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Lei 13827 e Lei Maria da Penha: novas hipóteses de prisão preventiva e proibição de fiança pelo delegado

por Editoria Delegados

Por Pedro Henrique Palharini Bastos

TÍTULO ORIGINAL: Lei 13.827/09 e Lei Maria da Penha: novas hipóteses de cabimento da prisão preventiva e vedação ao arbitramento de fiança por parte do Delegado de Polícia

Por Pedro Henrique Palharini Bastos – Delegado de Polícia Civil do Estado de Rondônia

A violência contra a mulher, infelizmente, é algo que ainda assola as brasileiras. Recentemente, o país se chocou com o feminicídio da juíza Viviane Vieira do Amaral, ato brutal perpetrado na frente das suas três filhas pelo ex-marido inconformado com o término do relacionamento.

Neste contexto, diversas discussões são travadas sobre o recrudescimento de penas, dentre outras medidas mais restritivas contra os autores destes atos vis. É aqui que este breve artigo pretende se fixar, abordando inovações trazidas pela Lei 13.827/2019 – ainda pouco notadas pela doutrina – no que toca a duas novas hipóteses de cabimento da prisão preventiva e quanto à possibilidade de arbitramento de fiança por parte do Delegado de Polícia no ato de lavratura do Auto de Prisão em Flagrante.

I) Prisão preventiva e crimes relacionados à violência doméstica e familiar contra a mulher

Muito já se discutiu sobre as hipóteses de cabimento de prisão preventiva nos crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher. Em suma, tem-se que o Código de Processo Penal, em seu art. 313, III, prevê como viável a prisão preventiva nesses casos, desde que com o objetivo de garantir a execução de medidas protetivas de urgência. Não há qualquer limitação relacionada ao quantum de pena.

Nota-se que, pela lei, há uma vinculação do cabimento da prisão preventiva à existência de uma medida protetiva de urgência anterior que esteja em risco. Dessa forma, pelo regramento processual do Código, a viabilidade da prisão preventiva, neste caso, está condicionada à existência de uma medida protetiva de urgência anterior e a um fato perpetrado que demonstre risco à execução desta. Nesse sentido, vejamos a doutrina de Renato Brasileiro:

Como a redação do inciso III do art. 313 não faz distinção quanto à natureza  da pena  do  crime  doloso, deve-se entender que, independentemente da espécie de pena cominada ao delito (reclusão ou detenção) e do quantum de pena a ele cominado, a prisão preventiva pode ser adotada como medida de ultima ratio no sentido de compelir o agente à observância das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, mas desde que presente um dos fundamentos que autorizam a prisão preventiva (CPP, art. 312).


Como visto anteriormente, essas medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor estão listadas no art. 22 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), podendo ser aplicadas em conjunto ou separadamente. Se tais medidas não surtirem o efeito almejado, a prisão preventiva pode ser usada como soldado de reserva, a fim de se evitar reiteração de violência doméstica e familiar contra a mulher. Destarte, se restar evidenciado que o agressor, mesmo após cientificado das medidas protetivas de urgência impostas, ainda assim voltar a ameaçar a vítima, demonstrada estará a imprescindibilidade da sua custódia cautelar, especialmente a bem da garantia da ordem pública, dada a necessidade de resguardar-se a integridade física e psíquica da ofendida, fazendo cessar a reiteração delitiva, que, em tal hipótese, não seria mera presunção, mas risco concreto, e também para assegurar o cumprimento das medidas protetivas de urgência deferidas
” (LIMA, Renato Brasileiro de; Legislação Criminal Especial Comentada – Volume único; Editora Juspodivm, 2020; p. 1295).

Acontece que são vários os casos concretos que se apresentam em que não há medida protetiva anterior cuja execução esteja em risco (art. 313, III, do CPP); em que o agente não possui condenação transitada em julgado por crime doloso (art. 313, II, do CPP); e em que o crime em questão contra a mulher não possui pena máxima superior a 4 anos (art. 313, I, do CPP). Nessas situações, existindo um claro risco de reiteração delitiva, como, então, proceder para melhor tutelar os interesses da mulher-vítima? Pedir uma medida protetiva e aguardar o seu descumprimento para, então, ser cabível a prisão preventiva?

II) Possibilidade do arbitramento de fiança por parte do Delegado de Polícia

Há quem defenda que, sendo o caso de violência doméstica familiar, sequer seria cabível o arbitramento de fiança por parte do Delegado de Polícia. Esse entendimento, com o devido respeito, não deve ser sufragado. Aqui também merecem ser colacionadas as palavras de Renato Brasileiro:

Há quem entenda que não é dado à autoridade policial conceder fiança nas hipóteses de violência doméstica e familiar, ainda que a pena máxima cominada ao delito não seja superior a 4 (quatro) anos. Para tanto, costuma-se argumentar que os delitos perpetrados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, estão sujeitos à prisão preventiva (CPP,  art.  313, III). Logo, se o crime admite a decretação da prisão preventiva, estaria a autoridade policial impedida de arbitrar fiança, porquanto o art. 324, IV, do CPP, veda a concessão de tal benefício quando presentes os motivos que autorizam a decretação da preventiva.


Com a devida vênia, não podemos concordar com tal raciocínio, salvo em relação ao crime de descumprimento das medidas protetivas de urgência (Lei n. 11.340/06, art. 24-A, incluído pela Lei n. 13.641/18), objeto de análise mais adiante. Se o art. 322 do CPP dispõe que a autoridade policial poderá conceder fiança às infrações penais cuja pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos, não se pode estabelecer qualquer outro requisito para a concessão do referido benefício, sob pena de indevida violação ao princípio da legalidade. De mais a mais, o simples fato de um crime estar sujeito à decretação da prisão preventiva não é óbice à concessão da fiança pela autoridade policial. O art. 324, IV, do CPP, proíbe a concessão da fiança apenas quando presentes os motivos que autorizam a preventiva, leia-se, garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou garantia de aplicação da lei penal – perceba-se que o próprio dispositivo faz referência ao art. 312 do CPP -, sem estabelecer qualquer relação com as hipóteses de admissibilidade da prisão preventiva previstas nos incisos do art. 313 do CPP. Logo, a autoridade policial não poderá negar a concessão de fiança sob o simples argumento de que o crime fora praticado no contexto de violência doméstica e familiar (CPP, art. 313, III). Para além disso, também deverá demonstrar que teria havido o descumprimento de anterior medida protetiva de urgência imposta pelo juiz e que a permanência do agressor em liberdade poderia, por exemplo, colocar em risco a garantia da ordem pública, haja vista a possibilidade de reiteração delitiva (CPP, art. 312).
” (LIMA, Renato Brasileiro de; Legislação Criminal Especial Comentada – Volume único; Editora Juspodivm, 2020; p. 1297-1298; negrito e sublinhado meus).

 
E aqui também se faz necessário o mesmo questionamento: havendo uma clara probabilidade de reiteração delitiva, como proteger o interesse da mulher-vítima se não estivermos presentes de nenhuma das situações do art. 313 do Código de Processo Penal?


III) Inovações da Lei 13.827/2019 e reflexos nas temáticas supracitadas

Dentre as suas inovações, a Lei nº 13.827/2019 trouxe o art. 12-C à Lei Maria da Penha, prevendo o seguinte em seu §2º:

§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.         (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)

É importante observar que o dispositivo: 1) vai além da ideia de garantia da execução da medida protetiva (já prevista no art. 313, III, do CPP), falando em risco a sua efetividade; e 2) menciona especificamente o risco à integridade física da ofendida. Nos dois casos, o legislador é claro: não será concedida liberdade provisória.

Tal previsão, a nosso sentir, provoca consequências importantes nas temáticas supracitadas.


III. a) Quanto às hipóteses de prisão preventiva

Se descabe a concessão de liberdade provisória, certo é que, no ato de análise da prisão em flagrante, existindo demonstração mínima de que existe risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva, o caminho inevitável será o da conversão do flagrante em prisão preventiva. Assim, em nossa análise, o que o dispositivo faz, a contrario sensu, é criar duas novas hipóteses de cabimento da prisão preventiva (além das já consagradas no art. 313 do CPP).

E, sim, duas novas hipóteses, pois, ao falar em efetividade da medida protetiva, o legislador desvincula a possibilidade da prisão cautelar à garantia da execução de uma medida protetiva já existente (como faz o art. 313, III, do CPP); é possível, no caso concreto, estarmos diante de circunstâncias que já permitam, de antemão, constatar a existência de risco à efetividade de uma medida protetiva ainda a ser deferida (especialmente se considerarmos a gravidade em concreto da conduta em análise).

Dessa forma, em linha de resumo, temos que, além das três hipóteses dispostas no art. 313 do CPP, no nosso entender, a Lei 13.827/2019 inovou e trouxe mais duas situações de admissibilidade da prisão preventiva, aplicáveis especificamente aos crimes subordinados aos regramentos da Lei Maria da Penha, quais sejam, 1) em caso de existência de risco à integridade física da vítima; e 2) em caso de existência de perigo à efetividade da medida protetiva.


III. b) Quanto ao arbitramento de fiança pelo Delegado de Polícia

Como visto já em item anterior, obedecido o patamar previsto no art. 322 do Código de Processo Penal, o arbitramento de fiança pelo Delegado de Polícia é, em regra, cabível nos crimes que envolvam a Lei Maria da Penha. Acontece que, como vimos, nas situações ali previstas, o art. 12-C, §2º, conclui que “não será concedida liberdade provisória ao preso“.

Como a lei não faz distinção entre liberdade provisória mediante fiança e sem fiança, e não cabe ao intérprete estabelecer diferenciação onde o legislador não o fez, é adequado concluirmos pelo descabimento da estipulação de fiança por parte do Delegado de Polícia, uma vez que, ao fazê-lo, estaria concedendo o que a nova lei vedou (liberdade provisória, neste caso, mediante fiança) ante as circunstâncias do caso concreto (risco à integridade da vítima ou risco à efetividade de medida protetiva).

IV) Conclusão

O que se almeja com este pequeno artigo é, antes de tudo, chamar atenção ao debate, propondo abordagem prática baseada no art. 12-C, §2º, da Lei Maria da Penha que pouco se comenta até então (talvez pelo pouco tempo de vigência do dispositivo).

Assim, é preciso que todos os sujeitos presentes na persecução penal (Delegado de Polícia, Promotor de Justiça, Juiz de Direito, etc) se atentem para todas as possibilidades de atuação, a fim de que, na existência de evidente perigo à mulher, se promova à proteção eficiente dos seus direitos – proteção essa que, muitas vezes, somente virá com a custódia cautelar do agressor.

 

Por Pedro Henrique Palharini Bastos – Delegado de Polícia Civil do Estado de Rondônia
 

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