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Breves considerações acerca do ciclo único, da unificação e da carreira única policial

por Editoria Delegados

Por Msc. Flávio Cristiano Costa Oliveira

 

A polícia é expressão de uma realidade humana, histórica e cultural. Foi criada para a realização de fins específicos e ainda encontra-se em fase de construção. Submetida às leis culturais seu principal bem cultural é a sociedade humana.

 

Assim, procuraremos construir nosso pensamento acerca do projeto de ampla unificação policial, dentro desta perspectiva de unificação cultural.

 

A sucessão cronológica, entendida como mero acréscimo quantitativo-temporal, desprovida de profunda reflexão social, não parece ser sinônimo de aperfeiçoamento qualitativo da humanidade e tampouco das instituições.

 

A prova-mor da insofismável diferença entre evolução e oportunismo parcial travestido de progresso está visível nos fenômenos hodiernos de resgate de parte da cultura ultrapassada do passado.

 

Em pleno século XXI, sem que relevante parcela da humanidade tenha obtido pleno acesso à educação, sem que tenham a oportunidade de descortinar o véu da aparência e perceber o universo racional; os superados arquétipos do passado retornam com considerável intensidade, negando-lhes o magistério da evolução e amadurecimento intelectual.

 

Na seara da ética religiosa, segmentos religiosos revivem fervorosamente a idéia da ameaça do fundamentalismo, da intolerância, do mal personificado, de um demiurgo que conspira para aprisionar a humanidade.

 

Mas como seria o oposto do paraíso? Seria o inferno miltoniano onde o que queima é o excesso de frio? Seria a estepe xamânica chamada Mang-Taar ou o que os escandinavos chamam de Nitbeim? Seria o Nakara relatado pelos hindus ou o Sheol do livro judaico Talmude? E quem seria seu administrador? Seth dos egípcios? Shiva dos hindus ou Angra Mainyu do persas?

 

E no universo da diversidade cultural e religiosa, qual seria a religião correta? A religião suméria, a religião caldéia, a religião egípcia, a kabala, o judaísmo, o cristianismo, o islamismo, o mitraísmo, o hinduísmo ou o budismo?

 

Será que o comércio das indulgências, prática do século XIII, não estaria persistindo na atualidade por meio da negociação da prosperidade material e empresarial?

 

Em 286 A.C, uma prática dos Etruscos ganhou aceitação em Roma. Refiro-me à predileção da sociedade antiga pelo sofrimento alheio, promovidos no coliseu através dos gladiadores.

 

Realidade similar nos é proporcionada pelos canais fechados de TV, assistidos por legiões de expectadores que reacendem a idolatria pela força, poder, mutilação e violência.

 

Nossa tradição jurídica abandonou o sistema inquisitorial, rumo ao sistema acusatório, para que o tribunal ou o magistrado desfrutassem de condições reais de adotar uma postura de árbitro imparcial entre acusação e defesa.

 

Outrossim, dentro desta perspectiva de raciocínio, o representante do Ministério Público também não deve ficar ativamente envolvido na investigação dos fatos. Em obediência ao princípio da paridade de armas, a acusação e a defesa são duas forças que devem travar embate processual e devem possuir as mesmas forças e oportunidades, caso contrário, seria o mesmo que submeter o pequeno Davi a um colossal Nefilim Enochiano que ao mesmo tempo investiga, acusa e fiscaliza.

 

A solução ético-jurídica encontrada foi a criação da figura do Delegado de Polícia. Através de sua formação, seleção, qualificação e atuação jurídica, é como se os interesses do Ministério Público e do Poder Judiciário, pudessem estar presentes virtualmente na fase pré-processual, sem que a imparcialidade judicial e a paridade de armas ficassem comprometidas.

 

Ademais, foi a fórmula usada para conciliar as bases do moderno sistema acusatório, baseado na imparcialidade, justiça, igualdade com a existência de um corpo policial próprio de polícia ostensiva, tal qual a polícia militar.

 

Assim, o sistema acusatório ficaria claramente comprometido se o Delegado de Polícia fosse um mero agente administrativo, civil ou militar, submetido ao carreirismo de um modelo unificado, sem ter condições de fazer uma justa análise jurídica da detenção e assumir o papel de primeiro guardião dos direitos fundamentais penais do cidadão detido.

 

O modelo de uma polícia administrativa, unificada e carreirista formaria um campo fértil para o crescimento das possíveis ingerências políticas movidas por questões pessoais e político-partidárias.

 

Não devemos olvidar que os regimes totalitários são avessos à diversidade e as diferenças. Tais regimes são simpáticos com a padronização, com o silêncio e com a unificação. Odeiam as fórmulas que ampliam o discurso dialético, próprio das carreiras jurídicas.

 

Não devemos esquecer também que um dos fatores que auxiliou na manutenção do último regime de exceção, foi a idéia de que os corpos policiais deviam agir no propósito unificado e acéfalo de perseguir e criminalizar os movimentos sociais.

 

O caminho correto para garantir que uma polícia republicana, justa e democrática, não seja reduzida novamente numa polícia totalitária e carreirista é aperfeiçoando os mecanismos de qualificação, autonomia e independência das carreiras jurídicas, dentre elas a carreira dos Delegados de Polícia.

 

O modelo de Segurança Pública que a sociedade deseja ver funcionar foi apenas idealizado em 05 de outubro de 1988. De lá pra cá estamos lutando para efetivá-lo, ele jamais funcionou em condições reais para, então, ser avaliado e, se for o caso, reformulado radicalmente como se pretende.

 

A polícia sempre esteve inserida numa estrutura orçamentária limitada, subordinada, monocrática, autocrática , vinculada e governamental.

 

Aliás, não precisa unificar os cargos e corpos policiais, pois, numa visão macro, ela já está unificada em torno do comando de um único poder da república.

 

A caminhada histórica tem dado passos acertados. Dentre eles podemos elencar o fato de que grande parte das Assembleias Legislativas das unidades da federação têm aprovado emendas constitucionais estaduais reconhecendo a natureja jurídica da atividade desenvolvida pelos Delegados de Polícia Civil e, outrossim, até garantias de independência funcional.

 

Não esqueçamos do teor da Lei 12.830/2013 e de demais projetos de não menor importância que revolucionarão a Segurança Pública, tal qual o Projeto de Lei que permite ao Delegado de Polícia Civil promover conciliações no âmbito dos crimes de menor potencial ofensivo.

 

Não obstante a lição de que o erro ensina o caminho do acerto, em diversos campos existenciais e, mormente, nos retroditos, parcela da sociedade ainda insiste em reviver ou tentar reviver práticas vetustas sem que seja realizado adequado estudo sobre as razões pelas quais foram abandonadas e superadas; sobre seus efeitos negativos, portanto.

 

E por derradeiro alguns questionamentos acerca do processual cultural de unificação de pensamentos, crenças, pessoas ou instituições:

 

Será que o melhor caminho seria a unificação de todas as crenças em torno de uma só religião e o consequente aniquilamento dos demais credos? Será que o caminho mais indicado é unificar todos os partidos políticos em torno do unipartidarismo? Será que devemos adotar a crença unificada em torno da dualidade sexual do macho e da fêmea? Será que o melhor caminho é flexibilizar a construção cultura da paz? Será que devemos unificar nossas polícias e romper com nossa tradição de diversidade e tolerância cultural.

 

E finalmente: pelo que devemos lutar então?

 

Entendo que devemos lutar: a) por uma polícia que saiba conviver com as diferenças e que respeite a diversidade cultural; b) por uma polícia democrática que dê oportunidades institucionais a todos os seus membros, que trate todos com igualdade jurídica e que permita que a sociedade e outras instituições participe de sua gestão; c) por uma polícia com autonomia administrativa, financeira e orçamentária; d) por uma polícia que disponha de poder de iniciativa legislativa nas matérias de seu interesse como organização, direitos e garantias; e) por uma polícia em formato de gestão colegiada e participativa; f) por uma polícia que seja reconstruída em formato constitucional específico e g) por uma polícia que seja humilde, que tenha a grandeza de reconhecer sua atual fragilidade; h)por uma polícia que tenha a habilidade de dialogar com o Ministério Público, mostrar sua realidade sem vaidades e convencê-lo a lutar ao nosso lado para nos libertar de um modelo ultrapassado e erigir uma neófita polícia em formato de instituição; parceira, democrática, republicana e inserida no conceito de Justiça.

 

Defendo a diversidade cultural, as conquistas individuais e coletivas e um modelo de polícia plural, justo e perfeito.

 

O Velho Karl Marx já nos alertava que “ a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.

 

Sobre o autor

Msc. Flávio Cristiano Costa Oliveira, Delegado de Polícia Civil de Classe Especial pelo Estado do Piauí.

 

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