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Decreto do RJ que prevê quebra de sigilo causa polêmica

por Editoria Delegados
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O decreto estadual que criou a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas está causando polêmica no Rio. O texto – assinado pelo governador Sérgio Cabral e publicado no Diário Oficial do Estado nesta segunda-feira (22) – diz que operadoras de telefonia e internet terão prazo máximo de 24 horas para atender aos pedidos de informação da comissão, sem mencionar a necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo. Juristas ouvidos pelo G1 questionam a constitucionalidade do decreto e a OAB-RJ já avalia medidas a serem tomadas para inviabilizar o cumprimento da determinação. Por outro lado, o Ministério Público, que preside a comissão, afirma que a comissão não cometerá ilegalidades.

 

 

O procurador-geral do estado do Rio, Marfan Martins Vieira, afirmou, nesta terca-feira (23), por meio da assessoria de imprensa, que não existe possibilidade de haver quebra de sigilo telefônico sem autorização judicial, já que o decreto estadual não pode se sobrepor à legislação federal sobre o tema.

 

“O decreto limita-se a fixar prazo para resposta dos pedidos de informação da comissão, sejam eles formulados diretamente ou por meio de decisão judicial, nos casos em que esta seja necessária, nos termos da legislação federal aplicável”, disse o MP-RJ em nota oficial.

 

Procurada pelo G1, a assessoria de imprensa do governador Sérgio Cabral informou, por meio de nota, que “as solicitações da comissão devem ser atendidas nesse prazo, sejam as que puderem ser feitas diretamente pela comissão, sejam as que dependam de decisão judicial”, sem comentar o fato do decreto ultrapassar a competência do governo estadual para legislar sobre assunto. O Governo do Estado afirmou ainda que a “regra foi incluída a pedido do Ministério Público”.

 

No entanto, mais tarde, a assessoria do governador informou que “o decreto do Governo do Estado do Rio de Janeiro que cria a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV) sempre esteve em absoluta sintonia com o Ministério Público RJ e, em momento algum, estabeleceu que a CEIV quebrasse sigilos. Somente à Justiça caberá a quebra de sigilos solicitados pela Comissão Especial que é presidida pelo MP-RJ”.

 

‘Todos os direitos serão respeitados’, diz presidente da comissão

O presidente da Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas, o procurador do Ministério Publico, Eduardo Lima Neto, frisou que não haverá violação de direitos e ressaltou que a medida tem como objetivo “dar velocidade à apuração dos fatos”.

 

“Todos os direitos das pessoas serão respeitados. Tanto as polícias quanto o Ministério Público em nenhum momento vão indicar um caminho excepcional. Tudo exatamente dentro da legalidade. É só uma questão de prazo nas investigações”, disse o procurador Eduardo Lima Neto, acrescentando que a comissão deve investigar ainda informações de policiais militares do Serviço Reservado, conhecidos como P2, estarem infiltrados em manifestações para promover violência: “Todos serão investigados”, afirmou Neto, sem dar detalhes sobre o que já existe nas investigações.

 

A comissão se reuniu, oficialmente, pela primeira vez nesta terça na sede do MP-RJ, no Centro do Rio. Com integrantes das polícias civil e militar, além de dois procuradores e quatro promotores, a comissão vai centralizar as investigações sobre atos de vandalismo, reunindo inquéritos que estão espalhados em diversas delegacias da capital.

 

Ordem dos Advogados avalia medidas

A seccional do Rio de Janeiro, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), considerou pela inconstitucionalidade do decreto. O vice-presidente da instituição, Ronaldo Cramer, informou que a direção avalia que medida tomar para inviabilizar a aplicação da lei. Para a OAB-RJ, as duas falhas que abrem brecha para a inconstitucionalidade é o poder dado à comissão para quebra de sigilo de dados telefônicos e de informática, sem autorização judicial, e o fato do poder estadual ultrapassar a constituição federal, que assegura a competência exclusiva da União para legislar.

 

A OAB-RJ analisa se vai ajuizar uma ação contra o decreto, no órgão especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ou se vai tomar medidas no âmbito administrativo, pedindo a reconsideração dos artigos.

 

“A conclusão da OAB-RJ é pelo decreto inconstitucional. Primeiramente, por se tratar de normas de natureza processual. Somente a União Federal, através de lei federal, pode ditar normas processuais, nunca uma lei estadual ou decreto. Isso está previsto na Constituição, que assegura a competência exclusiva para União para legislar. Os estados não podem legislar, tampouco, um ato do governo estadual pode ditar normas processuais”, ressaltou Cramer.

 

O advogado também enfatizou que o decreto viola o artigo 5º da Constituição. “O segundo motivo é que o decreto dá à comissão o poder de quebrar sigilo de dados telefônicos e de informática sem autorização judicial, e isso viola o artigo 5º, inciso 12, da Constituição Federal, que diz que a quebra do sigilo telefônico e meios tecnológicos só pode ocorrer com autorização judicial”, finaliza o vice-presidente da OAB-RJ.

 

Juristas questionam decreto

O professor do Centro de Justiça e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ivar Hartmann, disse que se surpreendeu com o texto. Para o jurista, o decreto é inconstitucional por diversos motivos. Um dos principais pontos expostos por ele é a participação da Polícia Militar na investigação dos crimes.

 

“Na minha opinião, há uma série de problemas que tornariam esse decreto inconstitucional. A PM não exerce função de investigação, e sim, policiamento ostensivo. A PM não investiga crime, isso cabe à Polícia Civil”, diz Hartmann.

 

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Wadih Damous, enxerga como resquícios de “atos de exceção” o decreto publicado pelo governador. “Está se criando uma polícia de emergência, de exceção. Não é papel da PM investigar ninguém, as atitudes ilegais, de vandalismo, de depredação ao patrimônio público, devem ser reprimidos com a força policial existente. No Leblon, a polícia ficou de braços cruzados”, criticou Damous, acrescentando que, por outro lado, vê como exagero a comparação feita por alguns manifestantes, relacionando o decreto com o DOI-Codi. “Isso é um exagero. No DOI-Codi, se torturava, se matava”.

 

G1 Globo

 

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