Por William Garcez
As interceptações de comunicações telefônicas são um recurso muito utilizado pelas polícias judiciárias, colaborando incomensuravelmente no desvendamento de casos complexos. Sua previsão vem expressa no artigo 5°, inciso XII, da Constituição Federal, e regulamentadas pela Lei 9.296, de 24 de julho de 1996.
Ocorre que interceptação não se confunde com escuta, nem tampouco com gravação. Tais institutos têm conceito e natureza diversa, conforme a seguir se demonstrará. A distinção é importantíssima, pois o tratamento jurídico muda conforme o tipo de violação, o que vem acarretando inúmeras discussões no campo jurídico bem como eventuais equívocos por parte de alguns julgadores.
A fim de elucidar os institutos estudados, colaciona-se brilhante decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferida em dezembro de 2008, que teve como Relator o Desembargador Irineu Pedrotti:
ESCUTA, INTERCEPTAÇÃO E GRAVAÇÃO TELEFÔNICAS. Na interceptação telefônica há três protagonistas: dois interlocutores; um interceptador que capta a conversação sem o consentimento daqueles. Na escuta telefônica há também um interceptador e dois interlocutores, só que um deles tem conhecimento do fato. Na gravação telefônica há dois interlocutores onde um deles grava a conversação com o conhecimento do outro ou não.
Mesmo estabelecendo regime jurídico diverso conforme a classificação do tipo de captação, alguns juízes e tribunais têm, com frequência, confundido os conceitos de gravação e escuta. Tal imprecisão só não tem maiores consequências porque essas modalidades de captação recebem o mesmo tratamento jurídico.
Segundo doutrina amplamente majoritária, o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, assim como a lei 9.296/96 (que o regulamenta), só referem às interceptações telefônicas em sentido estrito, ou seja, só fazem menção à captação em que intervém um terceiro, exigindo no mínimo a presença de três pessoas, sem o conhecimento dos interlocutores.
A inferência lógica é que, se a captação é feita por um dos interlocutores (gravação) ou por terceiro com o consentimento de um dos interlocutores (escuta), não há interceptação e, portanto, não está em causa a proteção do artigo 5º, XII, da Carta Constitucional. É simples.
Nessa esteira, estão fora da abrangência da lei citada e do dispositivo constitucional mencionado as escutas e gravações telefônicas, que estão protegidas pelo dispositivo que genericamente garante a privacidade: o artigo 5º, X, da Constituição Federal.
A interceptação telefônica é utilizada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nas formas em que a lei estabelece, por meio de ordem judicial. É sabidamente admitida como meio de prova. Aliás, um dos mais certeiros e incontestáveis elementos de informação e formação do juízo de indiciamento da Autoridade Policial.
Refira-se, de outra banda, que os tribunais também têm admitido a validade tanto de escuta quanto de gravação de conversa telefônica ou pessoal, mormente para se resguardar direitos particulares. Em tais casos, o Supremo Tribunal Federal tem considerado lícita a prova resultante da gravação e, portanto, tem afastado a regra do artigo 5º, LVI, da Constituição, admitindo o uso de tal prova pela acusação.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no HC 74.678-SP, proferiu a seguinte decisão: Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. Afastada a ilicitude de tal conduta – a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime –, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (artigo 5º, X, da Carta Magna). Habeas Corpus indeferido.
Na mesma linha, como bem observou o Ministro Carlos Velloso, ao pronunciar-se no Inquérito 657/DF: (…) não há, ao que penso, ilicitude em alguém gravar uma conversa que mantém com outrem, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa. A alegação talvez pudesse encontrar ressonância no campo ético, não no âmbito do direito.
Vejam-se, ainda, outras decisões do Supremo Tribunal Federal:
“É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último (…)” (HC 75.338-8/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim).
“A gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal. Pelo Princípio da proporcionalidade às normas constitucionais se articulam num sistema cuja harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a algum direito por ela conferido, no caso, o direito à intimidade” (RHC 7.226/SP, Rel. Min. Edson Vidigal).
“A gravação de conversa telefônica entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa (…)” (AI 503617 AgR/PR, Rel. Min. Carlos Velloso).
É importante ressalvar que o assunto em rogo trata de tema cujo direito discutido é a intimidade, ou seja, é um direito relativo, não absoluto. Esse é o ponto fundamental da matéria, que permite ao Judiciário autorizar interceptações telefônicas nos termos da lei e avaliar, em casos concretos, a aceitabilidade das gravações e escutas telefônicas, de acordo com princípios norteadores do sistema, uma vez que não há lei regulamentando esses dois últimos institutos.
Como visto, temos de concluir que o Supremo Tribunal Federal, acompanhado pelo Superior Tribunal de Justiça e outros Tribunais, tem seguido a posição da doutrina majoritária, segundo a qual o artigo 5º, XII, da Carta Magna somente disciplina a interceptação estrito senso, estando a escuta e a gravação telefônica no âmbito da proteção conferida pelo artigo 5º, X, da Constituição Federal[1].
________________________________________
[1] Saliente-se que as interceptações, escutas e gravações ambientais (não telefônicas), pelas mesmas razões expostas, também não estão abrangidas pelas disposições da lei 9.296/96, nem mesmo pelo artigo 5º, XII, da Carta Magna, mas sim pelo artigo 5º, X, da Constituição Federal.
Ademais, a Corte Suprema, no que se refere à captação de som ambiente, que do mesmo modo figura como forma clandestina de gravar conversa, tem entendido este comportamento como sendo lícito. (RE 212081/RO, Rel. Min. Octavio Gallotti).
Sobre o autor:
William Garcez é Delegado de Polícia do Rio Grande do Sul. Representante da Associação dos Delegados de Polícia da Vigésima Segunda Região Policial. Ex-Assistente de Promotoria de Justiça. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – CAMVA/RS.
DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social & Portal Nacional dos Delegados