse nos fatos. A participação do defensor durante o Inquérito Policial é consequência natural de seu múnus em compulsar os autos, copiar peças e tomar apontamentos, desde que tenha sido constituído pelo investigado/indiciado, que, possui direito de tomar conhecimento das provas levantadas contra sua pessoa, corolário do Princípio da Ampla Defesa, já que existem certas provas no Inquérito Policial o seu momento único de produção e não mais se repetem, vide exemplo das provas periciais (aqui também se reforça o pensamento de que no Inquérito Policial há provas e não meras informações).

 

c) Cabe destacar que o STF (Informativo nº 573), recentemente, decidiu pela inconstitucionalidade do poder de requisição da Defensoria Pública, ou seja, da prerrogativa em requisitar, administrativamente, da autoridade pública e dos seus agentes ou de entidade particular, certidões, exames, perícias, e outros documentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições.

 

d) Incumbe ao defensor, em sede de Inquérito Policial, de relevante papel que é a sua atuação como ouvinte, orientador “extra termo” do representado e, principalmente, como observador (e não fiscal) da regularidade e respeito dos direitos fundamentais aplicáveis nesta fase, podendo a partir de violações, adotar/pleitear medidas legais protetoras de direitos, como o habeas corpus.

 

e) Outra questão interessante é o direito do conduzido/indiciado (representado, conforme a súm. vinc. nº 14) por si só, em poder compulsar os autos, já que o “representado”, por sua vez, é aquele a quem se reconhece o “direito de defesa”, isto é, o suspeito, investigado ou potencial indiciado[4].

 

f) Apesar da sua duvidosa constitucionalidade, a súmula vinculante nº 14, vem reforçar o entendimento de que no Inquérito Policial há a presença de provas, desbancando aqueles que afirmam apenas a existência de informações.

 

g) A Autoridade Policial poderá negar o acesso aos autos nas hipóteses permitidas pelo ordenamento jurídico, ao passo que se obstá-lo sem razões fundadas, caberá o instituto da reclamação ao STF e respectivas consequências, conforme determina o art. 7º da Lei nº 11.417/06.

 

CONCLUSÃO


Por todo o exposto, entende-se que o sigilo se faz necessário ao cumprimento das finalidades precípuas do Inquérito Policial, especialmente pelos ângulos dos direitos fundamentais, pois o Estado-Administração, na persecução penal, tem um importante instrumento de proteção do postulado da Dignidade da Pessoa Humana, não se podendo esperar num Estado Democrático de Direito, o seu mau emprego, já que o ser humano está no epicentro de nosso ordenamento jurídico, não cabendo mais a imposição da absoluta força estatal na prevalência dos seus exclusivos interesses.

 

Por fim, o cerceamento da atuação permitida ao defensor/advogado do indiciado, no Inquérito Policial, poderá se refletir em prejuízo de sua defesa no processo e, em tese, redundar em condenação com privação de sua liberdade e todos os seus efeitos decorrentes, como a reincidência, maus antecedentes, vedação ou suspensão de institutos despenalizadores, dentre outros. Com isso, é que o Inquérito Policial se destaca no cenário da persecução penal, não constituindo mera peça informativa, mas, na maioria das vezes, alicerce obrigatório da ação penal, conforme o art. 12 do CPP.

 

 

BIBLIOGRAFIA


CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 12ª edição; Editora RT 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

NICOLITT, André Luiz. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

SCARANCE FERNANDES, Antonio. A reação defensiva à imputação. São Paulo: Revista dos tribunais, 2002.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, 31ª Edição, 2009. Editora Saraiva.

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepositorioJurisprudencia, acessado em 19/09/10.

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http://www.direitopenalvirtual.com.br/artigos/leiamais/default.asp?id=488, acessado em 21/09/10.



[1] NUCCI, 2008, p. 70.

[2] NUCCI, 2008, pág.119.

[3] RANGEL, 2009, pág 477.

 

[4] HC 94.387, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 18-11-08, 1ª Turma, DJE de 6-2-09.

 

Sobre o autor

 

Vinicios Batista do Valle

Delegado de Polícia – PCRS

Especialista em Processo Penal e Penal


DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social
Portal Nacional dos Delegados

 

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