A Polícia Civil de São Paulo desmontou na quinta-feira (2) uma quadrilha especializada em arrombamentos. Na ocasião, ao menos 20 suspeitos foram presos no interior de São Paulo.
Câmeras de segurança dos locais que foram alvo da quadrilha registraram as ações criminosas. Em uma das gravações, três homens encapuzados, em uma madrugada, renderam o vigia e invadiram uma cerâmica do interior do estado. Com facilidade, arrombaram portas e falaram ao celular com um comparsa que dava cobertura, do lado de fora.
Os suspeitos estavam calmos. Um deles chegou a pegar suco na geladeira. A ação completa não foi gravada, porque os bandidos viraram as câmeras de segurança. Mas como o celular ficou ligado o tempo todo, foi possível ouvir o barulho de uma furadeira usada para arrombar o cofre da empresa. Depois de 40 minutos, a quadrilha fogiu com dinheiro e cheques: quase R$ 1 milhão.
Segundo as investigações, esses assaltantes fazem parte de uma mesma quadrilha. O setor de inteligência da Polícia Civil de São Paulo descobriu que, só nos últimos seis meses, eles praticaram pelo menos 20 assaltos no interior do estado. Entre os alvos, estavam caixas eletrônicos.
Em uma escuta telefônica autorizada pela Justiça, um ladrão avisou que precisava recarregar o maçarico.
Foram sete meses de investigação. Segundo a polícia, a sequência de crimes começou depois que a quadrilha assaltou o Fórum de Birigui, a 507 km da capital.
Outro assalto ocorreu na madrugada de 15 de julho passado. Segundo as investigações, três homens encapuzados e armados pularam a grade, na parte de trás do prédio, arrombaram uma porta e dominaram o único vigia. Ele foi obrigado a dizer onde estava o controle remoto que abria o estacionamento. Assim, outros bandidos – em dois carros – também entraram.
Parte da quadrilha subiu uma escada e foi direto para a sala onde estavam as armas. A porta foi arrombada. “O fórum não é um local adequado para se guardar arma. Mas elas têm que ficar lá enquanto os processos, os inquéritos estão tramitando”, explicou José Roberto Neves Amorim, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Os assaltantes do Fórum de Birigui também arrombaram o cofre do banco que fica no mesmo prédio. A ação toda durou quase três horas. E a quadrilha foi embora – tranquilamente – levando 96 armas e cerca de R$ 60 mil.
“Há indícios nas investigações de que alguns guardas municipais, que trabalhavam ou tinham acesso ao fórum, deram informações e podem estar envolvidos”, afirmou o delegado Nelson Barbosa Filho.
Entre as armas roubadas do fórum, estavam 50 revólveres calibre 38. Os ladrões também pegaram nove pistolas calibre 380. A arma é de uso exclusivo da polícia e das Forças Armadas.
As investigações mostram que parte das armas do Fórum de Birigui foi vendida e outra parte ficou com a quadrilha. Em novembro, três integrantes do bando foram presos.
Segundo a polícia, 12 armas do fórum estavam enterradas no quintal da casa de um deles. A partir dessa apreensão, os investigadores descobriram todo o esquema da quadrilha, de pelo menos 27 pessoas.
Um homem, de 25 anos, seria apontado como o chefe. A polícia diz que era ele quem escolhia os locais a serem arrombados, e que ficava sempre de fora, coordenando a ação.
Chefe: Você vai ter que pegar a fura.
Suspeito: Mas dá tempo?
Chefe: Dá, moleque.
‘Fura’ é furadeira. Logo depois do telefonema, o chefe da quadrilha entregou o equipamento aos comparsas que estavam dentro de uma usina de álcool. O assalto foi em novembro passado.
Cada integrante do bando dos arrombadores tinha funções bem definidas. “Existia, no caso dos roubos, um grupo que se destinava a render as vítimas. Existiam pessoas que escondiam os produtos do crime e outros que os comercializavam”, explicou o promotor de Justiça Rodrigo Mazzilli Marcondes.
Havia também outras funções. Um outro suspeito, por exemplo, é acusado de ser o armeiro, aquele que escondia e transportava as armas. Durante o dia, ele era frentista – como mostram imagens obtidas pela reportagem do Fantástico.
Outro homem era um dos financiadores da quadrilha. Segundo a polícia, ele emprestava dinheiro para o bando. Formado em jornalismo, ele trabalhava com artes gráficas. “Uma vida paralela, o que é muito comum nesse tipo de crime: trabalham durante o dia e à noite praticam as atividades ilícitas”, disse Marcondes.
A quadrilha tinha ainda o Professor, acusado de ensinar os ladrões a abrir portas e cofres. Ele é chaveiro, dono de um comércio em Birigui. O chefe da quadrilha o chamava pelo apelido de Professor Pardal, o personagem infantil que consegue inventar qualquer coisa.
Chefe: Não foi trabalhar ainda, não? Hein, ô Professor Pardal?
Professor: Daqui a meia hora, 20 minutos, estou lá.
Chefe: Vou deixar lá para ver se você consegue arrumar aquele braço.
Professor: Está bom, então.
Segundo as investigações, ‘braço’ quer dizer chave micha, usada para abrir portas. Para a polícia, as habilidades e as ferramentas do chaveiro foram decisivas no roubo ao Fórum de Birigui.
Na empresa de cerâmica – mostrada no início da reportagem – não foi diferente. Eles demoraram cerca de 15 minutos para abrir um cofre. Foi tudo muito rápido. E o que impressiona é a espessura da chapa.
A violência é outra marca do bando. No roubo da cerâmica, as ameaças aos funcionários que chegavam para trabalhar ficaram gravadas. “Para o chão. Se não, eu te arrebento no meio. A gente não está de brincadeira, não”, ameaçou um dos integrantes da quadrilha.
Um funcionário deu detalhes. “Com a mão para trás, você senta no chão, cruza a perna. E eles amarram a perna cruzada e a boca”.
Os ladrões intimidavam: “‘O primeiro que erguer a cabeça, morre’. Aí, cobriu as nossas cabeças com pano. Quem que vai erguer a cabeça? Ninguém”.
A polícia investiga se esse é o mesmo grupo que tentou assaltar, em dezembro passado, um caixa eletrônico dentro de uma prefeitura do interior. Nesse caso, os criminosos foram flagrados usando um maçarico. Nas imagens, houve um princípio de incêndio e um deles pegou o galão de água do bebedouro. Mesmo com muita fumaça, tentaram de novo, mas não conseguiram arrombar o caixa.
Na terça passada (31), policiais seguiram os passos do chefe da quadrilha. Havia denúncias de que o bando iria realizar um novo assalto. Ele percebeu a movimentação e telefonou para a família.
Chefe: “Eu estou seguindo uns caras que estavam filmando a rua aí, em casa.”
O assalto não aconteceu, mas dois dias depois policiais cercaram a casa do suspeito de ser o chefe da quadrilha. Ele não reagiu.
Sem saber que estava sendo filmado, o suspeito conversou com o delegado que investigou o caso. Ele confessou que participou do roubo ao Fórum de Birigui. Era ele quem dirigia um dos carros.
Chefe: “Eu só deixei lá e fui embora”.
Todos os suspeitos citados na reportagem do Fantástico foram presos esta semana, inclusive a mulher, a mãe, duas irmãs e a sogra do suposto chefe. Também foi pra cadeia o chaveiro suspeito de ensinar arrombamento para a quadrilha.
Além do assalto ao Fórum de Birigui , que serviu para o bando conseguir dinheiro e armas, houve outros três roubos a prédios da Justiça, em São Paulo, nos últimos nove meses.
Em maio passado, uma outra quadrilha invadiu o Fórum de Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo, e roubou mais de 80 armas. Em junho, o alvo foi o Fórum de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, de onde cerca de 200 armas foram levadas. E mês passado, em Sumaré, na região de Campinas, assaltantes fugiram com 17 armas.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) tinha concedido um prazo de 180 dias para que os tribunais de todo o Brasil encaminhassem o armamento guardado nos fóruns para o comando do Exército.
“O prazo já se escoou e nós vamos começar a cobrar aqueles ofícios que não recebemos. Por enquanto, nós recebemos de dois, mas devem estar tramitando, vindo dos demais”, afirmou José Roberto Neves Amorim, conselheiro do CNJ.
Um levantamento do CNJ dá a dimensão do perigo: até junho do ano passado, havia 755 mil armas nos fóruns de todo o país.
“Nós temos a Polícia Militar que nos ajuda. Mas ela não é suficiente para que nós tenhamos, principalmente nos fóruns do interior, um contingente necessário para que tenhamos uma segurança efetiva e adequada”, declarou Amorim.
“A situação está realmente muito díficil. Os prédios dos fóruns estão bastante vulneráveis”, afirmou Ivan Sartori, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O presidente do TJ-SP anunciou que a segurança será reforçada, com a contratação de guardas armados; e que as armas que estão nos fóruns já estão sendo encaminhadas para batalhões da Polícia Militar e para o Exército.
Segundo o TJ, até março não deve existir mais nenhuma arma nos prédios da Justiça paulista. “O objetivo é tirar todas as armas. Nós vamos tomar muitas cautelas para que episódios como esses não ocorram mais”, disse.
G1
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