JURÍDICO
‘Inteligência ultrapassa a Polícia’
Conceito de inteligência deve ir mais além do que é feito na polícia
JURÍDICO
{loadposition adsensenoticia}O professor Cláudio Chaves Beato Filho, coordenador geral do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (Crisp/UFMG), defende que o combate ao crime seja feito com mais inteligência. “O conceito de inteligência deve ir mais além do que é feito na polícia”, diz, referindo-se ao que já existe em termos de inteligência policial.
Ele colabora atualmente para o governo de Minas Gerais, tendo idealizado e implementado programas como o Fica Vivo! e o modelo de Integração Policial e Gestão Segurança Pública (Igesp) no estado. À frente do Crisp, entre as atividades de pesquisa que desenvolve, Beato treina e avalia o policiamento comunitário. Nesta entrevista, o professor fala da importância do monitoramento e avaliação dos projetos e da necessidade de “serem refeitos e repensados ao longo do tempo”, para que tenham sucesso e sejam adequados à realidade.
Beato também é consultor para o desenvolvimento de programas e projetos de controle e prevenção da violência do governo federal, em diversos estados brasileiros e na Colômbia. Também já atuou junto ao Banco Mundial, ao Banco Interamericano de Desenvolvimento e ao Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC).
Toda esta experiência parece que deu a Beato uma visão ampla de como se tratar a criminalidade. Ao mesmo tempo, o pesquisador não despreza as peculiaridades dos dados que recolhe e ressalta a importância de estratégias diferentes para tratar da dinâmica criminal em cada localidade. “Não se pode usar a mesma fórmula para lugares diferentes”, defende.
Que conceito de inteligência deve ser usado no combate à criminalidade?
O conceito de inteligência deve ser mais amplo do que é feito atualmente pela polícia. É necessário incorporar a análise criminal. É preciso trabalhar com padrões, tendências, regularidades e, através disto, agir com inteligência no combate à criminalidade.
O que estes padrões nos têm a dizer?
Eles são dados relevantes que exigem analistas de dados, estatísticas e softwares para compreendermos o crime. É uma compreensão de por que ocorrem os fenômenos. Para isso, é necessário trabalhar com profissionais diferentes, multidisciplinares. Daí falar em criação de centros de inteligência, tais como o Instituto Segurança Pública (ISP) no Rio de Janeiro.
Isto, complementado com a investigação policial e atividades de prevenção. A idéia é entender, controlar e prevenir. As pessoas acham que inteligência é a escuta telefônica. Não é só isto. É preciso, por exemplo, o mapeamento da atuação de gangues, a identificação das tendências locais e o modo como as gangues são estruturadas.
O que o Crisp vem analisando hoje?
Há um sistema de monitoramento de gangues na região de Belo Horizonte. Usa-se a tecnologia para compartilhar informações, qualificar pessoal e identificar grupos que atuam na cidade. É preciso compreender qual é o relacionamento que existe entre os membros do grupo.
A inteligência policial não consegue entender como se formam as gangues. Não é só por dinheiro. As gangues são mais que isto. Há um processo de socialização. Fazer parte de uma gangue é ter respeito, é fazer com que as meninas gostem mais de você. Os jovens das gangues não ganham muito dinheiro. É como a gravidez. É uma forma de autonomia das adolescentes, não é só educação sexual que resolve.
Em Minas Gerais nós vemos este tipo de inteligência?
A Secretaria de Estado e Defesa Social (Seds) tem uma assessoria de informações. Parte da análise criminal (referindo-se à secretaria) já foi feita pelo Crisp. Mas hoje a Seds caminha sozinha. Programas como Fica Vivo! e Igesp têm ação estratégica e análise dos dados.
Estes programas mapeiam a criminalidade local?
Eles mostram padrões gerais e tendências locais. Agora, só podemos dizer coisas gerais da dinâmica criminal local, não quer dizer que possamos dar nomes. A intervenção estratégica é importante para acalmar o lugar. Se não se exerce a prevenção, outros projetos ficam reféns nas comunidades. Há lideranças e projetos que ficam nas mãos do tráfico.
O que é feito com estas análises?
Identificamos problemas característicos de cada lugar. Senão, você usa a mesma fórmula de combate ao crime para lugares diferentes. Na Pedreira Prado Lopes, por exemplo, o problema de saúde pública é muito maior que o de segurança, por causa dos usuários de crack. Temos que compreender os fatores envolvidos, que não são policiais, mas sim sociais. Outro ponto na comunidade é a substituição de renda. Lá ainda lucra-se com o tráfico. É preciso conectar dados que estão em instâncias diferentes.
Que tipo de intervenção se faz com estes dados?
Há tipos de intervenções diferentes para os diferentes dados: policial, social ou combinadas. Além da intervenção, é preciso monitorar o que se faz. Não adianta fazer um belo projeto, se os homicídios não caem. O projeto tem de ser refeito e repensado o tempo todo.
O crime tem a ver, na maioria das vezes, com a má distribuição de renda?
Crime não é renda somente. Pergunte aos jovens quanto eles ganham no tráfico. Você vai ver que a maioria ganha em torno de R$ 400. Nós descobrimos que o maior problema nestas áreas é que o jovem é ocioso. Chegamos nas comunidades e vemos um monte de garotos sem fazer nada. A ociosidade é um problema maior que a baixa renda. Trabalhando, o jovem ganharia até mais. O Fica Vivo!, por exemplo, trabalha na ociosidade destes jovens.
Mas a distribuição de renda não tiraria estes jovens do tráfico?
Estes meninos estão na faixa dos 14 anos. Neste sentido, a qualificação dos jovens é mais importante. Mas isto tem de ser combinado com incentivo de locais onde eles possam trabalhar. Isso o Fica Vivo! ainda não conseguiu. É um passo que o programa deve trilhar. O Estado tem de trabalhar em diversas áreas. Qualificação de jovens, empregabilidade. Não só para conter a criminalidade.
Programas de distribuição de renda não contribuem para derrubar as taxas de criminalidade?
As políticas têm de ser focalizadas. O bolsa família, por exemplo, é 20 vezes menos eficaz que o Fica Vivo! para a prevenção de crimes. Aquele é um programa universalizante, e o Fica Vivo! é focalizado. O bolsa família é bom pra tirar pessoas da linha de pobreza, não para combater crimes. Há uma especificidade nos programas de prevenção. Há intervenção estratégica, não são somente programas sociais.
O senhor vê ações como o mapa de georreferenciamento de homicídios publicado pela Seds como positivas?
O mapa é o controle que a sociedade tem sobre a sua área. É uma ação que envolve a sociedade. É um exemplo de tecnologia que foi desenvolvida aqui.
Vagner Bertoli | Comunidade Segura
DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social
Portal Nacional dos Delegados