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Investigação e dispensa de ordem judicial para operadoras de telefonia informar localização de pessoas

por Editoria Delegados

Por Alesandro Gonçalves Barreto

Título original: “Investigação policial e a prescindibilidade de ordem judicial junto às prestadoras de telefonia ou telemática para localização de vítima e/ou suspeitos: análise da Lei de Prevenção e Repressão ao Tráfico Interno e Internacional de Pessoas”. Por Alesandro Gonçalves Barreto

 

RESUMO

A legislação ao dispor sobre a prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas, oportuniza à Autoridade Policial o poder de solicitar informações técnicas às prestadoras de serviço telefônico e telemático nas situações em que a vítima esteja em perigo. O tema é de grande relevância para momento, eis que permite a obtenção desses dados  sem ordem judicial nos casos em que o poder judiciário não apreciar a representação no prazo de 12 (doze) horas. Esses haveres devem garantir, portanto, um atendimento mais célere à vítima, localizando-a e retirando-a da situação de risco, bem como individualizando seus autores. Por fim, a legislação deveria, todavia, possibilitar mecanismos ainda mais ágeis para atuação da polícia judiciária.

Palavras-chaveRequisição; Risco; Tráfico; Vítima.

 

INTRODUÇÃO

 

A lei 13.344, de 06 de outubro de 2016, dispõe sobre a prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas, além de medidas de atenção às vítimas.

 

O diploma legal garante poder de requisição do delegado de polícia para obtenção de dados cadastrais e de meios técnicos adequados que permitam a localização da vítima e dos suspeitos nos casos de crimes de sequestro e cárcere privado, redução à condição análoga de escravo, extorsão mediante restrição de liberdade (art. 158, § 3º, do CPB), extorsão mediante sequestro e do art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente[i].

 

A requisição de dados e informações da vítima ou do suspeito devem ser atendidas no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. Essa previsão legal existe em outras legislações, quais sejam: lei dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores[ii]; lei que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal[iii] e, por fim, no Marco Civil da Internet[iv].

 

Não carece, portanto, a solicitação de dado cadastral de uma análise minuciosa, eis que essa requisição é prática comum por parte dos órgãos encarregados da persecução penal. Passaremos, então, a examinar a possibilidade de requisição de informações diretamente à prestadora de telefonia ou serviço telemático feita   por delegado de polícia, visando à localização da vítima ou de suspeitos em delitos em curso.

 

 

1. DA POSSIBILIDADE DE REQUISIÇÃO DE DADOS CADASTRAIS E MEIOS TÉCNICOS PARA LOCALIZAÇÃO DA VÍTIMA E SUSPEITOS

 

A investigação de alguns delitos deve ser oportunizada pela celeridade de quem a conduz. Nas situações que envolvam vítimas de extorsão mediante sequestro, por exemplo, a apuração do delito é deveras prejudicada, em alguns casos, pela não expedição de uma ordem judicial de interceptação ou quebra de sigilo telefônico ou telemático em tempo hábil, ou ainda, em razão da lentidão por parte das operadoras de telefonia ou provedores de internet.

 

A informação da estação rádio-base[v] ou de registros de conexão[vi] garantirão elementos para auxiliar a polícia na localização da vítima, bem como na individualização da autoria delitiva, havendo maior resolutividade no atendimento à vítima que se encontra subjugada. O art. 13-B da lei 13.344 traz a seguinte redação:

 

Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso.

 

Na prática, o caput foi redundante, eis que as solicitações de quebra de sigilo telefônico e telemático já são representadas diretamente ao Poder Judiciário. Durante uma investigação para apurar um crime de extorsão mediante restrição de liberdade, por exemplo, a autoridade policial representará ao Poder Judiciário para determinar às prestadoras que forneçam os dados solicitados, além de outras medidas cautelares.

 

 A proposição inicial do projeto de lei previa a requisição direta por parte do Ministério Público ou pelo delegado de polícia desses dados úteis à investigação[vii]. Na tramitação ocorreram modificações da idéia inicial[viii], passando-se a exigir requisição de ordem judicial para obtenção do dado. A construção legislativa, data máxima venia, não poderia restringir, de sobremaneira, essa atuação rápida e oportuna da atividade policial. A requisição de informação deve ser direta ao ente que detém o dado e  nunca condição para se representar judicialmente.

 

A solicitação de disponibilizar meios técnicos adequados para localização de vítimas ou suspeitos cinge-se a dados não comunicacionais, quais sejam: chamador, chamado, dia, hora, local, duração da chamada e estação rádio-base de quem efetuou a chamada. Não há conteúdo no fornecimento desses dados pelas prestadoras. Outrossim, no pedido de registros de conexão  ou de acesso a aplicações de internet, não se obtém comunicação de seus interlocutores na Internet, apenas a informação de que fizeram uso, data e hora de início e de término de uma conexão, sua duração e o endereço IP[ix] utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados. No caso de acesso a uma rede social ou página qualquer na web, haverá o fornecimento da data e hora de uso de uma determinada aplicação de Internet a partir de um determinado endereço IP.

 

O diploma legal em estudo menciona ainda a proibição de acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza. Mesmo que as prestadoras assim o quisessem, isso não seria possível. Essas empresas não possuem um “supercomputador” que armazena tudo, ficando adstritas apenas a fazer o desvio de conteúdo a partir do recebimento da ordem judicial. Guardam apenas os dados não comunicacionais. Compete à Polícia Judiciária ou ao Ministério Público, através de softwares e hardwares adequados, armazenar e fazer a respectiva análise. A partir do momento em que um juiz concede a interceptação telefônica ou telemática de um determinado investigado é que a prestadora de do serviço passa a desviar o conteúdo de comunicação produzido entre ele e um terceiro.

 

Nesse diapasão, essas informações fornecidas pelas operadoras ou provedores de conexão restringem-se apenas à torre de telefonia utilizada (estação rádio base Y, localizada na rua Z, bairro M, cidade H com azimute Xº), chamadas originadas e recebidas e o respectivo protocolo de internet utilizado (189.xx.xxx. 19)[x]. Não há, portanto, conteúdo comunicacional nessa disponibilização de meios técnicos.

 

 

 2. DA EXCEPCIONALIDADE DE EXIGÊNCIA DE ORDEM JUDICIAL

 

Em que pese os argumentos acima inventariados, necessita-se, pois, como regra, representar ao Poder Judiciário para se obter referências de localização da vítima ou suspeitos. Notavelmente, permite-se a requisição desses dados sem ordem judicial.

 

Decorrido o prazo de 12 (doze) horas após o protocolo da representação judicial, a autoridade solicitante poderá solicitar diretamente à operadora de serviço telefônico ou telemático o fornecimento desse conteúdo, independentemente de ordem judicial[xi]. Nesse sentido, recomenda-se a expedição de oficio às prestadoras, devendo conter:

 

  1. Número do inquérito policial, caso já tenha sido instaurado;
  2. Encaminhamento através de e-mail institucional, comunicando o meio para recebimento dos dados, bem como a solicitação de que os dados sejam enviados em meio físico para o endereço a ser fornecido;
  3. Protocolo com data e hora do ingresso da representação no poder judiciário para comprovação do decurso de mais de 12 (doze) horas e,
  4. Informação do dispositivo legal que permite a requisição desses dados.

 

Por fim, deve a autoridade policial comunicar ao Poder Judiciário que requisitou diretamente à prestadora do serviço.

 

CONCLUSÃO 

 

A investigação policial não deve ficar atada apenas pela tomada de declarações ou expedição de ordens de missão policial. O incremento de novas tecnologias de comunicação traz consigo a possibilidade do investigador dar um atendimento eficaz às ocorrências, especialmente naquelas em que a vítima esteja em situação de risco.

 

A lei que trata sobre a prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional, além do atendimento às vítimas, inovou ao permitir uma maior celeridade na resposta do aparato policial. Poderia, no entanto, ter permitido acesso aos dados das empresas prestadoras de telefonia e telemática de pronto, com controle a posteriori do poder judiciário para evitar abusos. O prazo de 12 (doze) horas pode ser razoável para algumas investigações e, devastador para as vítimas, noutras.

 

Enfim, o combate ao tráfico de pessoas e principalmente a localização das vítimas pode ser mais efetiva quando se fornece à polícia instrumentos rápidos e eficazes para esse mister.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BARRETO, Alesandro Gonçalves. CASELLI, Guilherme. WhatsApp: é possível cumprir decisões judiciais? Disponível em: <http://direitoeti.com.br/artigos/WhatsApp-e-possivel-cumprir-decisoes-judiciais/>. Acesso em: 25 fev. 2017.

______. FERRER, Everton Ferreira de Almeida. Perícia em Celular: Necessidade de Autorização Judicial? Disponível em: <http://direitoeti.com.br/artigos/pericia-em-celular-necessidade-de-autorizacao-judicial/>. Acesso em: 25 fev. 2017.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Parecer do Relator, pela Comissão Especial, às Emendas de Plenário Oferecidas ao Projeto de Lei nº 7.370, de 2014 (Subemenda Substitutiva). Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1304106.pdf>. Acesso em: 25. fev. 2017.

______. Comissão Especial destinada a proferir parecer ao projeto de lei nº 7.370, de 2014, do Senado Federal, que “dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas, altera o decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (código penal), e as leis nºs 6.815,de 19 de agosto de 1980, e 7.998, de 11 de janeiro de 1990; e revoga dispositivos do decreto lei nº 2.848, de 07 dezembro de 1940 (Código Penal)”.  Disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1270327&filename=Tramitacao-PL+7370/2014. Acesso em: 25. fev. 2017.

______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 25. fev. 2017.

______. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 25. fev. 2017.

______. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9296.htm>. Acesso em: 25. fev. 2017.

______. Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm>. Acesso em: 25. fev. 2017.

______. Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 25. fev. 2017.

______. Lei nº 13.344, de 06 de outubro de 2016. Dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas; altera a Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga dispositivos do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13344.htm>. Acesso em: 25. fev. 2017.

______. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp105.htm>. Acesso em: 25. fev. 2017.


 

[i] Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro:

        Pena – reclusão de quatro a seis anos, e multa.

        Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude:

        Pena – reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

[ii] Art. 11, § 2º do Dec. 8771, de 11 de maio de 2016.  A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito.

[iii] Art. 17-B da Lei 9.613, de 03 de março de 1998. O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

[iv] Art. 10 da Lei 12.965, de 23 de Abril de 2014. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

  • 3o O disposto no caput não impede o acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham competência legal para a sua requisição.

[v] Equipamento de telefonia celular que faz a conexão entre os telefones e a companhia, permitindo a realização de chamadas ou a utilização de Internet.

[vi] O conjunto de informações referentes à data e hora de início e término de uma conexão à internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados.

[vii] Comissão Especial destinada a proferir parecer ao projeto de lei nº 7.370, de 2014, do Senado Federal.

[viii] Parecer do Relator, pela Comissão Especial, às Emendas de Plenário Oferecidas ao Projeto de Lei nº 7.370, de 2014. (Subemenda Substitutiva).

[ix] o código atribuído a um terminal de uma rede para permitir sua identificação, definido segundo parâmetros internacionais.

[x] A consulta para saber a qual provedor de conexão se encontra vinculado o protocolo de internet deve ser feita utilizando ferramentas WHOIS, disponíveis livremente na Internet. O passo seguinte é requisitar diretamente ao provedor determinando que ele forneça os dados cadastrais, endereço de instalação e outros elementos úteis à investigação policial.

[xi] Lei 13.344, § 4º Não havendo manifestação judicial no prazo de 12 (doze) horas, a autoridade competente requisitará às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso, com imediata comunicação ao juiz.”

 


* Alesandro Gonçalves Barreto é Delegado de Polícia Civil do Estado do Piauí e coautor dos livros Investigação Digital em Fontes Abertas e Manual de Investigação Cibernética à Luz do Marco Civil da Internet, ambos da Editora Brasport. Coordenador do Núcleo de Fontes Abertas da Secretaria Extraordinária para Segurança de Grandes Eventos nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. [email protected].

 

 

 

 

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