Por Eduardo Luiz Santos Cabette
Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia aposentado, Mestre em Direito Social, Pós – graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia, Medicina Legal e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.
1 – INTRODUÇÃO
Em meio às diversas perplexidades a que nos conduz a denominada “CPI do Covid”, um episódio recente chama a atenção. Trata-se da “Prisão em Flagrante” do investigado Roberto Ferreira Dias, ex – diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, por suposto crime de “Perjúrio” (sic), conforme determinação do Presidente da CPI, Senador Omar Aziz. Dias era inquirido a respeito de imputação de “pedido de propina” para concretização de contrato de compra de vacinas, o que, em tese, configuraria a prática por ele do crime de “Corrupção Passiva”, conforme previsto no artigo 317, CP. [1]
O preso foi conduzido à Polícia Legislativa do Senado, com um “Auto de Prisão em Flagrante” (sic) assinado pelo Senador Omar Aziz, sendo formalizados os demais trâmites da prisão no que tange aos trabalhos de Polícia Judiciária, inclusive arbitrando-se fiança, que, após pagamento, ensejou a soltura do implicado. [2]
Neste trabalho se pretende expor os erros jurídicos cometidos nessa ordem de prisão, bem como em sua formalização.
Ao final os tópicos serão retomados, apresentando-se um encerramento conclusivo.
2 – A PRISÃO POR “PERJÚRIO”!
Tanto o Senador Omar Aziz como o Senador Randolfe Rodrigues, em atuação performática, bradam no recinto da CPI que Dias estava preso por suposto crime de “Perjúrio”.
Nas palavras do Senador Omar Aziz transcritas em reportagem veiculada nacionalmente:
Ele está preso por mentir, por perjúrio (sic). E se eu tiver tendo (sic) abuso de autoridade, que advogada dele (sic) ou qualquer outro senador me processo (sic), mas ele vai estar detido (sic) agora pelo Brasil, porque nós estamos aqui agora pelo Brasil, pelos que morreram (grifo nosso). [3]
A suposta prisão por “Perjúrio” é confirmada pelo Vice – Presidente da CPI, Senador Randolfe Rodrigues, que empresta seu total apoio a Aziz. Em suas palavras:
Se concordamos ou não, isso é irrelevante. O grupo que coordena a CPI continua unido e apoiando o presidente. Eu espero que tenha esse efeito didático. É uma decisão do presidente e está no uso de suas atribuições. Entre as atribuições do presidente está, na ocorrência do crime de perjúrio (sic), decretar a prisão. Tem a nossa solidariedade (grifo nosso). [4]
Logo num primeiro olhar, ainda antes de comentar acerca do suposto “Perjúrio”, há que fazer a constatação da transparência da perversão de uma medida cautelar ou pré – cautelar de Prisão em Flagrante em pretensa penalização antecipada de suspeito, bem como em sua utilização como efeito midiático de espetáculo público, o que não se coaduna, nem de longe, com as finalidades das cautelares processuais penais. São os próprios Senadores Aziz e Randolfe que afirmam que o preso está detido “pelo Brasil” (sic), “pelos que morreram” (sic), como uma espécie de punição antecipada num emprego apelativo da linguagem; e que a famigerada prisão deveria ter um “efeito didático” (sic), que somente seria plausível se se tratasse de “prisão – pena”, jamais “prisão cautelar”.
Digna de transcrição a cristalina lição do saudoso Luiz Flávio Gomes sobre o tema:
As medidas cautelares não possuem fim em si mesmas. Não são penas. Elas existem para assegurar a aplicação da lei penal ou a eficácia do processo penal ou da investigação ou para evitar novas infrações penais. O processo penal serve para a tutela da liberdade assim como para a efetivação do direito de punir do Estado.
O velho conflito entre liberdade e castigo também está presente nas medidas cautelares. As medidas cautelares constituem um meio para que a jurisdição alcance suas finalidades. Nenhuma cautelar pode cumprir o papel de pena(grifo nosso). [5]
Mas, se o equívoco ficasse somente nessa perversão das cautelares e espetacularização midiática do sistema penal e processual penal, seria possível dizer que estar-se-ia diante de um “mal menor” ou ao menos de um mal corriqueiro dentre atores políticos e mesmo jurídicos. É claro que nada estaria justificado ou seria sequer compreensível, mas ao menos seria possível dizer que seria um abuso e um erro ordinários.
Acontece que Senadores da República, sendo um deles Bacharel em Direito e ostentando até mesmo pós – graduação na área (Ranfolfe Rodrigues, já que Omar Aziz é engenheiro civil), [6] fazem menção, repetidamente, à prisão por suposto crime de “Perjúrio” (sic), o qual é simplesmente inexistente na legislação brasileira!
Tal como nos ensina Julián Marías, evocando Kant, seria preciso clamar a esses parlamentares com a expressão latina “sapere aude” (“ousa saber”), como o mínimo a “ser dito aos que tentam conduzir um povo”. [7] Randolfe com sua formação jurídica não tem a menor desculpa para essa espécie de gafe. Aziz é engenheiro civil, mas milita há muitos anos na política, no legislativo e no executivo, ocupando cargos de alta relevância, sendo o mínimo exigível que tenha conhecimentos rudimentares do Direito.
Mas, parece que nossos parlamentares pouco ou nada se importam com a forma pela qual vão adentrar à História. Parece que sequer cogitam sobre o conteúdo da frase emblemática dita no filme “O Gladiador”: “O que fazemos na vida ecoa por toda a eternidade”! [8] Em seus casos, o que ecoará? Uma comédia triste de bufões furiosos e ignaros? Isso é extremamente deprimente não só para eles, mas, especialmente, para o povo brasileiro.
Fato é que no Brasil não existe crime de “Perjúrio”, mas tão somente o crime de “Falso Testemunho ou Falsa Perícia”, conforme consta do artigo 342, CP e, no caso de uma CPI, tratar-se-ia do crime remetido do artigo 4º., inciso II, da Lei 1.579/52, aplicando-se o Princípio da Especialidade no conflito aparente de normas. [9]
O crime de “Perjúrio” existe em legislações estrangeiras que, mesmo prevendo o direito ao silêncio e a não autoincriminação ao acusado ou investigado, estabelecem que, acaso este abra mão de permanecer calado, ao manifestar-se faz juramento de dizer a verdade, sob pena de “perjúrio”. Em resumo, o investigado ou réu pode ficar em silêncio, mas se quiser falar terá o dever de dizer a verdade, inclusive sob o risco de imputação de outro crime, qual seja, o de “Perjúrio”, além daquele pelo qual já é investigado ou acusado.
É muito esclarecedor sobre a questão o “Dicionário Direito”:
O perjúrio trata-se da conduta atípica cometida por aquele que acusado ou investigado faz afirmações falsas durante procedimento de investigação. Em séries policiais estrangeiras, é muito comum ouvirmos falar em “perjúrio”. O perjúrio consiste no ato de mentir ou inventar informações durante o ato do interrogatório, e pode ser cometido por aquele que está sendo acusado ou investigado acerca de determinado fato. No Brasil, o perjúrio não é considerado crime, sendo, portanto, conduta atípica e não passível de punição. Por outro lado, há o crime o falso testemunho. Como se percebe, somente será autor do crime de falso testemunho, a própria testemunha, não havendo que se estender a aplicação da punição para aqueles que estão sendo investigados e não são verdadeiros quanto ao seu depoimento (grifos no original). [10]
Não é admissível que a fonte de informação jurídico – penal de Senadores da República sejam reminiscências de séries policiais ou filmes de julgamento estrangeiros!
Deveriam saber que diversamente do nosso ordenamento, no Direito Criminal Norte – Americano, o silêncio ou a não – autoincriminação são conceituados como “privilégios” e não “direitos”. Lá, diferentemente daqui, o Princípio do “nemo tenetur se detegere” (ou “Nemo tenetur se ipsun procedere” ou “Nemo tenetur se ipsum accusare”) é conhecido como “o privilégio contra a auto – incriminação (privilegie against compelled self – incrimination)”. [11] Por isso se diz naquelas bandas (não aqui) que o investigado ou réu fica muitas vezes diante de um “trilema cruel” (“cruel trilema”): “permanecer em silêncio e encarar a prisão; falar a verdade e encarar a prisão; ou mentir e encarar a prisão, dessa vez por perjúrio”. [12] Nada disso corresponde à realidade brasileira. Aqui o investigado ou réu tem direito ao silêncio e, se resolver prestar interrogatório, poderá falsear em sua narrativa com amparo na ampla defesa e no direito a não – autoincriminação, sem sofrer qualquer consequência criminal por isso, eis que se trata de fato atípico no Brasil.
Como esclarece Carneiro, expondo o escólio de Amorim:
“Na legislação brasileira, o perjúrio cometido por um acusado não é crime”, explica o advogado Fábio Amorim, porque no Brasil ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. “Uma pessoa na condição de réu não é obrigada a falar a verdade.” Nos EUA, perjúrio é crime até para o réu. Lá, além de testemunhas e peritos, os acusados também são obrigados a jurar que vão dizer “a verdade e apenas a verdade” ao longo do processo. [13]
Para Ferreira, a explicação para a ausência do crime de “Perjúrio” no ordenamento brasileiro pode ter como uma das explicações mais plausíveis, as raízes inquisitórias do nosso sistema processual penal, sendo o investigado ou réu presumivelmente alguém que faltaria naturalmente com a verdade, cabendo ao inquisidor ou juiz a busca da chamada “verdade real” com todos os meios à sua disposição. [14]
Tanto é fato que o “Perjúrio” inexiste na legislação penal brasileira, que foi objeto de Projeto de Lei n. 4.192/15 de autoria do Deputado Federal Miro Teixeira, projeto este que se encontra atualmente arquivado.[15] O intento era sua inclusão no Código Penal como artigo 343 – A, CP, o que nunca se concretizou. A redação seria a seguinte:
Art. 343-A. Fazer afirmação falsa como investigado ou parte em investigação conduzida por autoridade pública ou em processo judicial ou administrativo: Pena – prisão, de um a três anos.
- 1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço se o crime é cometido em investigação criminal ou em processo penal.
- 2º O fato deixa de ser punível se, antes do julgamento no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade. [16]
Porém, como já dito, esse crime jamais foi aprovado pelo Congresso Nacional, sendo fato atípico, razão pela qual, por força do Princípio da Legalidade, ninguém pode receber voz de prisão ou ser perseguido criminalmente por ele. De fato, as falas dos Senadores Aziz e Randolfe são expressão de desconhecimento e/ou arbitrariedade, um ato falho talvez, porque sabiam que Dias não era uma testemunha e sim um investigado e só poderia ser preso, se estivesse em outro país (talvez nos EUA), pelo crime de “Perjúrio”, se fosse o caso de que realmente estivesse mentindo sob juramento.
Na verdade, o próprio termo “Perjúrio”, ainda que se aprovasse tal crime em nosso ordenamento, seria uma espécie de arcaísmo anacrônico que remontaria às origens remotas desse ilícito, encontráveis na Idade Média como a “quebra do juramento anterior à colheita das declarações” [17] (“perjurium” – “juramento falso, de ‘per’ – falsamente, mais ‘jurare’ – prometer, jurar”). [18] Chegou a existir no Brasil sob esse nome nas Ordenações do Reino e depois no Código Criminal do Império (1830) e no Código Penal de 1890, sempre com a característica de exigência de quebra um juramento como “pressuposto do crime”. [19] A denominação tem claro caráter moralizante e de índole religiosa em sua origem. Tal como nos ensina Magalhães Noronha:
“Na Idade Média castigou-se igualmente o fato, porém, era considerado crime contra a religião, por ser antes ofensa ao juramento prestado no testemunho”. [20]
Acontece que Aziz, ao dar voz de prisão por “Perjúrio” a Dias, não cometeu somente um lapso de linguagem, agiu de forma ilegal, depois recebendo o amparo também ilegal de seu Vice Randolfe Rodrigues. Isso porque realmente prendeu uma pessoa por aquilo que seria, em tese, efetivamente um crime de “Perjúrio”, acaso este existisse em nosso ordenamento. Não se adentrará na questão de haver ou não realmente mentido o Senhor Dias, vez que isso é irrelevante diante do quadro de que mesmo mentindo não há previsão criminal para tanto, ao contrário, há uma principiologia, inclusive positivada constitucional e ordinariamente, que garante o direito a não – autoincriminação de réus e investigados em geral, a qual foi flagrantemente violada pelos Senadores coatores.
O suposto autor do crime em apuração “não está obrigado a dizer a verdade ou manifestar-se – art. 186, parágrafo único, e art. 198 do Código de Processo Penal”. A autoincriminação “configura inexigibilidade de conduta diversa”, mesmo em se tratando de autêntica testemunha e não de investigado travestido de testemunha por obra dos encarregados da investigação. [21]
Por isso Nucci chama a atenção para o fato de que mesmo a testemunha tem o direito de calar ou faltar com a verdade sempre que faça isso para evitar “comprometer-se”, usando o “princípio constitucional do direito ao silêncio e de não ser obrigada a se autoacusar”. Afirma o autor que é indispensável que o interrogante tenha cautela na avaliação do depoimento, para não se precipitar, crendo estar diante de testemunha mentirosa, quando, na realidade, está ouvindo um “futuro acusado”, que busca esquivar-se, validamente, da imputação. [22]
É muito importante ter em mente que a condição de testemunha ou investigado não é algo que se configure apenas formalmente, ou seja, por um voluntarismo nominativo de alguém. A pessoa não é testemunha ou investigado porque a autoridade tal ou qual o quer ou assim diz. A condição de testemunha é material e precisa ser aferida no caso concreto de acordo com o tema do interrogatório e as consequências que este pode ter ou não com relação ao depoente. No caso de Dias, por exemplo, há a imputação de crime de corrupção passiva evidenciada nos autos contra ele e o tema de sua inquirição era exatamente sobre isso, além do fato da quebra de seus sigilos pela própria CPI. Ora, desde o início era patente que não se tratava sequer de uma testemunha, inobstante o artifício pueril de nominá-lo dessa forma na audiência e colher seu suposto “compromisso de dizer a verdade”. Portando, não era possível jamais imputar-lhe falso testemunho, que é crime existente em nosso Direito, mas não aplicável ao caso; muito menos seria possível prendê-lo por crime inexistente, fato atípico no Brasil, de “Perjúrio”! O que ocorreu naquela sessão da CPI seria cômico se não fosse trágico. A defensora de Dias também pecou, pois que deveria, desde o início, haver contrastado a natureza das declarações e a inadequação de compromissar seu cliente, isso sem falar no fato de que deveria ter ido àquela sessão já com um “Habeas Corpus”, pois que se sabe ser costumeira em CPIs essa espécie de perversão de papéis e abuso em prisões de investigados que são maquiados por comissões como se fossem testemunhas. A grande mentira contada naquela sessão foi a de que Dias era testemunha e não investigado.
A testemunha jamais pode ser confundida com as partes, com qualquer um que tenha interesse no feito ou no procedimento. Trata-se de pessoa “estranha ao feito e equidistante das partes”, chamada “para falar sobre fatos perceptíveis a seus sentidos e relativos ao objeto do litígio”. [23] Aliás, tem sido corrente o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que nem mesmo o ofendido ou a vítima de um ilícito comete falso testemunho quando inquirida, exatamente por seus interesses e sua condição peculiar de envolvimento pessoal no caso. [24]
Dignas de nota são as observações de Bitencourt, que caem como uma luva no caso concreto em estudo, apontando “a paradoxal condição de imputado travestida na de ‘testemunha’” e a deletéria e extremamente censurável “falsidade da conduta da autoridade” que usa desse subterfúgio. Vale a pena a transcrição:
O acusado não apenas tem direito ao silêncio, como, inclusive, o de faltar com a verdade, em sua própria defesa. A condição de acusado exclui, ipso facto, a de testemunha. Nesse sentido, é incensurável o magistério de Regis Prado (Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 861), quando afirma: “…a condição de imputado exclui a de testemunha. Além de ser parte no processo penal, não tem a obrigação de dizer a verdade – limite da punibilidade de uma declaração falsa. No delito em foco a condição de testemunha – em sentido material – é elemento do tipo penal. E tal condição não possui o imputado, ainda que declare como testemunha”.
Quem é investigado tem assegurado pela Constituição não apenas o direito ao silêncio, mas fundamentalmente o direito de não produzir prova contra si mesmo. Por isso, quem é investigado, ainda que dissimuladamente pela autoridade investigante/processante, como sói acontecer nas Comissões Parlamentares de Inquérito (e, por vezes, nas Investigações procedidas pelo Ministério Público), que fraudam a relação processual, procurando impor ao investigado o compromisso dizer a verdade a quem é potencialmente investigado, pretendendo “extorquir” declarações sob a ameaça de crime de falso testemunho, eventual declaração que não corresponda à realidade (fazendo afirmação falsa, negando ou calando a verdade) não tipifica o crime de falso testemunho, pois o compromissoprestado é materialmente inválido por contrapor-se ao texto constitucional. O investigado, além de ser parte no processo, não tem a obrigação de dizer a verdade, pois poderá estar produzindo prova contra si mesmo. No crime de falso testemunho a condição de testemunha – no seu aspecto material – é elementar do tipo, e o investigado/processado, certamente, não possui essa condição. Consequentemente, se o “investigado/testemunha” falsear a verdade em suas declarações, sua conduta será absolutamente atípica. (…).
Falso, na verdade, nessas condições, não são as declarações do investigado por não corresponder à realidade dos fatos, mas é a conduta da autoridade processante, que além de antiética e imoral é também antijurídica, tendo sido objeto, invariavelmente, de concessões de ordem de habeas corpus por nossa Corte Suprema, para assegurar o direito que nossos parlamentares deveriam não apenas conhecer e respeitar, mas, principalmente, defender. A única forma de coibir essa odiosa praxe que se instalou no parlamento nacional é criminalizar essa conduta fraudulenta de autoridades que forçam os investigados a prestar compromisso, quando sabidamente, ou dissimuladamente, são objeto da investigação (grifos nossos). [25]
É incrível como a descrição feita acima por Bitencourt se subsume perfeitamente ao caso concreto em estudo. Isso porque há que ser justo; essa conduta imoral e ilícita de simular não saber que uma pessoa não é testemunha e sim investigada em CPI, submetendo-a a compromisso e coagindo-a com a ameaça de prisão por falso testemunho, não é originalidade de Aziz, Randolfe e outros componentes dessa comissão; já foi utilizada por diversos outros atores políticos em casos similares, razão pela qual o STF sempre concede “Habeas Corpus” em situações semelhantes. Isso, é claro, não apaga a imoralidade e a desonestidade, inclusive intelectual, de todos os envolvidos ao fingirem que sabem o que não sabem e que não sabem o que sabem muito bem.
Diante desses fatos parece que se pode dizer que Aziz agiu com dolo direto de Abuso de Autoridade. Como visto, a manobra ilícita usada pela CPI é por demais conhecida e, inclusive nessa mesma comissão, já foi objeto de “Habeas Corpus” para evitar sua utilização, fato este de que estão cientes todos os Senadores, mormente o Presidente da comissão. Parece, aliás, que estavam esperando o primeiro incauto para ser pego em sua armadilha ardilosa. O elemento subjetivo (dolo específico) exigido para todos os tipos penais previstos na Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/19, artigo 1º.,, § 1º.) está perfeitamente configurado, não havendo dúvida de que foram perpetradas as condutas ilícitas com a finalidade específica de prejudicar o investigado Roberto Ferreira Dias. É impossível acreditar que Aziz e em seguida seu apoiador Randolfe não soubessem o que estavam fazendo de irregular, isso fica muito evidente em suas próprias falas. Aziz assume a prática de abuso e diz que será um problema da defesa desvencilhar-se de sua atitude! Isso é confissão direta do dolo específico! Por seu turno, Randolfe Rodrigues corrobora toda sua atuação, sendo que ambos deixam bem claro que estão procedendo a uma prisão com o intuito direto de constranger o investigado em pretenso justiçamento midiático e exemplar. Tudo isso está exposto em matérias jornalísticas, nas atas da sessão e em vídeos por todo o país. Não é comum que um crime e até seu elemento subjetivo mais profundo sejam escancarados nas mídias sem o menor pudor, mas isso aconteceu certamente no caso enfocado.
Aziz foi o responsável pelo decreto de uma prisão manifestamente desconforme com as hipóteses legais, aderindo “a posteriori” a essa conduta Randolfe Rodrigues e os demais integrantes do grupo coordenador da CPI, infringindo todos ao disposto no artigo 9º., da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/19). Ainda que tenha Dias pago fiança e sido liberado, a prisão deve ser imediatamente “relaxada” pelo Juiz que receber sua comunicação, sob pena de também ele incidir na figura de abuso prevista no mesmo artigo 9º., agora em seu Parágrafo Único, I, da Lei 13.869/19, tendo em mira a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de relaxar a prisão manifestamente ilegal. Ainda incide também no artigo 9º., “caput” da Lei de Abuso de Autoridade, o Policial Legislativo do Senado responsável pela lavratura do auto de prisão em flagrante e arbitramento da respectiva fiança. Nem mesmo o cumprimento de ordem superior não manifestamente ilegal tem o condão de liberar tal Policial Legislativo de sua culpabilidade (inteligência negativa do artigo 22, CP), pois que os Senadores não têm hierarquia sobre os atos da Polícia Legislativa, bem como cabe ao Policial o exame jurídico – fático e formação de convicção acerca da subsistência da prisão.
Mas, não foi somente um tipo penal de abuso de autoridade o cometido pelos envolvidos no episódio. Mesmo antes da prisão quando Dias era compelido (constrangido ou coagido), mediante compromisso ilegal e ameaça de prisão ilícita por falso testemunho ou pior, por “Perjúrio”, durante todo o seu “depoimento/interrogatório”, era ele compelido com “redução de sua capacidade de resistência” psicológica, a “produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro”, nos exatos termos do artigo 13, III da Lei 13.869/19. Frise-se que embora não estivesse preso, pode-se dizer que notificado a comparecer e permanecer na CPI sob ameaça de prisão por falso testemunho, estava claramente detido e submetido a intenso constrangimento ilegal. Em minha obra sobre o tema específico do abuso de autoridade, nos comentários sobre o artigo 13 da Lei 13.869/19, exponho meu entendimento no sentido de que a detenção pode ser algo menos intenso, configurando-se em “quaisquer situações em que um suspeito esteja sob o poder das autoridades para execução de diligências apurativas”, ocasião em que induvidosamente existirá uma inevitável “redução de sua capacidade de resistência”, tendo em vista sua condição hipossuficiente nas circunstâncias. [26] Assim sendo, todos aqueles Senadores que em algum momento acenaram para Dias com a prisão por falso testemunho durante seu “depoimento/interrogatório” agiram nos moldes do disposto no artigo 13, III, da Lei 13.869/19. Novamente, é impossível, conforme já exposto, que não tivessem dolo direto em prejudicar o investigado e não soubessem o que faziam (inteligência do artigo 1º., § 1º., da Lei de Abuso de Autoridade).
Finalmente, a todo momento em que Dias pretendeu calar-se a respeito de algum tema e foi constrangido com ameaças de prisão por suposto falso testemunho, houve infração ao artigo 15, Parágrafo Único, inciso I, da Lei 13.869/19, pois que arbitrariamente se prosseguiu com o interrogatório de investigado que optou pelo uso de seu direito ao silêncio, ao menos naquele ponto em particular. Quanto ao elemento subjetivo específico valem as mesmas observações já expendidas.
Como bem assinala Aith, “não há como fugir da abusividade, desproporcionalidade e ilegalidade da prisão” enfocada, devendo tudo isso ser combatido “com máxima veemência pelo Poder Judiciário para que não haja banalização dessas medidas restritivas da liberdade pela Presidência da CPI do Covid – 19” [27] ou mesmo por quaisquer outras CPIs ou durante o andamento de quaisquer feitos investigatórios ou processuais por todo o país. [28]
Impõe-se, portanto, o relaxamento urgente da prisão e o trancamento do inquérito respectivo contra Dias, assim como a consequente devolução “in integrum” do valor pago como fiança, pois que estará perdido seu objeto ou finalidade de garantia.[29] No seguimento, a instauração de procedimento para a apuração dos crimes de abuso de autoridade no STF quanto aos Senadores implicados e na Justiça Federal de primeira instância com relação ao Policial Legislativo envolvido.
Como se vê, temos diante de nós uma situação bastante peculiar que somente o gênio literário de Machado de Assis poderia vaticinar em um conto (“O Alienista”), descrevendo o médico Simão Bacamarte e sua Casa Verde, manicômio em que internou toda uma cidade de Itaguaí e depois acabou sendo seu local de internação, pois que o verdadeiro louco era ele mesmo. [30] A inversão que se impõe ao ocorrido nessa prisão ilegal é algo muito similar àquilo que se vê na literatura machadiana em destaque. Também não deixa de haver alguma similaridade na literatura estrangeira com o esplêndido conto de Tchekhov, intitulado “Enfermaria número seis”, no qual o Médico Diretor do Hospital, Andrei Kfimich Raguin, acaba também internado na ala psiquiátrica onde mantinha outrora vários alienados em péssimas condições. [31] São as bruscas guinadas que a vida nos impõe de tempos em tempos, especialmente se andamos por caminhos tortos ou equivocados.
3 – O PROCEDIMENTO DUVIDOSO
O leitor deve ter percebido que a sequência deste trabalho não segue os padrões comuns aos debates jurídicos, inclusive em peças técnicas. Geralmente as questões formais são preliminarmente abordadas para só depois adentrar ao mérito ou ao direito material. Neste texto já se começou diretamente no tema do direito material, isso porque era ele inexistente, fato atípico e não cabia, ao sentir deste autor, fazer o leitor passar por linhas e linhas da temática procedimental também equivocada, mas sobre a qual ainda existe alguma celeuma em alguns pontos, para só depois chegar ao básico que na verdade inviabilizaria a prisão, ainda que com os procedimentos escorreitos.
A partir de agora serão discutidos os procedimentos adotados na prisão, os erros praticados e os pontos duvidosos que ensejam debate.
3.1 – O SIMULACRO DE “AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE”
Após a voz de prisão o Senador Omar Aziz lavrou e assinou um documento ao qual intitulou de “Auto de Prisão em Flagrante” (sic). [32] Em seguida encaminhou o preso à Polícia Legislativa do Senado para atos de Polícia Judiciária.
A peça elaborada por Aziz, não se sabe se por deliberação própria ou sob a orientação de alguém, nunca foi e nunca será verdadeiramente um “Auto de Prisão em Flagrante”. Trata-se apenas de um documento, na verdade inominado e sem previsão legal, que consiste em um resumo da captura do preso e sua apresentação à Polícia Legislativa. Em suma, trata-se do que se chamaria na doutrina de uma simples “notitia criminis”, no caso, uma “notitia criminis” de cognição coercitiva, já que se trata de uma prisão. [33] Também não se pretenda dizer que o citado documento poderia ser um “Mandado de Prisão em Flagrante”, pois que isso não existe, aliás a Prisão em Flagrante é exatamente a exceção dentre as prisões que não exige mandado ou ordem judicial prévia. Mandado de Prisão somente emite um juiz ou tribunal e mesmo assim não em caso de flagrante (inteligência do artigo 5º., LXI, CF). [34]
Assim sendo, tal peça é inútil e mais, a conduta correta seria que o Senador que deu voz de prisão apresentasse pessoalmente o preso, na qualidade de condutor, à Autoridade Policial para as formalidades. Não existe prisão “por bilhete” ou por “recado”. Um verdadeiro “Auto de Prisão em Flagrante” é lavrado pela Autoridade Policial de acordo com o procedimento delineado no artigo 304, CPP, com oitiva do condutor e testemunhas, bem como interrogatório do conduzido e, somente ao final, é elaborada a peça a que se denomina de “Auto de Prisão em Flagrante”.
Além disso, um Senador da República não tem atribuição legal para lavrar qualquer “Auto de Prisão em flagrante”. Ele pode prender, no sentido de capturar, como pode qualquer do povo (inteligência do artigo 301, CPP). Mas, a formalização da prisão somente pode ser feita pela Autoridade de Polícia Judiciária (Delegado de Polícia, no caso Federal). Como se verá, é extremamente discutível se mesmo a Polícia Legislativa tem atribuição para formalizar a prisão ou se apenas tem o poder comum de captura.
O fato de que a CPI tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais não estende a seu Presidente ou a qualquer Senador a atribuição de formalizar prisão em flagrante. Os Magistrados podem, nos termos do artigo 307, CPP, prender em flagrante (no sentido de formalizar a prisão e não somente de capturar), excepcionando a regra da exclusividade do Delegado de Polícia. Entretanto, mesmo esse dispositivo do CPP tem sido afastado em sua aplicação pela grande maioria dos juízes, que presam pelo sistema acusatório e são cônscios de seu dever de autocontenção.
Vale citar o ensinamento de Hoffmann e Moraes:
Ademais, a prisão em flagrante consiste em espécie de prisão cautelar cuja atribuição para decretação é da autoridade de Polícia Judiciária (artigo 304, § 1º., do CPP), tendo a legislação autorizado a qualquer do povo não a formalização do auto de prisão em flagrante, mas a mera captura do suspeito em estado flagrancial (artigo 301 do CPP).
Não se olvida que o artigo 307 do CPP admite excepcionalmente que o juiz formalize o auto de prisão em flagrante (APF) quando o fato for praticado em sua presença ou contra ele no exercício de suas funções. Todavia, trata-se de dispositivo ultrapassado (e por isso mesmo de rara utilização prática), que colide frontalmente com o sistema acusatório consagrado no nosso sistema processual penal, que veda a iniciativa do juiz na fase de investigação (artigo 3º. – A do CPP). Ora, se a Constituição concebeu um sistema de persecução criminal em que há uma instituição exclusivamente destinada à investigação criminal, em vez de concentrar tal atribuição em outro órgão (como se dá em modelos de outros países), também por esse motivo não faz sentido que o magistrado confeccione uma das peças que inaugura o inquérito policial.
Nesse sentido, o fato de a CPI possuir poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (artigo 58, § 3º., da CF) não se qualifica como permissivo para autorizar que o relator da CPI (ou qualquer outro parlamentar) lavre um auto de prisão em flagrante, mesmo em relação a delito praticado nas dependências da casa legislativa. [35]
Na verdade já foi decidido pelo STF há tempos que nem o Senador Presidente de CPI nem o Chefe de Polícia Legislativa são “autoridades” nos termos referidos pelo artigo 307, CPP, de modo que não lhes cabe a formalização de prisão em flagrante. Senão vejamos:
É nulo o auto de prisão em flagrante lavrado por determinação de Presidente de CPI e presidido pelo Diretor – Substituto da Coordenação de Segurança Legislativa da Câmara dos Deputados, por não revestir este a qualidade de “autoridade de que fala o artigo 307 do CPP” (STF, HC 73.035-3, Pleno, j. 13.11.96, in RBCCr 18/222-3). [36]
Em suma, ainda que se abstraísse o fato de que a prisão de Dias foi completamente ilegal por motivos materiais já expostos, o documento elaborado pelo Senador Omar Aziz nunca passou de uma folha de papel também sob o prisma formal. Isso sem falar do fato de que no suposto “Auto de Prisão em Flagrante” não são cumpridas as formalidades mínimas que consistem na cientificação do preso acerca de seus direitos constitucionais, tais como assistência da família, advogado, direito de permanecer calado, direito à integridade física etc. Acaso o “auto” elaborado por Aziz pudesse ser assim realmente chamado e não fosse, na verdade, uma peça inquinada pela “inexistência jurídica”, seria então absolutamente nulo por ausência de formalidades fundamentais. Entretanto, não chega sequer à qualidade da nulidade, já que, como já dito, se alberga anteriormente na “inexistência”, tendo em vista tratar-se de ato de tal forma desnaturado “extrínseca e intrinsecamente” que não chega sequer a ser reconhecido no mundo jurídico para ser declarado como nulo. Ocorre, neste caso, uma “intensa desconformidade entre o ato e seu modelo legal”. Na realidade, “a atipicidade do ato processual é tão contundente e abrangente que ele é considerado um não – ato”. [37]
3.2 – A FORMALIZAÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE PELA POLÍCIA LEGISLATIVA
É fato que a Constituição em seus artigos 51, IV e 52, XIII assegura a existência de Polícias Legislativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Entretanto, não arrola suas funções, muito menos lhes atribui atividades de Polícia Judiciária ou de Investigação Criminal. Desse vácuo é de se concluir que se tratam simplesmente de corpos de segurança administrativos e preventivo – ostensivos. Também não há lei ordinária que regule a atuação das Polícias Legislativas na seara de investigação ou de Polícia Judiciária e se houvesse seria inconstitucional, já que não há qualquer abertura da Constituição para essa regulamentação por lei ordinária. Dessa forma, não parece haver dúvida de que é absolutamente ilegal a elaboração de inquéritos policiais, aí inclusos autos de prisão em flagrante, por Polícias Legislativas. Novamente não é o caso sequer de falar em “nulidade” desses eventuais atos praticados por Polícias Legislativas, mas, mais do que isso, em verdadeira “inexistência”. Na lição de Grinover, Fernandes e Gomes Filho, a “desconformidade com o modelo legal” é por demais intensa, de modo que em tal situação os atos processuais são “inexistentes”, pois lhes falta, “de forma absoluta, algum dos elementos exigidos pela lei; neles, o vício é de tal gravidade que sequer seria possível considerá-los como atos processuais; são, na verdade, não – atos, em relação aos quais não se cogita de invalidação, pois a inexistência constitui um problema que antecede a qualquer consideração sobre a validade”. [38]
Inobstante não nos pareça poder haver argumentação plausível em contrário à conclusão acima exposta, é preciso notar que o Senador Omar Aziz, fundamenta a remessa do caso à Polícia Legislativa no artigo 226 do Regimento Administrativo do Senado Federal em combinação com o artigo 52, XIII, CF.
Nesse passo é preciso reconhecer e enfrentar, com honestidade intelectual, o fato de que existe entendimento de que a autorização constitucional da criação de Polícias Legislativas e sua regulação pelas respectivas Casas, poderia legitimar a atribuição de atividades investigativas e de Polícia Judiciária a tais órgãos.
É exatamente com fulcro nessa posição que Aziz fundamenta seu ato administrativo. E nesse ponto não se pode dizer, como em outros casos já examinados, que tenha agido de maneira tresloucada. Fato é que a questão comporta discussão.
Com base nessa ideia de que havendo a previsão constitucional de Polícias Legislativas e que poderiam ser regulamentadas pelas Casas respectivas, realmente, por meio de Resoluções, tanto a Câmara dos Deputados, como o Senado atribuem funções de investigação e Polícia Judiciária a seus corpos policiais. No caso do Senado, que é o que nos interessa no momento, essas funções são expressas no artigo 226 “caput”, § 1º., IX (que trata da “Coordenação de Polícia de Investigação”) e § 3º., IX, “a” e no artigo 263 (este especificamente sobre a Prisão em Flagrante) do Regimento Administrativo do Senado Federal (Resolução do Senado n. 13/2018).
Ainda antes da Resolução 13/18, já estabelecia esses poderes de investigação e de Polícia Judiciária à Polícia Legislativa do Senado, a Resolução do Senado n. 59/02. Desde então se discute sobre a validade dessas normativas administrativas e é encontrável trabalho aprofundado da lavra de Éder Maurício Pezzi López, procurando justificar as ditas atribuições na questão da separação dos poderes e num conceito amplo de “polícia”. [39]
Ocorre que essa regulamentação do Senado foi questionada no STF pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ANDPF), que pleiteou a declaração de sua inconstitucionalidade. [40]
Esse pleito deveria ser acatado, pois conforme ensina Brandão:
De mais a mais, defendemos que tanto as funções típicas e atípicas de Polícia Judiciária demandam lei processual (Artigo 22 inciso I da CF) e finalidade estabelecida constitucionalmente, uma vez que o exercício de tais atribuições, em última análise, decorre de uma faceta do exercício da soberania estatal, com potencial para limitar o status libertatis do cidadão.
Neste ponto merece críticas a regulamentação para o exercício da função de Polícia Judiciária com esteio apenas em resolução ou regulamentação extralegal; defendemos que o exercício atípico da função de Polícia Judiciária, levado a cabo, em certas ocasiões, por outros órgãos, devem encontrar limites e amparo em normatização legal, fazendo-se necessário, também, que tal órgão tenha implicitamente dentro de suas atribuições constitucionais, finalidade fiscalizatória e investigativa; de tal forma que lhe sendo imputado poder/dever de investigação, o seu exercício deve ser limitado em sua finalidade institucional, evitando que sejam criados verdadeiros órgãos ad hoc de persecução ou de exceção. [41]
O STF não se manifestou de forma definitiva sobre o tema, mas há algumas decisões que afastam o poder de investigação e função de Polícia Judiciária das Polícias Legislativas. Exemplo disso é o que consta da manifestação do Ministro Edson Fachin no bojo do Inquérito 4112 STF, 2ª. Turma, julgamento de 22.08.2017, publicação em 10.11.2017:
“Ordens emanadas do Poder Judiciário são de cumprimento exclusivo da polícia judiciária, em cujo rol não se inserem as polícias legislativas” (grifo nosso). [42]
No mesmo diapasão se manifesta o Ministro Celso de Mello (STF,Pet. 8261/ DF, Rel. Ministro Celso de Mello, j. 11.10.2019, pub. 25.10.2019), afastando em prol da Polícia Federal supostas funções de Polícia Judiciária das Polícias Legislativas. E mais, se refere o Ministro Celso de Mello a precedente do saudoso Ministro Teori Zavascki (STF, AC 4.005 – AgR/DF, Plenário, Decisão Unânime) que sobre o tema enfocado se manifestou nos seguintes termos:
“Desse contexto, verifica-se que a função da polícia legislativa é preventiva ou repressiva (…). Não se estendem a ela, então, as atribuições de polícia judiciária, que é típica da atividade jurisdicional” (grifo nosso).
O STJ também já enfrentou o tema em decisão de relatoria do Ministro Ribeiro Dantas (RMS 53.796 – RR (2017/0077923-7), pub. 24.03.2020), na qual afastou a necessidade de que diligência de busca e apreensão fosse realizada pela Polícia Legislativa, aduzindo que esta não tem atribuição investigatória ou de Polícia Judiciária. Em suas palavras:
“Da mesma forma, revela-se insubsistente a alegação de que o cumprimento da medida de busca e apreensão deveria ter sido efetivado pela política legislativa. Isso porque, como se sabe, a investigação criminal é tarefa atribuída à polícia judiciária (federal e civil), nos termos do artigo 144, §§ 1º. e 4º. da Constituição Federal” (grifo nosso).
Por outro lado há menções também em decisões do STF, dando guarida ao poder investigatório das Polícias Legislativas. Exemplo disso encontra-se na Manifestação do Ministro Relator Ricardo Lewandowski, na Reclamação 43007/DF, julgamento em 04.03.2021, publicação em 05.03.2021. O Ministro Lewandowski deixa claro seu entendimento sobre a possibilidade de “diversos órgãos realizarem investigações criminais”. E mais adiante, após expor vários exemplos desses órgãos (v.g. Receita Federal, CPIs, Banco Central etc.), nomeia explicitamente “as investigações feitas pela Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, no caso de crimes cometidos em suas dependências”.
Uma grande oportunidade de dar uma solução definitiva a essa questão foi esvaziada por aquilo que pareceu uma manobra jurídico – administrativa insidiosa. A própria Mesa do Senado Federal ingressou com uma “Ação Declaratória de Constitucionalidade” da então Resolução do Senado n. 59/02 que conferia poderes investigatórios e de Polícia Judiciária à Polícia Legislativa do Senado Federal (ADC 24/DF, Rel. Ministra Cármen Lúcia, j. em 04.10.2016, pub. 05.10.2016), isso tendo em vista decisões dos TRFs contrárias à constitucionalidade do ato administrativo e, principalmente, da legitimidade das Polícias Legislativas na atuação de investigação de Polícia Judiciária. Porém, enquanto ainda tramitava a ação, o Senado, no bojo de uma Resolução que tratava de matéria completamente apartada do tema (Criação do Grupo Parlamentar Brasil – Marrocos – Resolução do Senado 14/2015), em seu penúltimo artigo (artigo 7º., da Resolução do Senado 14/2015), simplesmente revogou expressa e totalmente a Resolução do Senado 59/02. Com isso requereu a extinção da ação por perda superveniente de seu objeto, o que foi acatado pela Ministra Cármen Lúcia com base em precedentes da corte. Ou seja, quando a questão poderia ser discutida, por meio de uma manobra jurídico – administrativa, o Senado contornou o debate para depois ressuscitar os poderes investigatórios e de Polícia Judiciária das Polícias Legislativas, tal como se vê atualmente na Resolução do Senado n. 13/2018 e ainda nas nunca discutidas judicialmente Resolução 17/1989 e Resolução 18/2003, ambas da Câmara dos Deputados. Isso nos faz lembrar Lampedusa ao referir-se em seu romance a “uma daquelas batalhas que se travam para que tudo fique na mesma”. [43]
Certamente para quem pretende ter uma polícia investigativa própria e diante dos questionamentos acerca da constitucionalidade dessa pretensão, é muito mais cômodo contornar a discussão e deixar que a polêmica se eternize, contando ainda com uma vetusta Súmula 397 do STF, redigida nos idos de 1964, nos seguintes termos:
“O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”.
Ocorre que é visível o fato de que tal Súmula foi elaborada num contexto histórico de exceção, em que as Casas Legislativas pretendiam assegurar-se contra investidas do Executivo por sua força policial, sendo dada guarida a essa compreensível pretensão naquela época e circunstâncias pelo STF. Hoje e desde a redemocratização, não subsistem motivos reais para a manutenção desse entendimento, o que vale dizer que essa Súmula 397 STF se encontra superada historicamente. Também se acha superada juridicamente com o advento da Constituição Federal de 1988 que regula as atividades de investigação e Polícia Judiciária, não atribuindo essas funções às Polícias Legislativas. Nesse passo, o mais correto seria o cancelamento expresso da Súmula em estudo, mas enquanto isso não ocorre, é forçoso reconhecer sua invalidade. E mais, ainda que fosse possível a tais polícias o exercício de investigações e atividades de Polícia Judiciária, isso teria de decorrer de lei ordinária e não de meras resoluções das Casas Legislativas. Mas, nem mesmo isso seria viável, tendo em vista a atual ordem constitucional, já que a simples “autorização do Legislativo para dispor sobre sua polícia não autoriza afastar ou suprimir a atribuição investigativa da polícia federal expressa na Carta Magna”. [44] Por isso, inobstante a polêmica em torno do tema, a qual não poderia ser ocultada por questão de honestidade intelectual, é inviável reconhecer que a Polícia Legislativa do Senado poderia ter formalizado a prisão em flagrante de Dias no caso em estudo. No máximo tal entidade policial poderia capturar o suspeito e conduzi-lo perante a Polícia Federal para eventual lavratura de Auto de Prisão em Flagrante. Isso sempre deixando de lado a absoluta atipicidade da conduta e apenas “ad argumentandum tantum”.
Neste sentido merece transcrição o escólio de Hoffmann e Moraes:
Tampouco deve o APF ser lavrado pela Polícia Legislativa, seja a Policia do Senado ou a Polícia da Câmara dos Deputados. Tais polícias possuem previsão constitucional (artigo 52, XIII, e artigo 51, IV, da CF, respectivamente) peculiar. Isso porque, além de não terem sido inseridas nos órgãos de segurança pública (artigo 144 da CF), não tiveram suas atribuições expressamente indicadas pelo texto constitucional, que se limitou a dizer que compete ao Senado e Câmara dispor sobre suas polícias. Por força do princípio da legalidade, o agente público só está autorizado a desempenhar a atribuição expressamente autorizada pela legislação. Por isso, a interpretação sistemática da Constituição leva à conclusão que, tendo a apuração de infrações penais sido destinada às polícias judiciárias (artigo 144, §§ 1º. e 4º., da CF), as Polícias Legislativas não podem realizar investigação criminal, sendo polícias administrativas com dever apenas de evitar infrações.
Não se desconhece que a Súmula 397 do STF afirma que o poder de polícia da Câmara e do Senado, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito. Contudo, cuida-se de enunciado editado em 1964 sob outra ordem constitucional, incompatível com a atual Constituição de 1988, que expressamente reservou a investigação criminal para as polícias judiciárias. Sendo, no âmbito federal, conforme expressa dicção do texto constitucional, a Polícia Federal aquela que deve “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União” (artigo 144, § 1º., da CF). [45]
Pesquisando diretamente no texto original da Constituição de 1967 se verifica que a ordem constitucional era totalmente diversa. A menção à Polícia Federal somente se dá no artigo 8º., estabelecendo ser competência da União sua organização e manutenção com estabelecimento, em vários incisos, de suas funções. Não há qualquer referência à sua atuação com exclusividade como Polícia Judiciária da União, e nem mesmo se mencionam as Polícia Civis, conforme hoje ocorre. As Polícias Legislativas também eram previstas da mesma forma precária no artigo 32, mas considerando precariedade por precariedade, até seria possível a manutenção da hipótese da Súmula 397 STF naqueles tempos, o que hoje é impensável e absolutamente incoerente.
Mas, é preciso ter em mente que a Súmula 397 STF não surge nem mesmo sob a égide da Constituição de 1967. Sendo datada do ano de 1964, vigorava a Constituição de 1946. Em consulta ao texto original dessa Constituição, a situação é ainda mais gritante. Em seu artigo 5º., inciso VII, estabelece a Constituição de 1946 ser competência da União a organização e manutenção da “polícia marítima, aérea e de fronteiras”. Não há sequer menção à Polícia Federal e muito menos às Polícias Civis. Por outro lado já estavam previstas as Polícias Legislativas de forma semelhante à atual no artigo 40. Ora, nesse quadro é óbvio que poderia se construir a Súmula 397 STF, mormente devido ao momento histórico por que se passava. Mas pretender comparar o sistema constitucional de 1946 ou de 1967 com a atual conjuntura jurídico – constitucional é um rematado absurdo.
Importante destacar os ensinamentos de Lessa e Moraes em obra especializada, quando comentam acerca das atribuições da Polícia Federal (Lei 10.446/02) e dos limites das Polícias Legislativas:
No que tange às chamadas polícias legislativas, é certo que a Constituição não as previu expressamente com tal nomenclatura, mas apenas as citou, de maneira genérica, no contexto de competências das duas Casas Legislativas, nos termos dos art. 51, IV e 52, XIII da Carta Magna. Não são propriamente órgãos de segurança pública (isto é, “polícias”), pois estão fora do rol especificado no art. 144 e do Capítulo III do Título V da Lei Maior (“Da Segurança Pública”), tendo as suas atribuições apenas descritas em resoluções administrativas internas, cuja constitucionalidade, ao menos quanto à titularidade de funções de polícia judiciária (diante da reserva legal legalmente emprestada à Polícia Federal), é bastante questionável. Desse modo, em razão das Casas Legislativas encontrarem-se vinculadas à União, pela exegese constitucional, reputa-se que as “polícias legislativas’ funcionam apenas como um órgão de segurança orgânica (e dos seus membros), não possuindo quaisquer atribuições de polícia judiciária, cujas providências, privativamente, devem ser levadas a efeito pela polícia judiciária da União (Polícia Federal), para onde devem ser encaminhadas pessoas capturadas em flagrante ou as notícias de infração penal perpetrada nas dependências do Congresso Nacional. [46]
No cenário da doutrina do Direito Constitucional, valiosa é a lição de Bernardes e Ferreira, apontando para o fato de que “as polícias legislativas não contam com nenhuma autorização constitucional para realizar funções de polícia judiciária”. [47] Ademais, os autores em questão apresentam uma fundamentação impecável para sustentar sua tese, rechaçando o conteúdo da problemática Súmula 397 STF. Não poderia deixar de transcrever esse conteúdo no corpo deste trabalho:
Em razão da Súmula 397 do STF, editada ao tempo da Constituição de 1946, ainda hoje se discute a possibilidade do exercício das funções de polícia judiciária por parte dos órgãos de polícia legislativa presentes em ambas as Casas do Congresso Nacional (artigos 51, IV, e 52, XIII). Não se desconhece que o Legislativo possui poder próprio de polícia administrativa e que tampouco, no âmbito de suas dependências físicas, deve ficar à mercê do Executivo, em matéria de policiamento ostensivo. Contudo, ao contrário das Constituições passadas, o constituinte foi peremptório ao atribuir à Polícia Federal, com “exclusividade”, o papel de polícia judiciária da União (inciso IV do § 1º. do art. 144 da Constituição).
De modo que as polícias legislativas no Congresso Nacional podem exercer atividades policiais tanto administrativasquanto ostensivas, mas não estão constitucionalmente autorizadas a cumprir funções de polícia judiciária. Daí a aparente inconstitucionalidade da Resolução 14/2015 que substituiu a Resolução 59/2002, ambas do Presidente do Senado Federal, bem como da Resolução 18/2003, do Presidente da Câmara dos Deputados, na parte em que reconhecem aos órgãos da polícia legislativa funções de polícia judiciária, com competência para apuração de infrações penais cometidas nas dependências de cada Casa Legislativa.
Bem por isso, a 2ª. Turma do STF já decidiu que ordens “emanadas do Poder Judiciário são de cumprimento exclusivo da polícia judiciária, em cujo rol não se inserem as polícias legislativas” (Inq. 4.112/DF).
Contudo, no âmbito do TRF/1ª. Região, a questão segue controversa. No MS2008.01.00.040753-0/DF, a 2ª. Seção reconheceu às polícias legislativas “a faculdade para apuração das infrações penais” (j. em 18.03.2009). Já no MS 0066814-38.2014.4.01.0000/DF (j. em 24.04.2015, a mesma 2ª. Seção da Corte negou poder investigatório às polícias legislativas, por entender que “a investigação criminal só pode ocorrer pelos seguintes órgãos: Polícia Judiciária, Ministério Público, Comissão Parlamentar de Inquérito, Judiciário e Polícia Militar (esta, nos crimes militares)”. Posteriormente, no MS 005585-43.2015.4.01.0000/DF (j. em 3.9.2015), a Corte Especial do TRF 1 reputou que os “atos de investigação para apuração de supostos delitos cometidos no âmbito do Senado Federal não constituem exclusividade da Polícia daquela casa legislativa”. Ou seja, embora reconhecida a atribuição da Polícia Federal para conduzir as investigações penais, o acórdão não excluiu o poder investigatório atribuído às polícias legislativas. Pelo contrário, o TRF 1 deu interpretação conforme a (hoje revogada) Resolução 59/2002, do Senado Federal, “no sentido de que a pretensa exclusividade da atuação da Polícia Legislativa daquela Casa para a apuração de supostas infrações penais nas suas dependências se restrinja às infrações que tenham relação direta com a atividade típica do Senado, como, a título exemplificativo, na hipótese de cometimento de algum delito que obstaculize o desenvolvimento de alguma das suas sessões, em detrimento da função legislativa”. [48]
Malgrado a demonstração de certa hesitação do TRF 1 quanto à atribuição possível de atividades investigatórias e de Polícia Judiciária às Polícias Legislativas de forma excepcional no último julgado citado por Bernardes e Ferreira, é bom destacar, conforme faz Leal, que no mesmo “decisum” consta item da ementa em que é feita a afirmação de que a atribuição de Polícia Judiciária Federal é exclusiva da Polícia Federal, de modo que eventual exceção somente seria válida se proviesse da própria Constituição, o que obviamente não ocorre quando se trata de mera Resolução do Senado ou da Câmara dos Deputados. [49] Para que não reste dúvida, segue a transcrição do trecho citado do julgado em destaque:
O inc. IV do § 1º do mencionado artigo dispõe expressamente que compete à Polícia Federal, com exclusividade, o exercício das funções de polícia judiciária da União, pelo que inafastável a conclusão no sentido de que eventual exceção a essa norma apenas pode ser admitida se prevista também na própria Constituição, situação inocorrente na hipótese em tela.
Portanto, pode-se afirmar, com boa segurança, que a pretensa “interpretação conforme a Constituição” da Resolução do Senado que atribui poderes investigatórios e de Polícia Judiciária à Polícia Legislativa de forma excepcional, constante do voto do Desembargador Federal Relator, Marcos Augusto de Sousa, acaba em contradição com a elaboração final da própria ementa de sua lavra, pois que, de acordo com ela, a única interpretação conforme a Constituição seria a de que não havendo previsão constitucional, não seria possível a nenhuma outra Polícia o exercício de funções de Polícia Judiciária da União. Efetivamente, não há previsão constitucional alguma, nem mesmo sequer previsão em lei ordinária, mas apenas o dispositivo de uma mera Resolução.
Embora seja em um trecho por demais tímido e curto, o constitucionalista José Afonso da Silva atribui expressamente às Polícias Legislativas a condição de um “corpo de guarda” com destinação limitada ao “policiamento interno”. [50]
Percebe-se que inobstante sejam robustos os argumentos para o afastamento das funções investigativas e de Polícia Judiciária das Polícias Legislativas, bem como para a invalidade atual da vetusta Súmula 397, STF, o tema comporta ainda muita polêmica e já merecia um olhar definitivo por parte do Supremo Tribunal Federal, inclusive com a revogação expressa da Súmula 397 e expedição de uma nova Súmula deixando clara a limitação constitucional das Polícias Legislativas.
Como bem demonstra Leal a subsistência dessa Súmula claramente superada gera intenso debate sobre o tema, de forma que na doutrina chega a predominar a tese dos poderes investigatórios e de Polícia Judiciária das Polícias Legislativas. [51]
Não obstante, em pesquisa realizada em várias obras que versam sobre Processo Penal e Direito Constitucional, percebe-se que há algumas manifestações muito superficiais e acríticas, apontando a Súmula 397 STF como um exemplo de caso em que a investigação criminal pode ser feita por autoridades diversas das previstas no artigo 4º., “caput”, CPP, conforme o disposto no Parágrafo Único desse mesmo dispositivo. Até mesmo nas anotações de Códigos de Processo Penal há a indicação, logo após o artigo 4º., Parágrafo Único, CPP, da Súmula 397 STF. Doutra banda, há um sem número de obras que simplesmente omitem totalmente esse tema. Aliás, na verdade a omissão é que é prevalente. Tudo isso indica que falta na doutrina uma maior dedicação ao estudo da questão, a qual é apresentada de forma simplista ou até mesmo desprezada, quando, claramente, não se trata de tema desimportante e sim de algo que comporta análise aprofundada constitucional, ordinária e até mesmo histórica. É preciso que o tema seja realmente estudado com afinco e que se indique um norte seguro, sendo incompreensível especialmente a ausência de comentários acerca dele em várias obras, bem como a inação do Supremo Tribunal Federal no que tange a colocar um ponto final nessa discussão. Afinal ninguém pode desejar a desdita reservada aos omissos ou indiferentes, conforme poeticamente nos descreve o Inferno de Dante:
Essa sorte miseranda têm as almas tristíssimas daqueles que vivem sem infâmia, mas sem méritos. Estão misturados àquela hoste vil dos anjos que não se rebelaram e nem foram fiéis a Deus, mas que pensaram apenas em si mesmos. Foram expulsos do céu onde não cabem, e as profundezas do inferno os não recebem, já que alguma glória lhes trariam. [52]
Não há como deixar de concluir com Leal nos seguintes termos:
Percebida a celeuma jurídica em relação à superação ou não da súmula 397 do Supremo Tribunal Federal, e isto ocorre, sobretudo, em face do momento histórico em que ela foi elaborada e do tempo que já transcorreu de sua elaboração, faz-se oportuno que a Corte Suprema se manifeste sobre o tema.
Nesta linha, é importante que o STF, no intuito de por fim ao tratado debate jurídico, manifeste-se, de forma vinculada, acerca da validade ou não do apontado enunciado sumular, através, por exemplo, de enunciado de súmula vinculante (art. 103-A da CFRB/88). [53]
Releva mencionar o entendimento de Moreira, trazendo à baila o escólio de “alentado estudo” de Paulo Queiroz, segundo o qual nos casos de flagrante em área legislativa, caberia, no máximo, à Polícia Legislativa efetuar a captura, como pode fazer qualquer do povo e apresentar o detido à Polícia Federal para que esta e somente esta lavre o Auto de Prisão em Flagrante. Para o autor a Súmula 397 STF sofre de obsolescência histórico – temporal. Afirma Moreira com todas as letras que “não cabe à Polícia Legislativa, (…), a realização de investigação de natureza criminal”. [54]
Não é preciso, porém, diante dos argumentos expostos e de várias decisões já proferidas pelos Tribunais, inclusive o STF, aguardar essa medida a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal para perceber que a razão assiste àqueles que entendem que as Polícias Legislativas não têm poderes de Polícia Judiciária ou de Investigação, tratando-se de mero corpo de segurança ostensivo – preventivo. Dessa forma, forçoso reconhecer que não cabia a lavratura de Auto de Prisão em Flagrante contra Roberto Ferreira Dias por integrantes de tal órgão de polícia, sendo o ato jurídico inexistente, conforme já demonstrado.
3.3 – A FRAGILIDADE DA PRISÃO POR FALSO TESTEMUNHO
Assinale-se introdutoriamente que neste tópico, mais uma vez os comentários são feitos com a abstração do fato de que Roberto Ferreira Dias era, na verdade, investigado e não testemunha. Novamente a questão é explorada em seus aspectos formais, já que materialmente a conduta do implicado sempre foi atípica.
Embora seja fato conhecido que a CPI onde se deu a prisão em estudo seja marcada por nítido viés político de prejulgamento descarado ao ponto de se ver e ouvir Senadores da República se retirando do recinto sob a alegação de que não lhes interessa ouvir versões de certas testemunhas e convidados; manifestarem expressamente que não lhes interessa esclarecimentos acerca de muitos pontos levados à baila por depoentes, dentre outras demonstrações de parcialidade visível; há que abordar o tema da prisão em flagrante por falso testemunho, a qual é por muitos indicada como inoportuna, tendo exatamente em vista que pode transparecer como uma espécie de prejulgamento, considerando que a apuração ou processo ainda não terminou. Ou seja, desqualificar uma versão qualquer ao ponto de prender alguém por falso testemunho em meio ao andamento de um feito, significa, subliminarmente, assumir que a versão contrária seria válida, isso num momento ainda apuratório ou instrutório e não decisório. Significa, em todo caso, ao fim e ao cabo, empregar atitude exauriente de certo tema em uma fase que ainda é provisória ou precária. Nessas circunstâncias seria ao que parece virtualmente impossível obter aquilo com que o Desembargador Rafael Magalhães definiu o flagrante, ou seja, “a certeza visual do crime”. [55]
No caso da CPI do Covid – 19 a prisão em flagrante por suposto falso testemunho foi apenas mais uma mancha em quem já chafurdava na lama da parcialidade, mas nem por isso, sob o prisma jurídico em que se move este trabalho, se poderia deixar de abordar o tema.
Na realidade, consumando-se o falso no momento em que se encerra o depoimento, tecnicamente falando, nada obsta a Prisão em Flagrante. Entretanto, como leciona Greco:
Quando a testemunha, por algum motivo, na presença do juiz, se recusa a prestar suas declarações, não vemos óbice à prisão em flagrante, pois ela tem a obrigação de responder sobre aquilo que lhe perguntarem.
No entanto, se o julgador, durante a inquirição de uma testemunha, vier a se convencer de que suas declarações são falsas ou de que nega a verdade, é sinal de que, antecipando o seu julgamento, entendeu que as demais provas, que até aquele momento foram trazidas para os autos eram verdadeiras.
Trata-se, portanto, de uma valoração perigosa, principalmente se ainda existirem outras provas a produzir.
Por isso entendemos que a prisão em flagrante de alguém pela prática do delito de falso testemunho poderá, em algumas situações, conduzir até mesmo à suspeição do julgador, pelo fato de que, com ela, já terá manifestado a sua valoração, entendendo como verdadeira a prova que serviu de parâmetro a fim de concluir pela falsidade testemunhal. [56]
Acaso Roberto Ferreira Dias não fosse investigado (que tem direito ao silêncio), mas realmente uma testemunha, ao pretender silenciar certamente cometeria o falso testemunho omissivo e a prisão nesse caso não é tão problemática, isso porque não há alegação alguma a qual se acoime de mentirosa, dando prevalência a outras possíveis versões, de modo a inquinar de parcialidade a atuação do inquiridor. Mas, no caso concreto, ainda que sendo testemunha (o que materialmente não era), o que se processou foi a pecha de mentirosas para as declarações que prestou, em contraste com a validade absoluta conferida a outras informações, inclusive áudios que acabavam de chegar à sessão, não sendo sequer periciados quanto à sua integridade e autenticidade, afora o fato de que não se tratava de gravação em que o próprio imputado falasse, mas afirmações de terceiros. Dessa maneira, a situação bem delineada por Greco linhas acima fica plenamente caracterizada, de tal forma que a prisão em flagrante se torna absolutamente desaconselhável. É claro que a CPI não equivale a um Juízo, mas há que lembrar que seus poderes investigatórios são os mesmos dos juízes (artigo 58, § 3º., CF). Além disso, qualquer atividade de investigação deve contar com a necessária imparcialidade e abertura, sendo altamente prejudicial o que Cordero chamou de “primado das hipóteses sobre os fatos”, ou seja, a eleição de uma hipótese prévia e a saída obsessiva à cata de argumentos ou “provas” que a sustentem, com o desprezo de tudo o mais que se apresente. [57] Esse tipo de postura não somente é parcial, prejulgadora, mas também não é nada inteligente, ao menos se a finalidade é a de buscar a verdade. Essa espécie de investigador, se não for corrompido, é extremamente incompetente (no sentido lato).
Outro aspecto que desaconselha a Prisão em Flagrante por falso testemunho é o fato de que existe a admissão de retratação com a consequência jurídica da extinção de punibilidade do agente. Como ensina Andreucci:
“Prisão em flagrante pode ocorrer tão logo se consume o delito. Entretanto, considerando a possibilidade de retratação prevista no § 2º., é prudente que se aguarde a sentença no processo em que ocorreu o ilícito”. [58]
Seria no mínimo incoerente privar a liberdade de alguém, ainda que momentaneamente, quando se sabe que paira legalmente a possibilidade de que o suposto ilícito pelo qual se prende venha a se desvanecer por força de disposição legal.
É sabido que essa possibilidade de retratação até antes da sentença que julgue o caso enfocado é prevista no artigo 342, § 2º., CP e não no dispositivo especial aplicável aos casos de falso testemunho em CPIs (artigo 4º., inciso II, da Lei 1.579/52). Contudo, já foi exposto neste trabalho que o crime especial por último mencionado é um caso de “crime remetido”. Não prevê o preceito secundário da norma, mas remete o intérprete e aplicador ao artigo 342, CP. Dessa forma, há que concluir que toda a normatização referente à pena aplicável é aquela constante do dispositivo comum do Código Penal, inclusive a causa extintiva prevista no § 2º., do artigo 342, CP. Por essa razão, em nada se altera o raciocínio que sustenta o presente argumento sobre a inconveniência, em geral, de uma Prisão em Flagrante por Falso Testemunho, ainda que seja durante uma CPI.
Neste sentido também se manifesta Silva, com relação ao tratamento a ser dado ao artigo 4º., II, da Lei 1.579/52:
Ao fazer referência ao Código Penal no que tange à pena e por ser benéfico ao réu, aplicam-se ao dispositivo normas que de algum modo o favoreçam, como a possibilidade de retratação até a prolação da sentença, conforme disposto no § 2º. do artigo 342 do estatuto repressivo. Reza o dispositivo: “O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade”.
E conclui com acerto o autor:
Com efeito, por tudo que foi exposto, sendo possível a retratação até a prolação da sentença, não se faz possível a prisão em flagrante delito. Muito embora o crime se configure e consume quando do fim do depoimento, havendo a possibilidade de retratação a qualquer hora antes da sentença, não é razoável que a pessoa seja presa em flagrante, muito embora a ação penal possa ser promovida, mas o julgamento ficará na dependência da prolação da sentença no processo em que o falso testemunho foi cometido, posto que, até lá, pode haver retratação, que importará na extinção da punibilidade da testemunha. [59]
Observe-se que nem mesmo o futuro eventual processo criminal por falso testemunho pode ter seu deslinde antes que seja prolatada a sentença no processo respectivo onde supostamente o falso se operou. Isso porque, a uma, a maior segurança quanto à falsidade somente estará presente quando do término daquele primeiro processo; a duas, porque existe a possibilidade de retratação até antes da sentença, o que geraria a extinção da punibilidade e prejudicaria a justa causa para o processo que versa sobre o suposto falso testemunho. Como demonstra Greco, essa é a posição firmada, inclusive nos Tribunais Superiores:
Pode ocorrer a hipótese de alguém ser denunciado pelo delito de falso testemunho, enquanto tramita a ação penal na qual o delito foi, em tese, praticado. Nesse caso, os Tribunais Superiores já firmaram entendimento no seguinte sentido: É possível a propositura da ação penal para se apurar o crime de falso testemunho antes de ocorrer a sentença no processo em que o crime tenha ocorrido, desde que fique sobrestado seu julgamento até a outra sentença ou decisão (STJ, Resp. 596500/DF, Resp. 2003/0171653-8, Rel. Min. José Arnaldo Fonseca, 5ª. T., j. 21.10.2004, DJ 22.11.2004, p. 377) (grifos no original). [60]
Vale indicar um ponto de discordância com o autor Cesar Dario Mariano da Silva. Em seu trabalho defende que a possibilidade de retratação nos casos de falso testemunho em CPI se estenderia somente até o relatório final da Comissão, em analogia ao disposto no artigo 342, § 2º., CP, que se refere à sentença no Processo Judicial. [61]
Entende-se que razão assiste a Silva apenas nos casos em que o teor do depoimento se refira somente a questões que não resultarão em possível processo criminal, administrativo ou judicial em geral ulterior ou em que, mesmo podendo, não se convolem efetivamente em futuro processo por algum motivo. Em havendo algum processo, mesmo tendo sido o falso perpetrado em investigação preliminar (CPI, Inquérito Policial etc.), poderá o suposto autor do crime se retratar até a sentença e não apenas até o relatório do feito preliminar. No caso de Dias isso é irrelevante, eis que nem mesmo testemunha era e terá sempre, inclusive em juízo criminal eventual, o direito ao silêncio e não – autoincriminação. Mas, a observação é pertinente seja porque de interesse dogmático, seja a título de argumentação, acaso Dias fosse realmente uma testemunha, o que demonstra que nem mesmo assim sua prisão em flagrante teria sido aconselhável.
Ainda que tendo em vista o fato já repisado de que no caso de Dias não houve tipicidade criminal, é de se destacar que as alegações de Aziz no sentido de que teria ofertado várias “chances” para que o suposto “depoente” (investigado na verdade) se retratasse, [62] não têm, por obviedade, o condão de obstar o direito do envolvido de retratar-se até a eventual sentença criminal ou, no mínimo, acaso não haja processo posterior, até o relatório da CPI, isso acaso fosse realmente uma testemunha suspeita de mendacidade e não um investigado. Desse modo, sua prisão, ainda que fosse testemunha, seria da mesma forma inoportuna, não sendo qualquer favor de quem quer que seja, mas direito posto, a possibilidade de retratação e extinção de punibilidade.
3.4 – NULIDADE REGIMENTAL DO ATO DE PRISÃO EM FLAGRANTE?
Finalmente é preciso analisar uma questão que foi posta em discussão acerca da nulidade dos atos da CPI, tendo em vista que já haviam se iniciado os trabalhos da “ordem do dia do plenário” quando da voz de prisão, sendo fato que, por regra interna, os trabalhos das comissões devem ser suspensos quando começa a “ordem do dia do plenário”. Alguns Senadores que compõem a CPI levaram essa notícia ao Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o qual a princípio confirmou que as comissões não podem funcionar enquanto houver ordem do dia, chegando a apelar para que Aziz suspendesse os trabalhos da CPI devido ao funcionamento do plenário, sob pena de nulidade de suas decisões (de Aziz). O Senador Rodrigo Pacheco afirmou que iria confirmar se a ordem de prisão teria sido dada em concomitância com as atividades do plenário, reiterando que não seria possível o funcionamento simultâneo da CPI, o que geraria nulidade de todos os atos praticados pela comissão, sendo dever de todos os Senadores conhecerem e cumprirem o regimento interno. [63]
Contudo, posteriormente, o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, deliberou por não reconhecer a nulidade da prisão de Roberto Ferreira Dias. Afirmou que a CPI e seus membros condutores têm autonomia e não lhe caberia se imiscuir em suas decisões. [64]
Não tem relevância eventual discussão acerca da atribuição ou não do Presidente do Senado para anular atos de comissões no que se refere a chegar a uma conclusão fundamentada sobre o acerto ou erro de Pacheco.
Na verdade parece que a alegação de suposta nulidade da Prisão em Flagrante devido à normativa do regimento interno relativa ao funcionamento do plenário e de comissões não tem cabimento. Isso porque, em se considerando, ainda que a título de mera argumentação, que teria, em tese, ocorrido um crime no âmbito do Senado Federal, a Prisão em Flagrante é regida pelo Processo Penal Brasileiro e demais normas penais e não por qualquer regimento legislativo. A Prisão em Flagrante, admitindo-se, “ad argumentandum tantum”, que tivesse ocorrido um crime, se impõe nos termos dos artigos 301 e 302, CPP, não estando condicionada a questões administrativas de funcionamento das pautas legislativas. O fato de a prisão dar-se no contexto de uma CPI ou no ambiente do Senado Federal é meramente circunstancial, em nada alterando o regramento processual penal da matéria. Não se trata propriamente de ato específico da CPI, mas da voz de prisão dada a alguém pelo cometimento, em tese, de um crime em estado flagrancial. No caso concreto, o importante é que não houve crime algum e depois foram praticadas formalidades processuais penais eivadas de irregularidades e até mesmo de inexistência, conforme aqui já exposto. No entanto, a questão regimental parece ser algo totalmente irrelevante para a conclusão acerca da validade e legalidade ou não da prisão em estudo.
Exatamente por isso entende-se que o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao contrário dos demais envolvidos na prisão, não cometeu crime de Abuso de Autoridade, seja por atuação própria, seja em concurso de agentes. Realmente, o pleito que lhe foi feito quanto à anulação da Prisão em Flagrante devido a eventual violação do regimento interno não era de ser acatado. Cabe sim, como já aqui exposto, ao Judiciário, proceder ao urgente relaxamento dessa prisão ilegal.
4 – CONCLUSÃO
Foi objeto de estudo deste trabalho a Prisão em Flagrante de Roberto Ferreira Dias por suposto crime de Falso Testemunho durante audiência da CPI do Covid – 19, sob a presidência do Senador Omar Aziz.
A primeira constatação foi o vergonhoso emprego de terminologia totalmente inadequada por Senadores da República que teriam por obrigação o conhecimento das leis brasileiras, afirmando que Dias seria preso por suposto crime de “Perjúrio” (sic), simplesmente inexistente em nossa legislação.
Confrontou-se o conceito de “Perjúrio” com o crime de “Falso Testemunho”, demonstrando que, para além da impropriedade terminológica, o uso da expressão indicou uma espécie de “ato falho” dos Senadores que efetivamente prendiam alguém que não era testemunha e sim investigado. Portanto, praticavam uma prisão ilegal por “Perjúrio”, fato absolutamente atípico no Brasil, violando de quebra a ampla defesa, o direito ao silêncio e a não – autoincriminação.
No seguimento foram analisados os procedimentos adotados para a formalização da prisão, os quais são eivados de irregularidades tremendas, chegando mesmo a se poder reconhecer, mais que nulidades, verdadeiros atos jurídicos “inexistentes”, porque praticados por “autoridades” sem atribuição e com violação de formalidades essenciais.
Vislumbrou-se, assim, a prática de crimes de Abuso de Autoridade e o necessário relaxamento da prisão ilegal pelo Judiciário.
Não se constatou relevância na alegação de nulidade da prisão por violação do regimento interno, tendo em vista o funcionamento concomitante da CPI com a ordem do dia do plenário. Isso porque a matéria da prisão é de natureza penal e processual penal, não tendo relação, a não ser circunstancial, com o local e a situação de funcionamento do Congresso Nacional. Os equívocos formais da prisão são relevantes e apontam para sua “inexistência” jurídica. Mas, como visto, em alguns pontos, podem ser discutidos. Diferente é a conclusão pela ilegalidade e abusividade da prisão de alguém, seja quem for, por suposto “Perjúrio”, ou seja, de um investigado ou acusado que presta interrogatório e apenas é denominado formalmente como “testemunha” como uma artimanha para violar seus direitos e garantias. Essa é a questão fulcral que aponta para a plena ilegalidade da prisão e a configuração inequívoca de Abuso de Autoridade pelos seus responsáveis, eis que claramente agiram de forma ardilosa e consciente, satisfazendo, inclusive, o dolo específico exigido pela Lei 13.869/19 (artigo 1º., § 1º.).
Em arremate toma-se a liberdade de citar novamente Julián Marias:
Os países que gozam de uma democracia efetiva têm o dever de cuidar dela, de mantê-la fiel a suas funções próprias, sem transbordar nem degenerar em opressão. E, diante do resto do mundo, devem compreender que não se trata de proclamar nominalmente a democracia, mas de estabelecer, se possível, as condições para sua existência. [65]
Infelizmente, não parece que nesse episódio se possa notar algum trabalho no nosso Congresso Nacional para que a democracia brasileira seja efetiva e não apenas nominal. Ao reverso, parece que houve uma prática pervertida de autoritarismo e abuso. Esperemos que no seguimento o Poder Judiciário possa tomar decisões corretas e justas, dando concreção aos fundamentos do que se pretende ser um chamado Estado Democrático de Direito.
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[1] PRESIDENTE da CPI, Omar Aziz prende Roberto Dias por Perjúrio. Disponível em https://www.otempo.com.br/politica/presidente-da-cpi-omar-aziz-prende-roberto-dias-por-perjurio-1.2509714 , acesso em 12.07.2021.
[2] MAIA, Gustavo. Leia a íntegra do mandado de prisão da CPI contra Roberto Dias. Disponível em https://veja.abril.com.br/blog/radar/leia-o-mandado-de-prisao-de-aziz-contra-roberto-dias/ , acesso em 12.07.2021. Vide também: PRESO ao depor à CPI, Roberto Dias é solto após pagar fiança. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2021/07/preso-ao-depor-a-cpi-roberto-dias-e-solto-apos-pagar-fianca , acesso em 12.07.2021.
[3] ROBERTO Dias é preso por perjúrio e falso testemunho durante depoimento na CPI da Covid. Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2021/07/07/roberto-dias-e-preso-por-perjurio-e-falso-testemunho-durante-depoimento-na-cpi-da-covid , acesso em 12.07.2021.
[4] FUZEIRA, Victor, LIMA, Luciana, MONTANINI, Marcelo. CPI: G7 nega racha e se diz “solidário” com decisão de prisão de Dias. Disponível em https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/cpi-g7-nega-racha-e-se-diz-solidario-com-decisao-de-prisao-de-dias , acesso em 12.07.2021.
[5] GOMES, Luiz Flávio, MARQUES, Ivan Luís. Prisão e Medidas Cautelares. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 33.
[6] Confira-se os dados dos Senadores envolvidos no Portal do Senado, acessando a aba “Biografia e Histórico Acadêmico”: Randolfe Rodrigues – AP. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/5012 , acesso em 12.07.2021. Omar Aziz – AM. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/5525 , acesso em 12.07.2021. Aziz ao menos é apenas “engenheiro civil”, mas com anos e anos de política no legislativo e executivo, ocupando cargos de alta envergadura, teria por obrigação ter uma noção mínima de Direito, já que produz leis que nos obrigam a todos!
[7] MARÍAS, Julián. Tratado sobre a Convivência. Trad. Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 182.
[8] O GLADIADOR. Filme (drama histórico, ação e aventura). Dream Works SKG/ Universal Pictures, 2000.
[9] O crime é denominado “remetido”, porque prevê a conduta do falso testemunho e não prevê a pena na Lei 1.579/52, remetendo o intérprete e aplicador às penas previstas no Código Penal para o crime de Falso Testemunho (artigo 342, CP). O crime remetido “ocorre quando a sua definição se reporta a outros delitos que passam a integrá-lo”. Cf. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Volume 1. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 183.
[10] DICIONÁRIO Direito. Perjúrio. Disponível em https://dicionariodireito.com.br/perjurio , acesso em 12.07.2021.
[11] RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de Processo Penal Norte – Americano. São Paulo: RT, 2006, p. 135.
[12] Op. Cit., p. 138.
[13] CARNEIRO, Marcus Vinícius. Existe o Crime de Perjúrio no Brasil? Disponível em https://marcusvinciuscarneiro.jusbrasil.com.br/artigos/682229412/existe-o-crime-de-perjurio-no-brasil , acesso em 12.07.2021.
[14] FERREIRA, Marco Aurélio Gonçalves. A Ausência do Crime de Perjúrio no Sistema Jurídico Brasileiro. Revista da Seção Judiciária da Justiça Federal do Rio de Janeiro. n. 29, dez., 2010, p. 143 – 150.
[15]PL4192/2015. Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2076004 , acesso em 12.07.2021.
[16] Excelente análise sobre o projeto e a respeito da questão da ausência de previsão legal do crime de “Perjúrio” no Brasil encontra-se no trabalho de Nogueira e Gama: NOGUEIRA, Carla Mariana Ferraz, GAMA, Júlio Cesar Boa Sorte Leão. O Perjúrio no Ordenamento Jurídico Brasileiro Enquanto Extensão do Direito de Defesa do Réu. Disponível em https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/o-perjurio-no-ordenamento-juridico-brasileiro-enquanto-extensao-do-direito-de-defesa-do-reu/#_ftn19 , a cesso em 12.07.2021.
[17] ESTEFAM, André. Direito Penal. Volume 4. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 363.
[18] ORIGEM da palavra. Perjúrio. Disponível em https://origemdapalavra.com.br/palavras/perjurio/ , acesso em 12.07.2021.
[19] ESTEFAM, André, Op. Cit., p. 363.
[20] NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. Volume 4. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 363.
[21] ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Código Penal Anotado. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 786 – 787.
[22] NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. Volume 3. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 672 – 673. Essa orientação de todo coerente e razoável é esposada também por Mirabete, que ilustra sua obra com diversas decisões, inclusive do STF, afastando o crime de falso testemunho (nem mesmo de perjúrio) no caso do depoente que pode se autoincriminar e então passa a ter o direito ao silêncio e a não – autoincriminação, podendo até mesmo faltar com a verdade. Cf. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 2560.
[23] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 3. 12ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 672.
[24] Ver por todos, com várias decisões jurisprudenciais ilustrativas: DELMANTO, Celso, DELMANTO, Roberto, DELMANTO JÚNIOR, Roberto, DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Código Penal Comentado. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 997.
[25] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1154. Também chamam a atenção para essa manobra ilegal Hoffmann e Moraes: “Grife-se: a artimanha de intimar o investigado como testemunha e submetê-lo a compromisso de dizer a verdade não tem o condão de afastar seu direito ao silêncio quanto a perguntas cujas respostas possam incriminá-lo. Além disso, no Brasil, como sabemos, inexiste o crime de perjúrio, não constituindo crime a mentira ou o silêncio do suspeito”. HOFFMANN, Henrique, MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. É ilegal prisão de suspeito por falso testemunho feita pela CPI. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-jul-09/opiniao-ilegal-prisao-falso-testemunho-feita-cpi , acesso em 12.07.2021. No mesmo sentido Aith: “Não se pode esquecer que, embora Roberto Dias estivesse na condição de testemunha, é investigado pela CPI, na medida em que teve seus sigilos telefônicos e telemáticos quebrados por determinação da referida comissão. Uma questão importante, subjacente a essa condição, deve ser destacada: a comissão deveria ter informado ao depoente a condição de investigado? Sem sombra de dúvida que sim. A CPI não pode utilizar o estratagema de convocar um investigado na condição de testemunha com escopo de extrair dele informações que poderiam incriminá-lo, sob pena de determinar a sua prisão em flagrante por falso testemunho. Fazendo isso, afrontará direta e visceralmente o direito de defesa, do qual a ‘não autoincriminação’ é um princípio caro e não pode ser sobrepujado por artimanhas jurídico – políticas”. AITH, Marcelo. Equívocos e ilegalidades na prisão de Roberto Dias. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-jul-13/marcelo-aith-equivocos-ilegalidades-prisao-roberto-dias , acesso em 14.07.2021.
[26] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Comentários à Nova Lei de Abuso de Autoridade. Leme: Mizuno, 2020, p. 103.
[27] AITH, Marcelo, Op. Cit.
[28] Em matéria veiculada pelo site “Consultor Jurídico” se verifica que a comunidade jurídica brasileira se opôs francamente à prisão enfocada, considerando-a ilegal e configuradora de Abuso de Autoridade. Ali são arroladas opiniões de diversos juristas de escol. Em contrário, manifestam-se no texto apenas alguns poucos como, por exemplo, o Presidente da OAB, que se sabe ser movido não por critérios técnicos, mas ideológicos. Cf. COMUNIDADE jurídica critica punitivismo da CPI após ordem de prisão de investigado. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-jul-08/comunidade-juridica-critica-punitivismo-cpi-ordem-prisao , acesso em 14.07.2021.
[29] Mirabete chama a atenção para o fato de que embora o artigo 337, CPP, que trata da restituição sem desconto da fiança, não mencione casos de arquivamento do IP, deve o proceder ser aplicado por analogia, já que não há razão para reter a fiança. Em suas palavras: “Evidentemente, ainda que não haja dispositivo expresso a respeito, o valor da fiança deve ser devolvido quando é arquivado o inquérito policial: perdeu ela seu objeto”. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18ª. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 428.
[30] ASSIS, Machado de. Os Melhores Contos. 10ª. ed. São Paulo: Global, 1996, p. 93 – 133.
[31] TCHEKHOV, Anton. Enfermaria n. 6 e Outros Contos. Ebook sem tradutor indicado. Rio de Janeiro: LeBooks, 2021, p. 12 – 92.
[32] AUTO de prisão em flagrante. Disponível em https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2021/07/AUTO-DE-PRISAO-EM-FLAGRANTE.pdf , acesso em 12.07.2021.
[33] REIS, Alexandre Cebrian Araújo, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Processual Penal. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 57.
[34] Se alguém se lembrar do episódio do suposto “Mandado de Prisão em Flagrante” expedido pelo Ministro do STF, Alexandre de Moraes com relação a um Deputado Federal, saiba que se tratou de uma teratologia jurídica, imediatamente submetida à critica contundente da grande maioria da doutrina. Cf. CABETTE, Eduardo Luiz Santos. STF e a nova “dogmática” (sic) do Crime Permanente. Disponível em https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/1170481904/stf-e-a-nova-dogmatica-sic-do-crime-permanente , acesso em 13.07.2021.
[35] HOFFMANN, Henrique, MORAES, Rafael Francisco Marcondes de, Op. Cit.
[36] Cf. DELMANTO, Celso, DELMANTO, Roberto, DELMANTO JÚNIOR, Roberto, DELMANTO, Fabio M. de Almeida, Op. Cit., p. 996.
[37] MOSSIN, Heráclito Antônio. Nulidades no Direito Processual Penal. 3ª. ed. Barueri: Manole, 2005, p. 50 – 51.
[38] GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 9ª. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 20.
[39] LÓPEZ, Eder Maurício Pezzi. Polícia Legislativa do Senado Federal – Atribuições Investigativas e de Polícia Judiciária em face da Constituição de 1988. Revista de Informação Legislativa. n. 188, out./dez., 2010, p. 333 – 356. Também encontrável em formato PDF na internet: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/47/188/ril_v47_n188_p333.pdf , acesso em 13.07.2021. Em sentido similar: RAMOS, José Joaquim de Oliveira. Não há dúvidas da existência e legitimidade da Polícia Legislativa Federal. Disponível em https://www.conjur.com.br/2016-nov-14/jose-oliveira-ramos-policia-legislativa-federal-legitima , acesso em 13.07.2021. SANTOS, José Gilmar Araújo. Conhecendo a Polícia Legislativa Federal. Disponível em https://jus.com.br/artigos/9752/conhecendo-a-policia-legislativa-federal , acesso em 13.07.2021.
[40] CARNEIRO, Luiz Orlando. PF vai ao STF contra poderes da Polícia do Senado. Disponível em https://www.jota.info/justica/pf-vai-ao-stf-contra-poderes-da-policia-senado-30012017 , acesso em 13.07.2021. O problema do estabelecimento de limites para as Polícias Legislativas já se arrasta há tempos, inclusive com indesejáveis conflitos de atribuição entre estas e a Polícia Federal: Cf. MILITÃO, Eduardo. Supremo vai colocar limites entre PF e polícias legislativas. Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2015/07/27/interna_politica,672468/supremo-vai-colocar-limites-entre-pf-e-policias-legislativas.shtml , acesso em 13.07.2021.
[41] BRANDÃO, Arilson. Conceito de Polícia Judiciária e a vedação às “investigações” ad hoc ou de exceção. Disponível em https://arilsonpvh.jusbrasil.com.br/artigos/1244598937/conceito-de-policia-judiciaria-e-a-vedacao-as-investigacoes-ad-hoc-ou-de-excecao , acesso em 14.07.2021.
[42] A respeito da controversa Súmula 397 STF se falará mais adiante.
[43] LAMPEDUSA, Giuseppe Tomasi de. O Leopardo. Trad. Leonardo Codignoto. São Paulo: Nova Fronteira, 2002, p. 42.
[44] HOFFMANN, Henrique, MORAES, Rafael Francisco Marcondes de, Op. Cit.
[45] Op. Cit.
[46] LESSA, Marcelo de Lima, MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Atribuições da Polícia Federal – Lei 10.446/2002. In: JORGE, Higor Vinícius Nogueira, LEITÃO JÚNIOR, Joaquim, GARCEZ, William (orgs.). Legislação Criminal Especial Comentada. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 1077 – 1078. Os autores também entendem, em consonância com nossa posição, que a Súmula 397 STF, publicada em 03.04.1964, não se coaduna com os “novos princípios trazidos pela Constituição Federal de 1988”, de modo que não é mais “compatível com o atual cenário legal brasileiro”. Op. Cit., p. 1077.
[47] BERNARDES, Juliano Taveira, FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional. Tomo II. 10ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 1000.
[48] Op. Cit., p. 1001.
[49] LEAL, Davidson Daniel. O Princípio da Separação dos Poderes e a Súmula 397 STF. Disponível em https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54989/o-princpio-da-separao-dos-poderes-e-a-smula-397-do-stf#:~:text=Nessa%20toada%2C%20consoante%20os%20defensores,Pol%C3%ADcias%20Judici%C3%A1rias)%20sobre%20o%20Legislativo , acesso em 14.07.2021.
[50] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 518.
[51] LEAL, Davidson Daniel, Op. Cit.
[52] ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Trad. Cordélia Dias D’Aguiar. Rio de Janeiro: Ediouro, 1989, p. 12.
[53] Op. Cit.
[54] MOREIRA, Rômulo de Andrade. A Súmula 397 do STF e a Polícia Legislativa. Disponível em https://romulomoreira.jusbrasil.com.br/artigos/229740144/a-sumula-397-do-stf-e-a-policia-legislativa , acesso em 14.07.2021.
[55] Apud, CASTELO BRANCO, Tales. Da Prisão em Flagrante. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 16.
[56] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 12ª. ed. Niterói: Impetus, 2018, p. 1238.
[57] CORDERO, Franco. Guida alla Procedura Penale. Torino: UTET, 1986, p. 51.
[58] ANDREUCCI, Ricardo Antonio, Op. Cit., p. 789.
[59] SILVA, César Dario Mariano da. Prisão em flagrante delito por falso testemunho na CPI não faz sentido. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-jul-12/opiniao-prisao-flagrante-delito-falso-testemunho-cpi , acesso em 14.07.2021.
[60] GRECO, Rogério, Op. Cit., p. 1238.
[61] SILVA, César Dario Mariano da, Op. Cit.
[62] MARETTI, Eduardo. Omar Aziz manda prender ex – diretor de logística do Ministério da Saúde por mentir na CPI. Disponível em https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2021/07/omar-aziz-manda-prender-ex-diretor-da-saude-mentir-cpi/ , acesso em 14.07.2021. Confira-se a transcrição jornalística das palavras expressas por Aziz: “Ele vai ser recolhido agora pela polícia do Senado. Ele está mentindo desde a manhã, dei chance para ele o tempo todo. Pedi por favor, pedi várias vezes”.
[63] FERNANDES, Daniel, WARTH, Anne, VARGAS, Rachel. Senadores dizem que ordem de prisão de Dias na CPI da pandemia é nula. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/07/07/senadores-dizem-que-ordem-de-prisao-de-dias-na-cpi-da-pandemia-e-nula , acesso em 14.07.2021.
[64] PACHECO decide não anular prisão de Roberto Dias determinada pela CPI da Covid. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/republica/breves/pacheco-nao-anula-prisao-de-roberto-dias-cpi-da-covid/ , acesso em 14.07.2021.
[65] MARÍAS, Julián, Op. Cit., p. 210.
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