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Promotor diz que audiência de custódia só onera a Justiça

por Editoria Delegados

Vinícius Gayva afirma que Judiciário e MPE não têm condições de implantar o modelo em todo o Estado

 

Oitenta e um dias. Esse é o prazo para que os tribunais de Justiça têm para implantar, em todo o território nacional, o modelo das audiência de custódia – apresentação do preso em flagrante a um juiz no prazo máximo de 24 horas, para que o magistrado avalie a real necessidade da prisão ou aplique uma medida alternativa ao encarceramento.

A regulamentação do modelo e do prazo para implantá-lo, feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no final do ano passado, não é vista com bons olhos pelo promotor de Justiça Vinícius Gahyva Martins, da 3ª Promotoria Criminal de Cuiabá.

Segundo o membro do Ministério Público Estadual (MPE), o CNJ não teria competência suficiente para editar tal norma, uma vez que a realização das audiências de custódia envolve não só os tribunais de Justiça, mas o Poder Judiciário como um todo.

“Uma instância administrativa editou uma resolução com efeitos amplos, irrestritos, enquanto no Congresso Nacional tramitava o projeto de lei que tratava das audiências de custódia. Isso deixa claro que o CNJ estava legislando, tarefa que é do Poder Legislativo. Não tem base legal, a lei não criou isso”, pontuou.

Ainda que se ignore a questão legal, Gahyva opinou que o Judiciário e o Ministério Público em Mato Grosso não terão condições práticas de aplicar essa ferramenta em todo o Estado, ainda mais dentro do prazo estabelecido pelo CNJ.

“Temos comarcas dentro do Estado de Mato Grosso que têm dimensões quase do tamanho de uma unidade pequena da federação. Se é preso o indivíduo e o juiz de plantão está em outra comarca a 200, 300, 400, 500 km, como vai fazer?”, questionou.

Além da questão da distância, outra dificuldade em implementar a audiência de custódia, de acordo com Gahyva, está na própria logística dos plantões dos juízes e dos promotores.

“No final de semana, os plantões são regionais, então, por exemplo, um juiz e um promotor pegam uma região de quatro, cinco ou seis comarcas, às vezes. Em audiências de custódia, o preso terá que ser deslocado para apresentação em até 24 horas. Como vai fazer isso? E às vezes o juiz de plantão não está de plantão junto com o promotor da comarca. Aí o juiz de Apiacás está de plantão, mas o promotor de plantão está em Alta Floresta, como vão se reunir?”, indagou.

 

Economia em xeque

Um dos argumentos mais utilizados durante a implantação das audiências de custódia foi a economia que, em tese, a ferramenta traria aos cofres públicos. Isso porque um preso que estaria encarcerado sem necessidade custaria, em média, R$ 3 mil ao mês aos cofres públicos.

Porém, Vinícius Gahyva questiona esses números, pois, apesar de o sistema penitenciário ser beneficiado com uma certa economia, a implantação das audiências de custódia em todo o Estado trarão despesas não previstas ao Poder Judiciário e ao Ministério Público.

“Ocorre um repasse de despesas. Desonera o sistema carcerário, evita-se que se gaste com prisões de determinadas situações concretas, e, por outro lado, o sistema judiciário é onerado porque vai ter que se adequar a um sistema muito custoso, principalmente porque Mato Grosso é um Estado muito grande para cumprir esta resolução do Conselho Nacional de Justiça”, explicou.

 

“Muda pouco”

Outra crítica do promotor de Justiça é em relação à própria eficácia das audiências de custódia.

Para Vinícius Gahyva, o formato anterior já possibilitava ao sistema judiciário averiguar a necessidade ou não de manter a prisão do suspeito.

“Acho que muda muito pouco e onera o sistema. Na prática, serve para olhar a cara do cidadão e ver se ele conta uma história triste. Se for muito triste ele é liberado, a verdade é essa. É algo que tem que ser melhor estudado e trabalhado para poder atingir os objetivos”, criticou.

Gahyva também alertou sobre o percentual significativo de presos que são liberados nas audiências de custódia. Conforme o promotor de Justiça, há casos em que a soltura ocorre de forma indevida simplesmente para “desafogar” o sistema prisional.

“Em algumas situações deveria ter um tratamento diferenciado em razão da própria conduta. A gente vê casos de assaltos, de crimes praticados mediante violência ou grave ameaça, de médio ou grande potencial ofensivo, que tem acontecido de o suspeito ser liberado. Para você ter ideia, a estagiária que trabalha comigo teve a casa assaltada. Entraram na casa, crianças estavam em casa, agrediram o marido dela e, armados, levaram todos os pertences e o carro dela. Foi acionada a Polícia Militar, eles colidiram o veículo dela com o carro da Polícia Militar e foram presos. Chegaram na audiência de custódia e foram liberados”, relatou.

Tal situação, segundo Gahyva, penaliza a vítima dos criminosos duas vezes: uma pela prática do crime e outra por saber que pode sofrer novamente a mesma situação, uma vez que os autores do delito estarão soltos.

“Conclusão: as pessoas que foram alvo dessas práticas tiveram que arcar com as consequências do roubo ao sofrer o atentado, e também arcar outro prejuízo pela falta de medidas restritivas em ações como essa”, opinou.

 

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