JURÍDICO
Primeira decisão de um TRF sobre controle externo
JURÍDICO
{loadposition adsensenoticia}Trata-se de pedido formulado pela União Federal colimando a suspensão dos efeitos da liminar concedida nos autos do Mandado de Segurança nº 5001274-38.2010.404.7105 pelo Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Santo Ângelo/RS.
A decisão impugnada foi proferida nestes termos (fls. 155-7):
“O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL impetra Mandado de Segurança contra ato do Sr. DELEGADO – CHEFE DA DELEGACIA DE POLÍCIA FEDERAL DE SANTO ÂNGELO, objetivando a concessão de provimento liminar que determine a imediata disponibilização ao impetrante, para consultas e se necessário extração de cópias das seguintes informações e documentos: a) relação de servidores contratados em exercício na DPF/Santo Ângelo, com especificação daqueles atualmente afastados (em missão, reforço, operação, etc.); b) relação de coletes balísticos na DPF/Santo Ângelo (especificando os vencidos e os dentro do prazo de validade); c) pasta com ordens de missão policial (OMP) expedidas nos últimos 12 (doze) meses; d) livro de sindicâncias, bem assim autos de sindicâncias e processos disciplinares eventualmente em trâmite na delegacia; e) memorando, ofícios, mensagens circulares, relatórios de missão policial e quaisquer outros elementos que envolvam comunicações oficiais, para que o próprio MPF avalie o interesse ao controle externo da atividade policial.
Na petição inicial, diz estar autorizado pelas normas constitucionais e infraconstitucionais a exercer o controle externo na Delegacia de Polícia chefiada pelo impetrado. Afirma que, não obstante a legitimidade conferida legalmente, a autoridade coatora nega-se a disponibilizar os dados solicitados mediante requisição ao argumento de que os mesmos extrapolam o rol dos documentos permitidos pela Resolução nº 01, de 26 de março de 2010, expedida pelo Conselho Superior de Polícia. Tece considerações a respeito da ilegalidade do ato praticado, bem como das normas que amparam o controle questionado pela autoridade policial. Por fim, pede a concessão de medida liminar e a posterior confirmação da segurança. Anexa documentos.
O exame do pedido liminar é postergado para o momento posterior à prestação de informações preliminares pela autoridade impetrada.
Notificada, a autoridade apontada como coatora presta informações defendendo, em resumo, a legalidade do ato praticado, já que estribado na Resolução nº 01, de 26 de março de 2010, expedida pelo Conselho Superior de Polícia. Por fim, pede a denegação da segurança.
Decido.
Trata-se de mandado de segurança no qual o impetrante objetiva a declaração de inconstitucionalidade da Resolução nº 01, de 26 de março de 2010, expedida pelo Conselho Superior de Polícia, por afronta ao artigo 129, incisos II, VI e VII da Constituição Federal. A aludida Resolução violaria, ainda, os artigos 3º, 8º e 9º da Lei Complementar 75/93.
A Constituição Federal outorgou ao Ministério Público (art. 129, inciso VII) a atividade de exercer o controle externo da atividade policial, cujo exercício condicionou à regulamentação em lei complementar (no caso, a Lei Complementar nº 75/93). Ocorre que o Conselho Superior de Polícia, a pretexto de regulamentar os procedimentos policiais, em face da aludida Lei Complementar, limitou, sobremaneira, o âmbito da fiscalização atribuída, constitucionalmente, ao Ministério Público. A questão de direito a ser dirimida é saber se a Polícia pode ou não impor limites aos poderes fiscalizatórios do Órgão fiscalizador.
Admitida a validade dessa Resolução, o próprio Órgão do Estado que tem a obrigação constitucional de se submeter ao controle de suas atividades estaria autorizado, por poder regulamentar próprio, de interpretar o sentido e alcance das atividades atribuídas pelo Texto Constitucional a autoridade diversa. Veja-se que a Constituição Federal, na parte atinente ao controle externo, não trata de atribuição da Polícia, mas do Ministério Público. O texto impugnado, a pretexto de regulamentar procedimentos policiais, acaba normatizando a específica atividade Ministerial, sem que tenha poderes constitucionais para tanto.
Aceita a sua validade, estaríamos consagrando não apenas a hipótese da autoridade policial ser o juiz constitucional de suas próprias competências, mas sobretudo de, contrariamente ao que expressa o Texto Magno, ser o árbitro da competência da autoridade que tem o dever constitucional de fiscalizá-la. De fato, o Conselho Superior de Polícia pretende agir, nesse caso, como árbitro não apenas de seus deveres, mas, acima de tudo, dos poderes constitucionais (de controle externo) que o Ministério Público tem relativamente à Polícia. O normativo impugnado viola, portanto, a própria Carta Magna que, ao impor ao Ministério Público o dever constitucional de fazer esse controle, submete a Polícia a essa atividade Ministerial e não o contrário.
Considero, assim, desnecessário examinar o conteúdo de cada um dos artigos da Resolução, já que a tenho, inteiramente, incompatível com os poderes de quem a editou. O Texto Constitucional é claro (art. 129, inciso VII) no sentido de que o controle externo da atividade policial deve ser exercido nos termos de lei complementar.
No âmbito do objeto específico da ação mandamental, portanto, deve ser afastado o ato do Chefe da Delegacia que, de antemão, sinaliza o irrestrito cumprimento da Resolução impugnada para permitir o exercício, por parte do Ministério Público Federal, das atividades de controle externo, tal como disciplinado na Lei Complementar nº 75/93.
O risco da demora na prestação jurisdicional está evidenciado pelo fato de que a atividade de inspeção está agendada entre impetrante e impetrado para acontecer entre os dia 22 a 24 de Junho.
Ante o exposto, DEFIRO O PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR para, reconhecendo ‘incidenter tantum’ a inconstitucionalidade formal da Resolução nº 01, de 26 de março de 2010, expedida pelo Conselho Superior de Polícia (falta de competência constitucional para editá-la, nos termos do art. 129, inciso VII, da Constituição Federal), DETERMINAR à autoridade policial o cumprimento da Lei Complementar nº 75/93, nas atividades de controle externo realizadas pelo Ministério Público Federal. Ainda que, na realização dessas atividades, disponibilize ao impetrante, por ocasião da inspeção ou quando solicitado, para consultas (e se necessário extração de cópias) das seguintes informações e documentos: a) relação de servidores contratados em exercício na DPF/Santo Ângelo, com especificação daqueles atualmente afastados (em missão, reforço, operação, etc.); b) relação de coletes balísticos na DPF/Santo Ângelo (especificando os vencidos e os dentro do prazo de validade); c) pasta com ordens de missão policial (OMP) expedidas nos últimos 12 (doze) meses; d) livro de sindicâncias, bem assim autos de sindicâncias e processos disciplinares eventualmente em trâmite na delegacia; e) memorando, ofícios, mensagens circulares, relatórios de missão policial e quaisquer outros elementos que envolvam comunicações oficiais, para que o próprio MPF avalie o interesse ao controle externo da atividade policial.
Intimem-se.
Dê-se ciência à autoridade coatora da presente decisão.
O Ministério Público Federal deverá emendar a petição inicial para indicar, precisamente, o Órgão de representação da pessoa jurídica interessada do presente mandamus, nos termos da Lei nº 12.016/09, art. 6º.
Santo Ângelo, 22 de junho de 2010.
Fábio Vitório Mattiello
Juiz Federal”
Em seu pedido de suspensão, a União relata, em síntese, que o motivo do ajuizamento da ação mandamental origina-se de requisição apresentada pelo Ministério Público Federal à Delegacia da Polícia Federal de Santo Ângelo visando à obtenção de acesso a dados supostamente necessários para o desempenho do controle externo das atividades policiais desenvolvidas naquele órgão. Sustenta que os documentos que devem ser alcançados ao Ministério Público Federal, por força da decisão judicial ora combatida, não estão relacionados à atividade fim da Polícia Federal, razão pela qual não se sujeitam ao controle externo da atividade policial a cargo do Parquet. Refere que a Constituição Federal vigente dotou o Estado de mecanismos e órgãos de controle com o objetivo de dar transparência e assegurar a legalidade e a constitucionalidade da atividade estatal. Nessa linha, a Constituição determina que o aludido controle deverá ser realizado nos termos de lei complementar.
Aplicando essa idéia ao caso concreto, a União argumenta que a fiscalização pretendida pelo Agente Ministerial extrapola os limites impostos pela LC 75/93, que apenas permitiu o acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial, conforme definição dada no artigo 144 da CF/88. Por conseguinte, entende que as atividades-meio da Polícia Federal, como exemplo, a contratação de pessoal, os gastos, a utilização de patrimônio e de bens de consumo, o emprego de dotação orçamentária, dentre outras, não estão abrangidas pelo controle externo a cargo do Ministério Público Federal, mas sim do Tribunal de Contas da União, da Controladoria-Geral da União e da Corregedoria-Geral da União. Diante disso, afirma que a manutenção da decisão, que autoriza a fiscalização da atividade-meio da Polícia Federal, causa lesão à ordem jurídica e administrativa na medida em que transfere ao MPF a função atribuída a outros órgãos de controle externo.
Pede, por fim, a suspensão dos efeitos da liminar deferida no Mandado de Segurança nº 5001274-38.2010.404.7105/RS.
É o relatório. Decido.
A suspensão de ato judicial é dirigida à Presidência dos tribunais e está respaldada no que dispõem as Leis nºs 8.437/92, 9.494/97 e 12.016/09, que tratam da suspensão da execução da decisão concessiva de liminar, de tutela antecipada e, ainda, de segurança concedida liminar ou definitivamente.
Vejamos a redação do dispositivo legal:
“Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.
…” (grifei)
O pressuposto fundamental para a concessão da medida suspensiva é a preservação do interesse público diante de ameaça de lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. É deferida nos casos em que determinado direito judicialmente reconhecido pode ter seu exercício suspenso para submeter-se, mesmo que temporariamente, ao interesse público e evitar que grave dano aos bens legalmente tutelados venha a ocorrer.
Na suspensão de ato judicial os aspectos que dizem respeito ao mérito da ação devem ser utilizados apenas em complemento à argumentação e não como fundamentos únicos do pedido. A análise essencial reside na potencialidade lesiva do ato judicial impugnado frente aos bens jurídicos antes citados e cuja suspensão visa a tutelar.
Acrescente-se que a suspensão somente tem cabimento em situações de excepcional gravidade, vale dizer, a decisão combatida deve se mostrar potencialmente lesiva em face dos interesses públicos legalmente protegidos pela legislação de regência.
No mais, o requerimento de suspensão não comporta dilação probatória, razão pela qual o pedido deve estar acompanhado com todos os documentos pertinentes à apreciação da alegada lesão decorrente dos efeitos da medida judicial impugnada.
Fixados os parâmetros norteadores do instituto e verificados os termos das razões construídas na inicial, é forçoso concluir que há elementos que convencem pela existência de risco de grave lesão à ordem pública se posta em prática a decisão ora guerreada. Explico.
O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público encontra alicerce constitucional no inciso VII do artigo 129 da CF/88:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
…
VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
…”
Na esteira da norma constitucional acima transcrita, a Lei Complementar nº 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, veio a disciplinar o acesso a documentos relativos à atividade policial pelo controle externo Ministerial no inciso II do artigo 9º nos seguintes termos:
“Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo:
(…)
II – ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;
…” (grifei)
Veja-se, pois, que, no cumprimento de sua tarefa de controlador externo, a Lei Complementar estabeleceu um limite de acesso aos documentos pelo Ministério Público, qual seja, acesso apenas a documentos relativos à atividade-fim policial. Por sua vez, a expressão “atividade-fim policial” não deixa margem para dúvidas que se trata de acesso a quaisquer documentos relativos à apuração e à prevenção de infrações penais, tal como estabelecido nos incisos I, II, III e IV do §1º do art. 144 da CF/88:
“Art. 144
(…)
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
(…)”
Nessa esteira ainda, buscando orientar os agentes policiais de forma preservar a relação institucional com o Ministério Público, o Conselho Superior de Polícia editou a Resolução nº 01/2006-DG/DPF, de 26 de março de 2010. No artigo 2º do referido normativo infralegal, estão enumerados os documentos que dizem respeito à atividade-fim policial: inquérito policial, termo circunstanciado, registros de ocorrências e livros cartorários.
Desse modo, entendo que não pode ser mantida a decisão liminar proferida pelo Juízo de primeiro grau, que reconheceu a inconstitucionalidade formal da Resolução, pois ela apenas ecoa o disposto na Lei Complementar nº 75/93 (inciso II do art. 9º). Ao contrário disso, a pretensão do Ministério Público vai além de sua competência de controlador da atividade-fim policial porquanto a exigência de cópias que informem “a) relação de servidores contratados em exercício na DPF/Santo Ângelo, com especificação daqueles atualmente afastados (em missão, reforço, operação, etc.); b) relação de coletes balísticos na DPF/Santo Ângelo (especificando os vencidos e os dentro do prazo de validade); c) pasta com ordens de missão policial (OMP) expedidas nos últimos 12 (doze) meses; d) livro de sindicâncias, bem assim autos de sindicâncias e processos disciplinares eventualmente em trâmite na delegacia; e) memorando, ofícios, mensagens circulares, relatórios de missão policial e quaisquer outros elementos que envolvam comunicações oficiais, para que o próprio MPF avalie o interesse ao controle externo da atividade policial” dizem respeito à atividade-meio da órgão policial (fl. 157).
A exigência de tais documentos e informações pelo Ministério Público Federal, além de extrapolar a sua capacidade de controle externo da polícia, tal como delimitada na Lei Complementar nº 75/93, usurpa, outrossim, a competência fiscalizatória de outros órgãos como o Tribunal de Contas da União, a Controladoria-Geral da União e a Corregedoria da Polícia Federal.
Desse modo, a fim de evitar grave lesão à ordem pública, na sua acepção jurídico-administrativa, diante da desvirtuação de competência precisamente delimitada em Lei Complementar, entendo necessária a suspensão da liminar deferida na ação originária.
Em face do exposto, defiro o pedido de suspensão dos efeitos da liminar concedida nos autos do Mandado de Segurança nº 5001274-38.2010.404.7105 pelo Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Santo Ângelo/RS.
Intime-se. Publique-se.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Porto Alegre, 23 de junho de 2010.
Desembargador Federal VILSON DARÓS
Relator
Fernando Beato
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Revista da Defesa Social
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