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O fornecimento e uso de dados de monitoramento eletrônico para fins de investigação criminal, dependem de ordem judicial?

por Editoria Delegados

A Lei de Proteção de Dados, o direito à intimidade e à privacidade não podem servir de mantas protetoras aos investigados e fiscalizados eletronicamente pelos órgãos da segurança pública e nem servir de blindagem às atividades investigativas

A Lei de Proteção de Dados, o direito à intimidade e à privacidade não podem servir de mantas protetoras aos investigados e fiscalizados eletronicamente pelos órgãos da segurança pública e nem servir de blindagem às atividades investigativas

 

Por Joaquim Leitão Júnior[1]

A Resolução nº 412 de 23/08/2021 do Conselho Nacional de Justiça estabelece diretrizes e procedimentos para a aplicação e o acompanhamento da medida de monitoramento eletrônico de pessoas.

 

Dentre os pontos a serem destacados, a Resolução afirma que os dados do monitoramento eletrônico poderão ser utilizados como meio de prova para apuração penal e estando, de qualquer forma, abrangidos pelo direito previsto no art. 5o, X, da Constituição Federal e legislação de proteção de dados pessoais, assim como o compartilhamento de dados (dados cadastrais, informações, trajetos) dependerá de autorização judicial, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público.

A Resolução contempla ainda que, em situações excepcionais em que configurado iminente risco à vida, os órgãos de segurança pública poderão requisitar diretamente à Central de Monitoramento Eletrônico a localização em tempo real da pessoa monitorada, hipótese em que o controle judicial do compartilhamento dos dados será realizado posteriormente.


Vejamos o art. 13, da Resolução nº 412 de 23/08/2021 do Conselho Nacional de Justiça:

“Art. 13. Os dados coletados durante o acompanhamento das medidas de monitoramento eletrônico possuem finalidade específica, relacionada ao cumprimento das condições estabelecidas judicialmente, podendo ser utilizados como meio de prova para apuração penal e estando, de qualquer forma, abrangidos pelo direito previsto no art. 5o, X, da Constituição Federal e legislação de proteção de dados pessoais.

§ 1o Os sistemas de registro de informações do monitoramento eletrônico serão estruturados de modo a preservar o sigilo dos dados e das informações da pessoa monitorada, da pessoa em situação de violência doméstica e familiar e de terceiros.

§ 2o O compartilhamento dos dados, inclusive com instituições de segurança pública, dependerá de autorização judicial, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público.

§ 3o Nas situações excepcionais em que configurado iminente risco à vida, os órgãos de segurança pública poderão requisitar diretamente à Central de Monitoramento Eletrônico a localização em tempo real da pessoa monitorada, hipótese em que o controle judicial do compartilhamento dos dados será realizado posteriormente.

§ 4o Nas hipóteses do parágrafo anterior, o compartilhamento de dados realizado nas circunstâncias excepcionais será formalmente registrado, com informação sobre a data e o horário do tratamento, a identidade do servidor que obteve e do que concedeu o acesso ao dado, a justificativa apresentada, bem como quais os dados tratados, a fim de permitir o controle, além de eventual auditoria.

§ 5o As informações mencionadas no parágrafo anterior serão encaminhadas pela Central de Monitoramento Eletrônico ao juízo competente em até 24 (vinte e quatro) horas após o compartilhamento.

§ 6o Nos casos de incidentes específicos ocorridos no âmbito de medidas protetivas de urgência, a Central de Monitoramento Eletrônico poderá acionar preventivamente órgãos de segurança pública e compartilhar dados relativos à identificação e localização da pessoa monitorada, nos termos do Protocolo anexo à presente Resolução”.

 

Afinal, é cediço que os investigados possuem direitos e garantias, mas a grande reflexão que não pode passar despercebida: o tornozelado fiscalizado eletronicamente pelo Estado teria em seu favor o direito à intimidade e à privacidade estritamente ligada ao monitoramento eletrônico, inclusive dos órgãos de fiscalização para fins de investigação criminal?

 

Vale lembrar que, na grande maioria dos casos essas pessoas monitoradas eletronicamente, foram presas em flagrante delito num contexto, mas tiveram à concessão de liberdade ou a revogação da prisão, em ambos casos, com fixação de medida cautelar diversa da prisão, consistente no monitoramento eletrônico.

 

Não podemos olvidar que, presos mesmo de dentro do sistema prisional, mormente os monitorados eletronicamente que estão na rua, continuam a perpetrar crimes.

 

Com isso surge o questionamento natural: essa interpretação de eventual existência de direito à intimidade e à privacidade estritamente ligada ao monitoramento eletrônico poderia constituir uma manta para salvaguardar empreitadas criminosas e blindar pessoas alvos de investigações criminais num primeiro momento, criando uma autorização judicial prévia como barreira de acesso de dados e informações importantes?

 

Invocar a Lei de Proteção de Dados nos “próprios considerados” da indigitada Resolução não iria na contramão da “mens legis” lá atrás que institui a medida cautelar de monitoramento eletrônico no Código de Processo Penal?

 

A medida de monitoramento eletrônico veio justamente para evitar a prisão cautelar – que cederia espaço para uma fiscalização eletrônica mais incisiva e legitimamente invasiva na vida do monitorado.

 

De qualquer forma, a própria Lei Geral de Proteção de Dados exclui a sua incidência, em relação aos órgãos de segurança pública e as atividades de investigação e repressão de infrações penais. Aliás, a lei nesse ponto assegura que não se aplica a Lei Geral de Proteção de Dados à segurança pública e as atividades de investigação e repressão de infrações penais. Analisemos o inteiro teor do art. 4º da Lei Geral de Proteção de Dados:

 

“Art. 4º Esta Lei não se aplica ao tratamento de dados pessoais:

I – realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos;

II – realizado para fins exclusivamente:

  1. a) jornalístico e artísticos; ou
  2. b) acadêmicos, aplicando-se a esta hipótese os arts. 7º e 11 desta Lei;


III – realizado para fins exclusivos de:

  1. a) segurança pública;
  2. b) defesa nacional;
  3. c) segurança do Estado; ou
  4. d) atividades de investigação e repressão de infrações penais; ou”

 

Nesse contraponto, a Resolução nº 412 de 23/08/2021 do Conselho Nacional de Justiça poderia invadir as atribuições constitucionais inerentes ao Poder Legislativo (art. 2º, da CF/88) e sobrepor à uma lei federal (de densidade maior) legitimamente e democraticamente produzida pelo poder competente (Congresso Nacional)?

 

Outro ponto inquietante que sobrevém desta Resolução em análise: poderia uma Resolução (índole administrativa) fixar cláusula de reserva de jurisdição por meio de ato normativo alheio à lei e Constituição Federal?

 

Lembremos que em regra, apenas lei e a Constituição Federal podem constituírem cláusula de reserva de jurisdição.

 

Não é demais lembrar também, que numa ponderação o direito coletivo e fundamental à segurança pública, em regra, deve sobrepor aos direitos individuais (direito à intimidade e à privacidade), mormente sendo uma pessoa sob fiscalização do Estado que está sendo beneficiada por uma medida menos drástica do monitoramento eletrônico (tornozelamento eletrônico), que não deixa de ser legalmente e legitimamente invasiva.

 

DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Em arremate, a Resolução em voga que invoca a Lei de Proteção de Dados, o direito à intimidade e à privacidade não pode servir de manta protetora aos investigados e fiscalizados eletronicamente pelos órgãos da segurança pública e nem servir de blindagem às atividades investigativas.

 

Afinal, numa ponderação dos direitos em jogo, o direito coletivo e fundamental à segurança pública, em regra, deve sobrepor aos direitos individuais (direito à intimidade e à privacidade).

 

A Resolução nº 412 de 23/08/2021 do Conselho Nacional de Justiça não pode invadir as atribuições constitucionais inerentes ao Poder Legislativo (art. 2º, da CF/88) e sobrepor à uma lei federal (de densidade maior) legitimamente e democraticamente produzida pelo poder competente (Congresso Nacional).

 

Por derradeiro, lembremos que em regra, apenas lei e a Constituição Federal podem constituírem cláusula de reserva de jurisdição.

  

Referências bibliográficas:

BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Publicado no DOU de 15.8.2018, e republicado parcialmente em 15.8.2018 – Edição extra.  Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm>. Acesso em: 20 set. 2020

_____. O QUE MUDA COM A LGPD. SERPRO. Disponível em:<https://www.serpro.gov.br/lgpd/menu/a-lgpd/o-que-muda-com-a-lgpd>. Acesso em: 20 set. 2020.

_____. Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor. SENADO FEDERAL. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/18/lei-geral-de-protecao-de-dados-entra-em-vigor>. Acesso em: 20 set. 2020.

LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. (2020). Reflexos da Lei Geral de Proteção de Dados em Sede das Investigações Criminais. Revista Eletrônica Direito & TI1(13), 7. Recuperado de https://direitoeti.com.br/direitoeti/article/view/85.

[1] Delegado de Polícia em Mato Grosso, atualmente lotado no cargo de Delegado de Polícia Adjunto da Delegacia Especializada de Roubos e Furtos de Barra do Garças-MT. Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas, autor de artigos jurídicos, palestrante e professor de cursos preparatórios para concursos públicos.

 

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