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Promotor pode mandar delegado ‘indiciar’?

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS
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JURÍDICO

Promotor pode mandar delegado ‘indiciar’?

Por Daniel Augusto Valença

 

JURÍDICO

 

Título: “A atribuição de indiciamento no Inquérito Policial”

Por Daniel Augusto Valença da Silva

{loadposition adsensenoticia}Tem se tornado muito comum entre os Membros do Ministério Público a prática de devolver a Delegacia de Polícia Judiciária de origem inquéritos policiais, relatados ou não, com requisição de diligências e com a “determinação” à Autoridade Policial para que esta proceda às formalidades legais de indiciamento em face de determinado envolvido. Muitas vezes o inquérito retorna apenas no escopo de que seja cumprida a promoção de indiciamento, sem que seja requisitada qualquer diligência investigativa. A questão que surge é a seguinte: está a Autoridade Policial obrigada a acatar tal promoção, promovendo o indiciamento, ou poderá ela valorar o caso concreto e agir de acordo com o seu entendimento?

Os Promotores de Justiça que desta forma agem sustentam que não cabe ao Delegado de Polícia fazer qualquer juízo de valor dos fatos apurados no inquérito, devendo se limitar a investigar os fatos que serão valorados pelo Ministério Público, titular da ação penal, que é a quem cabe formar a opinio . Trazem ainda um outro argumento, não muito técnico, (na verdade, nem um pouco técnico ) que é a máxima “ quem pode mais, pode menos ” , concluindo que se o Promotor tem atribuição para fazer a denúncia , deflagrando a ação penal, com certeza também terá para um ato de mero indiciamento, que é muito menos.

Ora, quanto a esta afirmação do “quem pode mais, pode menos”, trata-se de uma linha de pensamento tão equivocada que nem vale a pena nos estendermos no sentido de rebate-la. Seguir essa linha de raciocínio seria o mesmo que concluir que o Juiz tem atribuição para iniciar a ação penal, pois se ele pode condenar, quanto mais denunciar, afinal “quem pode mais, pode menos” . O poder de condenar não implica no de denunciar, na mesma forma que o poder de denunciar não em implica no de indiciar, uma vez que o ordenamento jurídico delimita as atribuições de cada órgão.

Para que seja dirimida esta questão é imperioso que se faça uma análise do que vem ser o indiciamento, qual a sua natureza jurídica e qual a sua função dentro do inquérito policial, para que então possamos chegar a conclusão de quem deva promovê-lo.

Indiciar, significa segundo o Dicionário da Língua Portuguesa ( Editora Globo S.A. , 1993 ) “Mostrar por indício; dar indício de;” . E indício significa, segundo o mesmo dicionário, “sinal, elemento indiciativo” . Em uma acepção menos semântica e mais jurídica, significa apontar, indicar. Trata-se portanto do ato pelo qual se mostra, se aponta, os sinais que determinada infração penal foi cometida por determinada pessoa. Ora, quem mostra, mostra para alguém. Quem aponta, aponta para que determinada pessoa veja. Trata-se portanto de ato dirigido , com destinatário específico. E o destinatário do inquérito policial é o Promotor de Justiça, pois a finalidade do inquérito é justamente fornecer os elementos para que este possa lastrear com justa causa a ação penal. Então, indiciamento é o ato formal pelo qual a autoridade que preside o inquérito policial (o Delegado de Polícia) indica, aponta ao titular da ação penal (o Ministério Público) quem praticou o delito. Na verdade não se trata de um ato essencial dentro do procedimento policial, sendo portanto, meramente indicativo, sem o condão de vincular o membro do Ministério Público na formação de sua opinio delicti. È como se a Autoridade Policial estivesse sublinhando com uma caneta piloto o que há de mais importante dentro do que foi carreado para o inquérito policial, ou seja, a autoria do crime, não se tratando de ato de investigação, e sim de indicação, portando não se enquadrando no conceito de “diligência” a que se referem os art. 13, II e 16 do CPP, 41 da lei 8.625/93 e 129, VIII da CF.

Sendo o MP o destinatário da indiciação proferida dentro dos autos, é mais do que óbvio que ele não pode praticar tal ato. Admitir o indiciamento feito pelo membro do MP, seria admitir um comportamento esquizofrênico do Promotor de Justiça, pois ele estaria indicando algo para ele mesmo. Seria o Promotor falando sozinho. O ato de indiciamento portanto, é privativo daquele que preside as investigações, ou seja, o Delegado de Polícia, que irá em seu relatório promover uma sinopse do que foi apurado no decorrer do inquérito, com a conclusão das investigações, indiciando ou não algum dos envolvidos como autor de algum crime. Repitimos mais uma vez, esta “conclusão” das investigações por parte da Autoridade Policial não vincula o membro do Ministério Público, servindo apenas como uma espécie de apontamento, podendo este denunciar mesmo sem o indiciamento, ou promover o arquivamento do inquérito na forma do art. 28 do CPP, apesar deste. Quanto a atribuição do indiciamento já decidiu o STJ :

“ RHC – CRIME DE FALSIDADE IDEOLOGICA – INDICIAMENTO EM I.P. –
POSSIBILIDADE – MATERIA DE PROVA IMPOSSIVEL DE REVER EM HC.
– O ART. 4. DO CPP DETERMINA QUE A COMPETENCIA PARA INDICIAMENTO É DA AUTORIDADE POLICIAL, LOGO, RESTRINGIR TAL ATIVIDADE, QUE TEM O CARATER PERSECUTORIO, ONDE SÃO FORNECIDOS ELEMENTOS PARA A FORMAÇÃO DA ‘OPINIO DELICTI’, E OUVIR, ANTES O M.P. È INVERTER A ORDEM PROCESSUAL ” …………RHC 4461/SP, julgado em 15/05/95, RT Vol: 00762, relator Min CID FLAGUER SCARTEZZINI

Ademais, há que se vislumbrar até mesmo a prática do crime de prevaricação por parte de Promotor de Justiça que retorna os autos à DP, no fito de que seja feito o indiciamento. A regra no Processo penal é o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, ou seja, tendo o Ministério Público os elementos necessários ao oferecimento da denúncia, não poderá este deixar de faze-lo. É o que se depreende do art. 16 do Código de Processo Penal que dispõe in verbis : “ O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis para o oferecimento da denúncia ” . È cediço portanto, que o parquet poderá deixar de oferecer a denúncia caso entenda que não dispõe de elementos para tal, podendo requisitar novas diligências ou promover o arquivamento do IP ( a ser corroborado pelo Juiz de Direito ). È verdade que a avaliação da existência ou não de elementos para o oferecimento da denúncia fica adstrita à discricionariedade e ao convencimento do Promotor. Porém, uma vez que este faz uma promoção “determinando” o indiciamento de determinado indivíduo, neste ato está o Promotor demonstrando não só que já formou a sua opinio delicti, como a externando, no sentido de que entende haver indícios de que aquele indivíduo praticou determinada infração penal. Ora, se o órgão do Ministério Público na sua avaliação dos fatos constantes no inquérito policial entendeu que há indícios de que determinada pessoa cometeu infração penal, não só pode, como deve de imediato oferecer a denúncia. Sobre o tema, segue a lição de Paulo Rangel : “ Não podemos confundir a liberdade de agir que tem o Ministério Público em verificar a existência do fato – infração e seus demais elementos autorizadores da propositura da ação com a obrigação de propor a ação de qualquer maneira. Não. Dever de agir desde que presentes os requisitos que viabilizem a ação. Assim, pode e deve o Ministério Público deixar de propor a ação desde que o fato apurado no inquérito seja atípico, ou embora típico não há a justa causa” ( Direito Processual Penal, Lumen Jures, 1ª edição, p. 107) . Todavia, se entende o Ministério Público que há indícios suficientes de autoria nos autos do inquérito, deverá de imediato oferecer a denúncia, e não retornar os autos à DP no intuito de que seja feito o ritual de indiciamento, totalmente prescindível para a deflagração da ação penal.

Sobre o autor

Daniel Augusto Valença da Silva
Delegado de Polícia Civil no Rio de Janeiro

DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social
Portal Nacional dos Delegados

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