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Venda de bebida alcóolica para menores de 18 anos

por Editoria Delegados

Por Luiz Flávio Gomes e Vicente de Paula Rodrigues Maggio

 

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 24.02.2015, o Projeto de Lei 5.502/2013, do Senado Federal, que tipifica como crime, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), a venda de bebidas alcoólicas a menor de 18 anos. A matéria foi enviada para sanção presidencial.

 

Resumo: o presente artigo tem a finalidade de apresentar uma análise do crime de VENDA DE BEBIDA ALCOÓLICA A MENOR DE 18 ANOS (Lei 8.069/1990, art. 243), cujo dispositivo deverá ser brevemente sancionado, visando a possibilitar aos operadores do direito uma reflexão sobre as particularidades do delito, bem como o reflexo social e os objetivos almejados pelo legislador (que podem resultar frustrados, diante da ausência de fiscalização e da ineficácia das leis penais no Brasil).

 

Parte I – Vicente Maggio – Sumário: 1. Introdução – 2. O texto atual do dispositivo a ser alterado – 3. O texto futuro do dispositivo a ser sancionado – 4. A proibição de venda de bebidas alcoólicas a menor de 18 anos – 5. Possibilidade de substituição da pena.

 

1. Introdução

 

A venda de bebidas alcoólicas à criança ou ao adolescente já era uma conduta proibida tanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 9.069/1990, art. 81, II) como pela Lei das Contravenções Penais (art. 63, I). O mesmo artigo também proíbe a venda de armas, munições e explosivos, produtos que possam causar dependência física ou psíquica, fogos de artifício etc. No entanto, a venda de bebidas alcoólicas a menor de 18 anos não estava tipificada como crime, nem tampouco existia uma cominação de pena no ECA pelo descumprimento da proibição.

 

2. O texto atual do dispositivo a ser alterado

 

Atualmente o dispositivo legal em estudo (com a redação dada pela Lei 10.764/2003), dispõe: “Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida: Pena – detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave” (Lei 9.069/1990, art. 243).

 

Observa-se a ausência de tipificação da conduta consistente em vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, bebida alcoólica a menores de 18 anos. Na atualidade, a referida conduta de servir bebidas alcoólicas a menor de 18 anos caracteriza contravenção penal, cuja pena é de prisão simples de dois meses a um ano, ou multa (LCP, Decreto-lei 3.688/1941, art. 63, inciso I).

 

3. O texto futuro do dispositivo a ser sancionado

 

O crime de venda de bebida alcoólica a menor de 18 anos consiste no fato de o agente “Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica: Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave” (Lei 8.069/1990, art. 243).

 

Tipificada como crime a venda de bebida alcoólica a menor de 18 anos, necessariamente revoga-se a respectiva contravenção penal contravenção penal (LCP, Decreto-lei 3.688/1941, art. 63, inciso I), nos termos do disposto no art. 3º, do Projeto de Lei 5.502/2013, em estudo. A lei nova (mais severa) é irretroativa. Fatos ocorridos antes da sua vigência serão regidos pela lei anterior (contravenção penal).

 

4. A infração administrativa de venda de bebidas alcoólicas a menor de 18 anos

 

O Projeto de Lei 5.502/2013 não revoga a proibição (administrativa) de venda de bebidas alcoólicas à criança ou ao adolescente que está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 9.069/1990, art. 81, II). Além disso, insere no referido Estatuto, o art. 258-C, que dispõe: “Descumprir a proibição estabelecida no inciso II do art. 81: Pena – multa de R$ 3.000,00 (três mil reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Medida Administrativa – interdição do estabelecimento comercial até o recolhimento da multa aplicada” (Projeto de Lei 5.502/2013, art. 2º).

 

A mesma conduta (que antes era mera contravenção penal), conta, agora, com dupla tipificação: como crime e como infração administrativa. A infração administrativa do art. 258-C, no entanto, não se confunde com o crime do art. 243. Em todas as infrações administrativas do ECA (art. 245 e ss.) o legislador aponta o sujeito ativo da infração. Seguem três exemplos:

 

(1) art. 258: Deixar o responsável pelo estabelecimento ou o empresário de observar o que dispõe esta Lei sobre o acesso de criança ou adolescente aos locais de diversão, ou sobre sua participação no espetáculo: Pena – multa de três a vinte salários de referência; em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar o fechamento do estabelecimento por até quinze dias; (2) Art. 258-A. Deixar a autoridade competente de providenciar a instalação e operacionalização dos cadastros previstos no art. 50 e no § 11 do art. 101 desta Lei: Pena – multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais); Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas a autoridade que deixa de efetuar o cadastramento de crianças e de adolescentes em condições de serem adotadas, de pessoas ou casais habilitados à adoção e de crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional ou familiar; (3) Art. 258-B. Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de efetuar imediato encaminhamento à autoridade judiciária de caso de que tenha conhecimento de mãe ou gestante interessada em entregar seu filho para adoção: Pena – multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais); Parágrafo único. Incorre na mesma pena o funcionário de programa oficial ou comunitário destinado à garantia do direito à convivência familiar que deixa de efetuar a comunicação referida no caput deste artigo.

 

No art. 258-C o legislador, elipticamente, não seguiu a mesma técnica legislativa. Mas parece não haver dúvida de que as sanções administrativas estão dirigidas contra o responsável pelo estabelecimento ou o empresário (da mesma forma como está previsto no art. 258). Essa interpretação é reforçada pela redação da medida administrativa (interdição do estabelecimento), que faz expressa referência ao estabelecimento comercial. Como se vê, estão previstas duas punições distintas para um mesmo fato (crime + infração administrativa).

 

O responsável penal pelo crime do art. 243 é somente quem, diretamente, tenha praticado qualquer um dos verbos contidos na lei (vender, fornecer, entregar, servir etc.). Pode ser o proprietário do estabelecimento comercial ou um empregado. A responsabilidade penal é pessoal, ou seja, não se transfere a nenhuma outra pessoa; não existe responsabilidade coletiva ou empresarial ou familiar no campo penal (veja nosso livro Curso de Direito penal, no prelo, Juspodium); se o garçom vendeu bebida alcoólica para menor, sem o conhecimento do proprietário, aquele é o responsável penal pelo fato, não o proprietário. A responsabilidade penal, de outro lado, é subjetiva, ou seja, pressupõe o dolo ou a culpa. Não havendo dolo (consciência e vontade de praticar o fato) ou culpa, não há que se falar em responsabilidade penal (porque não existe responsabilidade objetiva no direito penal).

 

O responsável administrativo (pela infração administrativa) é o estabelecimento comercial ou seu proprietário. Se o proprietário de um estabelecimento comercial (inclusive um supermercado) vende qualquer bebida alcoólica a um menor de 18 anos, sobre ele recairão duas responsabilidades: a penal e a administrativa. Esse autor responderá pelo crime de venda de bebida alcoólica a menor de 18 anos (Lei 8.069/1990, art. 243) e, ao mesmo tempo, pelo descumprimento da proibição de venda de bebidas alcoólicas a menor de 18 anos (Lei 8.069/1990, art. 258-C combinado com o art. 81, II).

 

Teoricamente são duas sanções para o mesmo fato ilícito, ou seja: (1) uma pena privativa de liberdade cumulada com multa (do direito penal); (2) uma pena de multa administrativa + interdição do estabelecimento até o seu recolhimento. Vê-se que teoricamente incidiriam sobre o proprietário do estabelecimento duas multas: uma de direito penal e outra de direito administrativo. Quando se trata de pessoas distintas (um empregado responsável pela conduta penal e um proprietário responsável pela infração administrativa), cada um dos envolvidos responde pelas suas sanções respectivas. Quando se trata da mesma pessoa (o proprietário do estabelecimento) pensamos que a acumulação de todas as sanções previstas na lei é desproporcional. Nossa sugestão interpretativa: que ele responda pelo crime do art. 243 com a pena privativa de liberdade, sem a incidência da multa penal; e que ainda responda pela infração administrativa (que consiste numa multa administrativa). A acumulatividade de tudo, nesse caso, viola não só o princípio da razoabilidade como o da vedação do bis in idem.

 

5. Possibilidade de substituição da pena

 

Considerando que a pena privativa de liberdade não é superior a quatro anos e o crime não é cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, se preenchidos os demais requisitos legais, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por pena restritiva de direito, ou pela multa, de acordo com a sistemática oferecida pela lei (CP, art. 44). São espécies de penas alternativas: (1) prestação pecuniária; (2) perda de bens e valores; (3) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; (4) interdição temporária de direitos; (5) limitação de fim de semana.

 

Parte II – Considerações de política criminal – Luiz Flávio Gomes

 

1. A venda, fornecimento, entrega etc. de bebida alcoólica para menor de 18 anos já era uma contravenção penal no direito brasileiro (LCP, art. 63, I). A nova lei vai transformar a antiga contravenção em crime (e também em uma infração administrativa, para o estabelecimento comercial). Essa é a 155ª lei penal reformadora do sistema penal brasileiro (de 1940 a 2015). No nosso livro Populismo penal legislativo (no prelo), procuramos demonstrar que o grave problema do Brasil não é a ausência de leis, sim, a ineficácia delas. O que nos falta é a certeza do castigo justo (como pregava Beccaria, em 1764).

 

2. Diante da ineficácia das leis penais (quase absoluta), o legislador aprova uma nova lei penal mais dura e vende para a população como solução para o problema. Mas se a lei anterior não era bem aplicada, a nova (ainda que com penas mais duras) também não o será. Existe uma demanda popular e midiática no sentido do endurecimento do sistema penal. O legislador sempre atende essa demanda. Já elaborou 155 novas leis penais desde 1940 e nenhum crime reduziu. O legislador mostra eficiência (155 reformas), mas a eficácia (dos resultados) não acontece. Não basta sermos eficientes, posto que devemos acima de tudo ser eficazes. A distinção entre eficiência e eficácia aqui tem total pertinência. Sem a fiscalização necessária a lei penal nova tende a se comportar como todas as demais leis penais anteriores (nada alterando na realidade).

 

Sobre os autores

Luiz Flávio Gomes (estou no luizflaviogomes.com) e Vicente de Paula Rodrigues Maggio (Advogado. Doutor em direito penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor de direito penal e processo penal em Instituições de Ensino Superior, cursos preparatórios para carreiras jurídicas e em programas de pós-graduação)

  

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