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Prerrogativa de foro para autoridades deve ser revisto

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS

JURÍDICO
Prerrogativa de foro para autoridades deve ser revisto

JURÍDICO

{loadposition adsensenoticia}Nas duas últimas semanas, o STF (Supremo Tribunal Federal) condenou dois políticos. Os deputados José Gerardo (PMDB-CE) e Cássio Taniguchi (DEM-PR), no entanto, foram os primeiros e até agora únicos parlamentares condenados pela mais alta Corte do país desde a Constituição Federal de 1988. Para a procuradora regional da República Janice Ascari, a demora do Supremo em proferir decisões para quem tem prerrogativa de foro, conhecido também como foro privilegiado, deve fazer com que tal dispositivo seja revisto.

De acordo com a prerrogativa de foro, são processados e julgados pelo Supremo o presidente e vice-presidente da República, deputados federais, senadores, ministros de Estado, procurador-geral da República, comandantes da Marinha do Exército e da Aeronáutica, membros do Tribunal de Contas da União, membros dos tribunais superiores e chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Governadores e desembargadores, são julgados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça); prefeitos e juízes, pelos Tribunais de Justiça de cada Estado.

Tramitação lenta, impunidade, falta de vocação e impunidade são alguns dos problemas do foro privilegiado apontados por Janice Ascari, uma das responsáveis pela operação Anaconda, de 2003, que descobriu uma quadrilha que negociava sentenças. Os envolvidos tiveram condenações em pouco mais de um ano após a Justiça ter aceitado a denúncia.

“Os tribunais superiores não estão preparados para processar ações penais originárias. A vocação e função do tribunal é julgar recursos, rever decisões das instâncias inferiores”, afirma a procuradora.

Para ela, o processo em primeira instância não necessariamente andaria mais rápido, mas processar ações penais é a função do juiz de primeiro grau.

A prescrição é o maior risco da demora do Supremo em processar ações penais. “E esse risco se torna cada vez mais palpável por conta da nossa legislação, absolutamente permissiva e que concede aos réus uma possibilidade quase infinita de recursos intermediários”, diz Janice.

A procuradora explica que as ações que nascem no Supremo têm um trâmite absolutamente lento, não só pelo “cruel” volume de trabalho do Supremo, mas também pelo próprio rito processual da ação penal originária. “Até receber a denúncia e instruir a ação penal, quando vai a julgamento, ou até antes, a ação já prescreveu”, destaca.

Além disso, como ocorreu nos casos dos deputados Gerardo e Taniguchi, é muito comum que estejam no STF ações que começaram em primeira instância mas foram para a Suprema Corte devido à posse dos envolvidos como parlamentares com prerrogativa de foro.

“Quando o caso vai para o Supremo, não é que se começa tudo de novo, mas às vezes é preciso ouvir novamente as testemunhas. Alguns atos podem ser aproveitados, mas podem haver outros que o relator deseja praticar novamente. Os processos que não começam no Supremo ficam ‘passeando’ por conta da posse em determinados cargos”, diz a procuradora.

O trâmite de uma ação penal originária também é alvo de questionamentos. Após oferecer a denúncia, é aberto um prazo para todos os denunciados se pronunciarem. O caso volta para o relator, marca-se um sessão de julgamento, porque o recebimento da denúncia é feito pelo colegiado, assim como a decisão final. “É feita toda uma sessão só pra receber a denúncia”, explica Ascari.

Ela lembra ainda do “caráter aristocrático” do foro. “Por que algumas pessoas são julgadas normalmente em primeiro grau e outras, só porque exercem uma função pública, são julgadas por um tribunal colegiado, uma corte mais ‘elitizada’?”, indaga.

Em novembro do ano passado, a Câmara dos Deputados derrubou uma proposta que acabaria com a prerrogativa de foro. Segundo o último levantamento divulgado pelo Supremo, tramitam na Corte 378 inquéritos e ações penais contra autoridades (378 inquéritos e ações penais).

Hoje, o mais famoso caso de autoridades com prerrogativa de foro no STF é ação penal do mensalão, suposto esquema de desvio de recursos para compra de apoio parlamentar pelo governo federal. A Corte recebeu a denúncia contra os 40 acusados de envolvimento com o esquema, que agora são 39 —o ex-secretário-geral do PT, Silvio Pereira, fez um acordo para cumprir penas alternativas.

Conjuntura

De acordo com a procuradora, é muito comum haver uma “orquestração” entre as defesas de acusados em um mesmo processo, manobras e estratégias que fazem com que o processo pare.“A conjuntura de fatores é construída de modo a fazer o processo penal não funcionar. E de fato não funciona mesmo”, diz Janice Ascari.

Para ela, a questão das ações penais encontra resistência grande por ser, sem dúvida, uma questão de vontade política. “Obviamente não são todos os ministros, mas é feita uma construção no momento do julgamento para poder livrar a cara do acusado. Alguns fazem muita força para que a coisa não funcione mesmo”, destaca.

Os ministros do STF e do STJ acabam delegando a instrução penal para juízes de primeira instância. Eles por exemplo não ouvem pessoalmente as testemunhas. “Só o julgamento é feito pela Corte e toda a instrução é realizada por um juiz de primeiro grau”, constata a procuradora.

Ela lembra que um julgamento no STF é único, ou seja, não haverá recurso nem para a defesa, nem para a acusação. “Um processo que tramite desde o primeiro grau, hoje, tem até quatro instâncias de recursos. O foro especial acaba prejudicando a própria defesa”, diz.

Ações penais

A decisão de abrir processo contra políticos e torná-los réus em ações penais também encontra alguns entraves no Supremo. Essa é uma questão que divide os ministros e já ficou evidente em alguns julgamentos: no caso do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e na acusação contra o ex-ministro da Fazenda e atual deputado federal Antônio Palocci (PT-SP).

Uma das correntes, encabeçada pelo ministro Gilmar Mendes, ex-presidente da Corte, exige que existam provas contundentes, não apenas indícios contra o agente público —deve ficar claro, por exemplo, que um prefeito ou governador sabia ou participou de desvios. O fato de o político ocupar determinado cargo não é suficiente para garantir a abertura da persecução penal.

Algumas vezes, os ministros que adotam tal entendimento chegam até mesmo a responsabilizar o Ministério Público por produzir denúncias ineptas e sem fundamentação.

Outra corrente defende o combate à impunidade e geralmente tem entre seus simpatizantes os ministros Marco Aurélio Mello, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto. Para eles, o tribunal deve dar uma resposta às irregularidades e permitir que, com a abertura da ação, sejam produzidas novas provas.

O ministro Marco Aurélio já chegou a afirmar que o Supremo não pode ser “cemitério de inquéritos e ações contra quem quer que seja”.

“O Supremo é, sem dúvida, um cemitério de ações penais”, afirma Janice Ascari. Ela explica que a lei fala em apenas em indícios de autoria e materialidade. “Se para uma ação em primeiro grau só são necessários indícios, porque em uma ação contra um político já é necessária uma prova cabal, contumaz, contundente?”, indaga.

“Qualquer estudante de direito sabe que a chamada responsabilidade objetiva não existe no direito penal. O simples fato de uma pessoa ser prefeito e haver desvio de verba na prefeitura, não quer dizer que ele é culpado. Mas se a denúncia é oferecida é porque há indício de participação pessoal do prefeito no desvio. Isso é de uma clareza patente”, diz.

Quanto à responsabilidade do MP, que forneceria, segundo alguns ministros, denúncias ineptas, Janice é veemente. Segundo ela, há casos de denúncias de ações penais originárias mas de tribunais inferiores, que foram recebidas pelo pleno do TJ, foram confirmadas no STJ e quando chegam no Supremo é levantada a inépcia da denúncia. “A culpa é do MP, mas e esses desembargadores que receberam a denúncia? E esses ministros do STJ que confirmaram? São todos co-autores da inépcia?”, afirma.

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