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O uso de algemas: aspectos práticos e jurídicos

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS
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JURÍDICO
‘O Uso de Algemas’,
Aspectos práticos e jurídicos

Por William Dal Bosco Garcez Alves

 


JURÍDICO

 

{loadposition adsensenoticia} Tema que há algum tempo vem ocasionando acalorados debates no meio jurídico-social diz respeito ao uso das algemas pelos integrantes da segurança pública. É interessante (e irônico) como a utilização de algemas, na condução dos presos, ganhou destaque e se tornou alvo de severas críticas a partir da prisão de políticos e de cidadãos pertencentes à camada social privilegiada.

A questão carece de regulamentação legal, conforme se comentará a seguir, o que levou o Supremo Tribunal Federal, de forma questionável, a editar a súmula vinculante número 11, regulamentando o uso de algemas, com a seguinte redação: Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiro, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, cível e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo de responsabilidade civil do Estado.

 

A edição da aludida súmula, dado o contexto em que foi inserida, é, no mínimo, questionável, tanto do ponto de vista moral quanto jurídico.

A fim de fornecer substrato ao que foi dito, lembremos que a edição do verbete sumular se deu na data de 13 de agosto de 2008, curiosamente, um mês após a deflagração da Operação Satiagraha, conduzida pela Polícia Federal, ocasião em que foi preso o banqueiro Daniel Dantas e outros tantos do “colarinho branco”.

A cobertura pelos meios de comunicação em massa foi completamente fantástica, e, dada a dimensão do fato, não poderia ser diferente, afinal, naquela ocasião, a Polícia Federal cumprira 24 mandados de prisão e 56 mandados de busca e apreensão. Não há dúvida de que o fato deveria ser amplamente noticiado, uma vez que a sociedade tem pleno direito à informação.

Entretanto, após a divulgação de imagens de alguns abastados algemados, passou-se a criticar ferrenhamente o uso de algemas pela Polícia, o que culminou com a edição da súmula vinculante número 11 pelo Supremo Tribunal Federal. O curioso é que, enquanto Zezinhos e Joaninhas eram algemados e divulgados pela mídia, nada se criticava. Digam os senhores, tal fato não é questionável?

É nítido que a súmula separa uma casta em detrimento de outra, criando, para a especial, regalias de uma prisão distinta. Uma prisão que, ao ser divulgada pela mídia, não pareça, efetivamente, uma prisão.
Do ponto de vista jurídico, ressalte-se, diversas críticas foram tecidas diante do modo como a súmula vinculante foi imposta, o que já gerou inclusive pedido de cancelamento[1] perante o Supremo Tribunal Federal por desrespeito aos requisitos de formalização do texto vinculante.

É que, a razão de ser do instituto “súmula vinculante”, extraída por meio de interpretação teleológica do art. 103-A, §1º, da Constituição Federal, indica que, para se justificar a emissão de súmula vinculante, é preciso que existam reiteradas decisões sobre matéria constitucional, versando sobre a validade, a interpretação ou a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarretem grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre a questão idêntica.

O “uso de algemas” nunca preencheu tais requisitos. Saliente-se que sequer existe norma específica regulamentando a matéria, passível de ser interpretada pelo Supremo Tribunal Federal. Deve-se frisar que a autorização legal para a edição de súmulas vinculantes não pode dar azo para a Suprema Corte arvorar-se na condição de legislador.

Veja-se que, inclusive, foi esse o argumento utilizado pelo Procurador Geral da República, no âmbito de suas atribuições, quando encaminhou parecer opinando pelo cancelamento da súmula, aduzindo que o Supremo Tribunal Federal inovou o ordenamento jurídico, ultrapassando os limites constitucionais de sua competência, uma vez que não pode atuar como legislador positivo.

Portanto, além de questionável do ponto de vista moral, a súmula em comento também é questionável do ponto de vista legal, uma vez que carrega consigo fortes indícios de inconstitucionalidade.

Conforme referido alhures, não há legislação regulamentando o uso de algemas. A Lei 7.210/84, que define políticas de execução penal, estabelece, em seu artigo 199, que o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal. Já se passaram 25 anos e, até a presente data, a matéria permanece sem regulamentação legal.

Há um projeto de Lei (PL 185/2004) que está para ser votado no Senado Federal, já tendo sido aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, regulamentando a matéria. Segundo especulações, o texto do referido projeto determina que fica proibido o uso de algemas como forma de castigo ou sanção disciplinar, bem como quando o investigado ou acusado se apresentar espontaneamente à autoridade policial ou judiciária.

Tais previsões são deveras plausíveis e louváveis, uma vez que trazem em seu bojo situações em que o uso das algemas, nitidamente, não é necessário. Partindo-se do pressuposto de que o indivíduo se apresentou para a sua prisão, não há como se presumir que venha a investir contra a integridade de seus condutores.

De outra banda, o referido Projeto de Lei mantém a infeliz disposição sumular de que, nas prisões em flagrante ou deslocamento de presos, o uso de algemas somente se justifica se houver resistência ou tentativa/receito de fuga. Diz-se infeliz, porque vincula, de forma necessária, a utilização de algemas ao emprego da força, como forma de contenção de uma situação já estabelecida.

O fato, senhores, é que os policiais não têm bola de cristal, sendo terminantemente impossível prever quando um indivíduo detido vai reagir ou tentar empreender fuga. Aliás, tendo por base que é da natureza do ser humano esquivar-se de situações que lhe desconfortam e desagradam, é possível acreditar-se que sempre existirá, no mínimo, risco de fuga (ressalvada a hipótese de apresentação espontânea, como dito acima).
De fato, não há, realisticamente falando, como se prever a reação de cada indivíduo ao ser preso.

Sob esse prisma, melhor seria entender o uso de algemas como forma de neutralização da força e de imobilização do conduzido para garantir o direito à segurança, à integridade e à proteção (policial e do próprio preso). Ademais, é necessário e salutar para todos os participantes que a diligência seja o menos traumática possível, evitando-se (e não apenas remediando-se) qualquer situação de tensão e stress.

As algemas são um instrumento essencial na atividade policial, fazendo parte do conjunto mínimo de equipamentos de segurança que um policial deve ter ao exercer suas atividades.

De sorte, em outros dispositivos, o Projeto de Lei 185/2004 traz expressões que tornam mais simples, diante da dimensão que a questão tomou, a utilização do aparato, prestigiando e, de certa forma, livrando os policiais de serem constrangidos e ameaçados de sofrerem sanções administrativas e penais, por criminosos e advogados.

O citado Projeto prevê que a utilização das algemas é permitida quando julgado indispensável pela autoridade competente, bem como quando não houver outros meios idôneos para atingir o fim a que se destinam. As palavras utilizadas no texto favorecem, e muito, a Autoridade Policial e aos demais integrantes da segurança pública, que poderão determinar os contornos da prisão e/ou condução do preso sem melindres, sem receio de represálias, o que contribuirá incomensuravelmente para a confiança e simplicidade dos procedimentos.

Já está na hora de colocarmos as coisas nos seus devidos lugares.

Ao primar pelo direito à imagem do preso, viola-se o direito à informação da sociedade, bem como o direito à liberdade de imprensa dos meios de comunicação. Ao primar pela tão falada integridade moral do preso, viola-se e negligencia-se a segurança dos policiais, de terceiros (inclusive o preso) e da própria sociedade.

O quadro que se apresenta não pode prosperar. Não podemos consentir que o Poder Judiciário, artificiosamente, trace balizas para a utilização de um instrumento de trabalho dos policiais, deixando-os de mão atadas diante de situações não previstas em um simples texto sumular. Afinal, quem deve ficar de mãos atadas (ou melhor, algemadas) são os criminosos.  
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[1] Proposto pela COBRAPOL – Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (2009).

DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social
Portal Nacional dos Delegados

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