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Policiais agridem folião que urinava e respondem por abuso. Veja jurisprudência

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS

JURÍDICO
Policiais agridem folião que urinava e respondem por abuso

JURÍDICO

{loadposition adsensenoticia}O limite do abuso e o início do direito do cidadão que se encontra na latência criminal de acordo com a jurisprudência. Fato ocorrido no carnaval fora de época em Natal/RN que repercutiu na Corte onde policiais militares abordaram um folião que estava urinando no corredor da folia e foi agredido fisicamente. O folião depois processou o Estado por abuso. Situações parecidas ocorrem diariamente durante as atividade policiais de ronda. Abaixo o Acórdão sobre a matéria.


Processo:         
Julgamento:     27/01/2011     Órgao Julgador:     3ª Câmara Cível     Classe:     Apelação Cível     

Apelação Cível nº
Origem:            2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN.
Apelante:          Dellins Bezerra Cardoso.
Advogado:       Aldo Miranda Filho.
Apelado:          Estado do Rio Grande do Norte.
Procurador:      José Marcelo Ferreira Costa.
Relator:          Desembargador Saraiva Sobrinho.


EMENTA : ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. AGRESSÕES FÍSICAS PERPETRADAS POR POLICIAIS MILITARES. ABUSO DO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL.   HIPÓTESE DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). DANOS MORAIS DEVIDOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE DEVE SER ARBITRADO EM COTEJO COM ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. DECISIUM REFORMADO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO APELO.

ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, conhecer e dar provimento parcial ao recurso, nos termos do voto do Relator.


RELATÓRIO


Trata-se de Apelação Cível interposta por Dellins Bezerra Cardoso em face da sentença do Juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais 001.07.002756-1, proposta contra por si contra o Estado do Rio Grande do Norte, julgou improcedente os pedidos formulados na inicial. (fls. 37/40).


Em suas razões, aduz que (fls. 447/464): i) ao participar do evento chamado “Carnatal”, foi vítima de agressões praticadas por Policiais Militares em virtude de estar urinando em um muro nas proximidades do percurso do evento; ii) não há que se falar em hipótese de excludente de responsabilidade por culpa da vítima, como retrata o Juízo de 1º grau, tendo em vista que nos casos de responsabilidade objetiva do Estado, este só se exime de responder se faltar o nexo entre seu comportamento comissivo e o dano, fato que não é o caso dos autos;  iii) houve expressa manifestação de abuso de poder; iv) os danos morais e materiais sofridos restaram caracterizados segundo documentos e relatos juntados aos autos, que comprovam o vexame e sequelas efetivamente demonstrados.


Por fim, pugna pelo conhecimento e provimento da apelação,  para que seja reformada a sentença no intuito de lhe ser pago a indenização por danos morais e materiais inicialmente pleiteada.


Em sede de Contra-Razões, defendendo a manutenção da sentença, o Estado do Rio Grande do Norte alega em suma, a inexistência de nexo de causalidade entre o dano sofrido e sua conduta omissiva/ comissiva, bem como a culpa exclusiva do autor na ocorrência de malsinado evento.  (fls. 51/53).


A 14ª Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo  conhecimento e desprovimento do recurso (fls.488/490).


É o relatório.


VOTO


Conheço do recurso.


Merece acolhimento parcial o Apelo.


Compulsando os autos, verifica-se que a parte apelante  ingressou inicialmente com ação de indenização por danos morais e materiais em 30.01.2007, tendo sido julgada a demanda em 02.06.2010, resultando na condenação do autor/apelante no ônus da sucumbência.


Sabe-se que, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, é assento entendimento de que o Estado tem o dever de reparar os danos pelos quais seus agentes causem a terceiros, consoante prevê o art. 37, § 6º da Carta Constitucional:


“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:


(…)


§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Sobre o tema, leciona  o saudoso Hely Lopes Meirelles leciona:


“… O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão…”.
E continua:


“… Para obter a indenização, basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como o seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização…”. (in Direito Administrativo Brasileiro, 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 622/627).


Deste modo, de acordo com a teoria do risco administrativo adotada pelo ordenamento pátrio, o prejudicado deve provar apenas o ato ilícito, o dano e o nexo causal existente entre este e a atividade estatal, o que torna desnecessária a prova da culpa de um determinado agente ou mesmo a ausência ou falha do serviço em geral.


Sobre a teoria do risco administrativo, é também o escólio de Hely Lopes Meirelles:


“… O risco administrativo não significa que a administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização…”. (“Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros Editora, 18ª ed. p. 555)


Nos termos do art. 144 da Constituição Federal, “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio “, através de diversos órgãos públicos, entre os quais o da Polícia Militar.
Sob esse prisma, a condição de agente público, quando contribui de modo determinante para a conduta lesiva, é causa para responsabilização estatal, dispensável sejam os danos decorrentes unicamente do exercício da atividade funcional. Basta que haja uma relação entre a função pública do agente e o fato gerador do dano, o que leva à imputação direta dos atos dos agentes do Poder Público que lhe deu o status ou os instrumentos que lhe permitiram agir e, a partir daí, causar os prejuízos cobrados (STJ, Resp 866.450/ RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/04/2007, Dje 07/03/2008).


Isto porque, é cediço que caracterizado o nexo causal entre a atuação dos agentes públicos, policiais militares,e as agressões sofridas pelo apelante, surge, indubitavelmente a obrigação do Estado do RN em reparar o dano sofrido.


In casu , conforme afirma às fls.02/03, pela ausência de banheiros químicos que atendessem satisfatoriamente a grande demanda do evento, o autor, após sentir fortes dores abdominais e uma necessidade física insuportável, deslocou-se para urinar dando enfoque a ação dos policiais.


Após urinar, o apelante foi abordado por 03 policiais e brutalmente agredido com vários golpes que lhe causaram muito sangramento e, em razão disso, foi submetido a tratamento cirúrgico com sutura como também a procedimento Odontológico de urgência devido a fratura coronária do canino superior esquerdo. (fls. 15)


Configurando assim o dever de indenizar frente as agressões sofridas pela vítima (dano), causadas em decorrência (nexo de causalidade) dos murros, socos e abuso de poder por Policias Militares do Estado do Rio Grande do Norte (ato ilícito).


Logo, não há como negar que os agentes públicos atuaram de maneira precipitada e excessiva no caso em apreço, praticando ato desnecessário e desproporcional à situação que se lhes foi apresentada, ultrapassando, consideravelmente, os limites do estrito cumprimento do dever legal.
Como se vê, o dano moral e material pleiteados pelo autor na exordial resta claramente evidenciado, cabendo ao Estado o dever de repará-lo de forma pecuniária, sendo este, inclusive, o entendimento dos mais diversos tribunais, senão vejamos:


“APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LESÃO DECORRENTE DE AGRESSÃO REALIZADA POR POLICIAL MILITAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. CULPA CONCORRENTE. QUANTUM INDENIZATÓRIO INFERIOR AO PLEITEADO. SUCUMBÊNCIA. COMPENSAÇÃO. DESPROVIMENTO DO APELO PRINCIPAL. ACOLHIMENTO PARCIAL DO RECLAMO ADESIVO.” (Apelação Cível nº , 2ª Câmara de Direito Público do TJSC, Florianópolis, Rel. Des. Francisco Oliveira Filho. Dje 12.12.2005).


Saliente-se  que, apesar da imprudente conduta da vítima em urinar em ambiente público, não se justifica a violência excessiva e desnecessária dos agentes, assim demonstrada em face das graves lesões constatadas pelo Laudo de Exame de Lesão Corporal (fls. 14 e 14v), verbis:
“(…) Segundo o Boletim de Informação … datado de 01.12.06, o periciando sofreu lesão corto-contusão, sem sangramento ativo na região frontal, corto contusa em abdome e franco esquerdo e contusão de mandíbula. Foi submetido a tratamento cirúrgico com sutura. Após exploração e assepsia das lesões sofridas (…)”


Aliás, quanto a alegação de culpa exclusiva ou concorrente da vítima, não merece vingar  a afirmativa, posto que, ao contrário do que sustenta o apelado, quem não agiu com cautela, tendo se comportado de forma absolutamente negligente foi o agente policial que causou o ato lesivo.
Neste sentido, é o entendimento da Corte de Justiça de Minas Gerais, verbis :


“POLICIAL – AGRESSÃO DESNECESSÁRIA – DANOS MORAIS – RESPONSABILIDADE DO ESTADO.A agressão em local público comprovadamente desnecessária, feita por policiais, mormente em face precisamente daqueles que acionaram a polícia porque dela necessitavam, sendo a toda evidência utilizada violência dispensável, pelas circunstâncias que envolvem o fato, acarreta a responsabilidade do Estado pelos danos morais causados. Comprovado o dano, seja material ou moral, bem como o nexo causal entre a conduta do agente público e o dano, caracterizada fica a responsabilidade civil objetiva do Estado, que fica obrigado a indenizar os prejuízos causados, independentemente, pois, da existência de culpa, nos termos do art. 37, § 6º, da CF/88.” (Apelação Cível/Reexame Necessário nº 1.0028.02.002162-3/001, 1ª Câmara Cível do TJMG, Andrelândia, Rel. Vanessa Verdolim Hudson Andrade. j. 08.03.2005, unânime, Publ. 15.04.2005).


Ultrapassada tal questão, passo a me debruçar sobre o quantum requerido a título de indenização.


É cediço que, o importe indenizatório em casos desse jaez deve assegurar a justa reparação do prejuízo, sem proporcionar enriquecimento desarrazoado, devendo ser arbitrado pelo Juiz de maneira que a composição do dano seja proporcional à ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade e da solidariedade. (STJ, AgRg no REsp 901.897/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2008, DJe 17/12/2008).


Dessa forma, a supramencionada indenização deve atender as circunstâncias do caso concreto, não podendo, ser ínfima a ponto de nada representar, nem exagerada a ponto de se constituir fator de enriquecimento ilícito.


Partindo-se de tal pressuposto, ao corroborar o entendimento supra, colacionam-se os seguintes precedentes dos nossos Tribunais de Justiça, in verbis:
“EMENTA: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZATÓRIA. ABORDAGEM POLICIAL. ABUSO DE AUTORIDADE. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA.


1 O Estado tem o dever de ressarcir os danos a que deu causa ou deveria evitar. A responsabilidade é objetiva (CF, art. 37, § 6º) e dela somente se exonera o ente público se provar que o evento lesivo foi provocado por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior.


2 Na fixação do valor dos danos morais deve o julgador, na falta de critérios objetivos, estabelecer o quantum indenizatório com prudência, de modo que sejam atendidas as peculiaridades e a repercussão econômica da reparação, devendo esta guardar proporcionalidade com o grau de culpa e o gravame sofrido.” (TJSC, Apelação Cível nº , Rel. Des. LUIZ CÉZAR MEDEIROS, Terceira Câmara de Direito Público, julgamento em 15.09.2008) (grifos nossos).


“EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. AGRESSÃO FÍSICA. POLICIAIS MILITARES. De acordo com o § 6º do art. 37 da Constituição Federal, a responsabilidade civil do Estado, por ato de seus agentes, é objetiva, encontrando respaldo na teoria do risco administrativo. Dever do Estado indenizar os danos causados por seus agentes, desde que comprovados e presente o nexo de causalidade. Caso em que o autor foi agredido por policiais militares que o conduziram entre o Hospital, onde foi atestado seu estado de embriaguez, até a Delegacia de Polícia, para registro da ocorrência. Abuso de poder caracterizado, impondo-se o dever de indenizar os danos morais causados. Valor da reparação mantido. (…). Apelação provida em parte .” (TJRS, Apelação Cível nº 70025759325, Rel. Des. LEO LIMA, Quinta Câmara Cível, julgamento em 22/10/2008) (grifos nossos)


Destarte, pelos motivos já expostos alhures, entendo que o valor de R$ 40.228,25 (quarenta mil duzentos e vinte e oito reais e vinte e cinco centavos) requerido pela parte autora a título de danos morais e materiais é excessivo, sendo assim, reputo razoável e convencional o importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por ser proporcional à ofensa suportada e assegurar a justa reparação do prejuízo sem propiciar enriquecimento sem causa.


Diante do exposto, conheço do recurso e dou provimento parcial, condenando o Estado do Rio Grande do Norte em R$(cinco mil reais) a título de danos morais em favor do demandante, invertendo, por conseguinte, os ônus sucumbenciais.

Natal, 27 de janeiro de 2011.

Desembargador VIVALDO PINHEIRO
Presidente

Desembargador SARAIVA SOBRINHO
Relator

Dr. PEDRO DE SOUTO
12º  Procurador de Justiça

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