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‘Breves apontamentos sobre a condução coercitiva’, Por José Carrazzoni Jr.

por Editoria Delegados

 

 

 

 

A condução coercitiva é o meio pelo qual determinada pessoa é levada à presença, via de regra, de autoridade policial ou judiciária. Antecede a apresentação e/ou realização do ato formal, para o qual o conduzido esteja sendo aguardado. Trata-se de comando impositivo, independe da voluntariedade da pessoa, admite-se o uso da força e algemas nos limites da Súmula Vinculante nº 11 do STF [1]. É dizer que, havendo resistência, se trata do arrebatamento, a pessoa é movida à vista da agente público, é assim, na prisão em flagrante, pois o flagrado é apresentado à autoridade policial pelo condutor (art. 304, CPP), da mesma forma que o acusado preso precisa ser conduzido ao julgamento (art. 457, § 2º, CPP).

Quando tratar-se de ato relacionado à procedimento, seja administrativo ou judicial, a condução coercitiva deve ser regida, via de regra, pela polícia judiciária (art. 144, § 4º, CF), e, quando for o caso pela Polícia Federal (art. 144, § 1º, IV, CF), observados em ambos os casos a legislação local, referente à competência dos departamentos penitenciários. [2] A polícia militar à qual compete a função precípua de polícia de segurança realiza a condução dos agentes que eventualmente encontrar em flagrante delito. Contrariamente ao disposto no art. 144, § 6º da Constituição Federal, o art. 179, parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente admite que a polícia militar, em concurso com a Polícia Civil, efetue a condução de adolescentes nas apurações de atos infracionais.  

Nos processos penais, e quando lei especial não dispuser de modo diverso, os ofendidos (art. 201, § 1º, CPP), as testemunhas (art. 218, CPP), os acusados (art. 260, CPP), e os peritos (art. 278, CPP), poderão ser conduzidos coercitivamente. A medida será executada, ainda, inobstante a imputabilidade do agente, admitindo, inclusive, o ECA no seu art. 187, que “se o adolescente devidamente notificado, não comparecer, injustificadamente à audiência de apresentação, a autoridade judiciária designará nova data, determinando sua condução coercitiva”.

Nas contravenções penais, às quais ao contraventor não lhe pode ser decretada a prisão preventiva, a condução coercitiva é medida suplementar [3]. No entendimento da Min. Laurita Vaz: “Com efeito, quando o processado por contravenção penal deixa de comparecer aos atos processuais que é intimado, cabe ao Juízo processante, apenas, decretar sua condução coercitiva, nos termos do art. 353 do Código de Processo Penal.” [4]

No mesmo sentido, o art. 80 da Lei nº 9.099/95, autoriza a “condução coercitiva de quem deva comparecer” [5]. Todavia, como bem adverte Nucci, “a referida condução coercitiva não é a regra, como aparenta ser pela redação do art. 80, mas uma exceção. O autor do fato, por exemplo, que tem direito à audiência e não dever de comparecimento, bem como possui o direito de permanecer calado, sem ser interrogado sobre os fatos a ele imputados, somente seria conduzido coercitivamente em caso extremado (ex.: para ser corretamente qualificado ou se for indispensável o seu reconhecimento). O mesmo se diga em relação à vítima que não compareça. Somente se deve determinar a sua condução coercitiva se ela tiver sido intimada e suas declarações forem fundamentais para a produção da prova.” [6]

O sujeito flagrado trazendo consigo droga poderá ser conduzido coercitivamente?  Evidentemente que sim, é preciso que esta pessoa seja conduzida à presença da autoridade policial que analisará o fato determinando se é caso consumo pessoal ou tráfico. “Embora a lei mencione que está vedada a detenção do agente, é óbvio que esta ocorrerá, pois, encontrado com drogas, precisa ser conduzido coercitivamente ao JECRIM ou ao distrito policial pelos agentes da polícia ostensiva (PM) ou por outros policiais (civis ou federais) até que sua situação se defina. Não se pode partir do pressuposto que todo portador de substância entorpecente irá, de bom grado, ao JECRIM ou ao distrito policial, afinal, muitos deles podem ser, na verdade, traficantes de drogas.” [7]

No que tange à condução coercitiva no curso do inquérito policial, o Código de Processo Penal determina que se observe, na fase administrativa, no que forem cabíveis, as regras do procedimento judicial [8], entendimento corroborado pela jurisprudência contemporânea e pela doutrina, permitindo a autoridade policial proceder à condução dos suspeitos e testemunhas para que prestem os esclarecimentos pertinentes. “Insta esclarecer que o intimado a comparecer à Delegacia para o interrogatório ou outra diligência, se desatender ao chamado, sem justificação, poderá ser conduzido coercitivamente, à dicção do art. 260 do CPP. É verdade não ser ele obrigado a fazer prova contra si próprio, mas é verdade também não poder furtar-se à qualificação. Assim, intimado pela autoridade, não comparecendo injustificadamente, sua condução coercitiva reveste-se de legalidade.” [9]

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela legitimidade dos agentes policiais, que sob o comando da autoridade policial, adotaram todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias constitucionais dos conduzidos. [10] No “leading case” o conduzido trazia consigo folhas de cheque que teriam sido subtraídas da vítima na data em fora morta, o que, tal como destacado pelos agentes de polícia, indicaria que teria tido ao menos contato com o suposto autor do latrocínio, justificando, desse modo, o seu encaminhamento à delegacia para fornecer maiores informações.

Vale lembrar, que esta autorização decorre do próprio artigo 144, § 4º da Constituição Federal que confere “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, (…) as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais (…)”, juntamente com o artigo 6º do Código de Processo Penal que estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito [11]. Nas palavras do Min. Ricardo Lewandowski: “Há postulado basilar da hermenêutica constitucional pelo qual se a Constituição Federal outorga certa atribuição a determinado órgão, são implicitamente conferidos amplos poderes para a sua execução. É a chamada teoria ou doutrina dos poderes implícitos. Desse modo, não faria o menor sentido incumbir à polícia a apuração das infrações penais, e ao mesmo tempo vedar-lhe, por exemplo, a condução de suspeitos ou testemunhas à delegacia.

 

A jurisprudência, em diversos julgados, tem reconhecido a doutrina dos poderes implícitos.” [12] Forçoso seria concluir em sentido contrário, posto que a legislação permite, inclusive, que o Ministério Público, nos inquéritos civis e em outros procedimentos administrativos de sua competência (art. 26, I, “a”, Lei nº 8.625/93) [13], requeira a condução coercitiva de testemunhas e acusados, sem que para isso necessite de autorização judicial. [14] Como ressalta Lacerda “é perfeitamente cabível a condução coercitiva pela autoridade policial no curso do inquérito prescindindo de autorização judicial para este ato, pois a reserva de tipicidade legal tutelou especificamente esta hipótese e sendo assim demonstrou-se enfaticamente a constitucionalidade do instituto e a importância do mesmo para atingir os fins da atividade policial.” [15]

 

Notas:

 

[1] Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

[2] Art. 73. A legislação local poderá criar Departamento Penitenciário ou órgão similar, com as atribuições que estabelecer. (Lei nº 7.210/84 – Lei de Execuções Penais).

[3] HABEAS CORPUS. CONTRAVENÇÃO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA E, POSTERIORMENTE, REVOGADA PELO MAGISTRADO PROCESSANTE, SOB CONDIÇÕES. IMPOSSIBILIDADE. CUSTÓDIA CAUTELAR INADMISSÍVEL. ORDEM CONCEDIDA. 1. A prisão preventiva só pode ser decretada em desfavor de acusados pela prática de crimes punidos com reclusão e detenção. Desse modo, no caso de o processado por contravenção penal, apenada com prisão simples, deixar de comparecer aos atos processuais que é intimado, cabe ao Juízo processante, apenas, decretar sua condução coercitiva, nos termos do art. 353 do Código de Processo Penal. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. Ordem concedida para, afastando as condições impostas pelo Juízo processante para revogar a prisão preventiva do Paciente, assegurar-lhe o direito de responder ao processo em liberdade. (HC 179.742/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 14/03/2011).
[4] HC 179.742/MG (STJ).

[5] Art. 80. Nenhum ato será adiado, determinando o Juiz, quando imprescindível, a condução coercitiva de quem deva comparecer.

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 849.

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Obra citada, p. 401.

[8] Art. 6º, V, CPP.

[9] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. Vol. I. 11ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 59.

[10] HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. (…) I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos II a VI. III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos. (…) XII – Ordem denegada. (HC 107644, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 06/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 17-10-2011 PUBLIC 18-10-2011).

[11] Em especial: II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV – ouvir o ofendido; V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura; VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;

[12] HC 107644 (STF).

[13] HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO – CABIMENTO – INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO – APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES EM PREFEITURA – DETERMINAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PARA CONDUÇÃO COERCITIVA DE SECRETÁRIA MUNICIPAL A FIM PRESTAR DEPOIMENTO APÓS INJUSTIFICADAS NEGATIVAS DE PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES POR ESCRITO – DECLARAÇÃO DE LEGALIDADE DO ATO PELO TJRJ – ART. 8º, I, DA LEI COMPLEMENTAR N. 75/93 – ART. 35, I, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 103/2003 – ART. 26, I, DA LEI FEDERAL N. 8.625/930 – (…) 2. Paciente que, em momento algum, apresenta justificativa às notificações de Promotores de Justiça nos autos de inquérito civil público instaurado para a apuração de contratações irregulares no âmbito da Prefeitura pode vir a ser “requisitado” para prestar informações sob pena de condução coercitiva. Dicção da Lei Orgânica do Ministério Público Estadual e Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. Doutrina e jurisprudência do STJ e STF. (…) Ordem denegada. (HC 81.903/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2007, DJ 17/08/2007, p. 405)

[14] Art. 179. Parágrafo único. Em caso de não apresentação, o representante do Ministério Público notificará os pais ou responsável para apresentação do adolescente, podendo requisitar o concurso das polícias civil e militar. (ECA).

[15] LACERDA, Thiago Almeida. Condução coercitiva no inquérito policial. Disponível em: http://delegados.com.br/images/stories/delegados.com.br-conducao-coercitiva-inquerito-thiago-lacerda-07jul10.pdf.

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