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Investigação criminal mais independente – um importante passo à sociedade, trazido com a nova Lei 12.830

por Editoria Delegados

 

 

Título Original: “Investigação criminal mais independente – um importante passo à sociedade, trazido com a nova Lei 12.830”

 

Notório o clamor social vivido nos últimos dias, tendo como uma das bandeiras levantadas o necessário combate à corrupção no Brasil.

Sobre isso, demos um importante passo alcançado com a aprovação da Lei 12830, de 20 de junho de 2013, a qual reconheceu expressamente algumas garantias funcionais ao cargo de Delegado de Polícia, protegendo-o, de forma mais efetiva, contra eventuais “ingerências” indevidas, enquanto dirigente de investigações criminais.

Como sabido, notáveis Delegados de Polícia, sejam eles da Polícia Federal ou das Polícias Judiciárias Civis dos Estados, em razão de importantíssimas investigações presididas, estão eventualmente sujeitos a serem alvos de tentativas de ingerências externas, sobretudo políticas, feitas por setores detentores de influência na sociedade, na medida em que, como sabido por todos, uma investigação criminal instaurada, permitirá sempre, ao Delegado de Polícia, perquirir caminhos e elaborar requisições à sua equipe de trabalho, levando à descoberta de autoria dos mais variados crimes envolvendo pessoas dos mais diversos ambientes sociais.

Noutra vertente, é visível que o cargo, por ser atrativo em razão da peculiar natureza de suas funções, viu-se abrangido por um fenômeno, mais perceptível em seu vigor nas duas últimas décadas, de atrair, nos concursos públicos para acesso ao cargo, um número cada vez mais elevado de exímios jovens que, para ingressarem na carreira, tiveram que passar por uma grande concorrência em provas de acirrada exigência em conhecimentos jurídicos.

Isso trouxe, como pano de fundo, a sempre feliz oxigenação institucional, com constantes mudanças e atualizações na forma de se pensar e se desenvolver a instituição de Polícia Judiciária no País, fazendo-a, cada vez mais, buscar um ponto de instrumentalização das garantias Constitucionais.

Restava, ainda, um passo inicial na concessão de maior respaldo e maiores garantias legais que, em ações investigativas autônomas e menos sujeitas a pressões externas, traduzissem na capacidade de blindar o Delegado, enquanto dirigente de Polícia judiciária, de ingerências indevidas, risco este sempre presente em toda função pública, ainda mais na presente realidade social Brasileira.

Com a Lei 12830/2013, que dispõe sobre investigações criminais conduzidas por Delegados de Polícia, veio se estabelecer em seu artigo segundo, que “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo Delegado de Polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

Na prática e constantes dos estatutos funcionais, respaldados por leis estaduais, o cargo de Delegado de Polícia já se trata de privativo de bacharéis em direito, como os demais cargos de carreira jurídica. E Isso por uma questão óbvia: O Delegado detém poderes de caráter extremamente importantes ao estado de liberdade do cidadão, podendo assim fazer uma tipificação prévia do crime, realizando autos de prisões em flagrante, indiciando ou mesmo concedendo, de plano, liberdades individuais mediante pagamento de fiança.

Portanto, nada mais natural que tais atribuições somente se legitimam quando exercidas por um cargo privativamente jurídico, composto por pessoas com competência legal e formação para tal.

Como tratamos de investigação criminal e, por consequência, atribuição que influencia no estado de liberdade, falamos em uma atividade típica e mais, atividade exclusiva e de Estado, como bem explana a comentada Lei 12830/13.

Noutro ponto desse diploma normativo, destacando maior autonomia funcional ao cargo, estabelece a Lei que o Delegado de Polícia não poderá ser removido do local onde é lotado, a não ser por “ato fundamentado”.

Dessa forma, a partir dos termos expressos dessa lei publicada no último dia 20, para que um Delegado seja removido ou transferido do órgão onde trabalha, faz-se necessário haver uma motivação que, além de legal, seja razoável e consonante ao interesse público.

Caso contrário, tal ato administrativo de remoção/transferência do Delegado de seu local de trabalho será eivado de ilegalidade e consequentemente anulado, ainda que pelas vias do Judiciário.

Assim, a Lei 12830/2013 traz uma espécie de “inamovibilidade” do Delegado de Polícia que, uma vez presidindo uma investigação, pode agora atuar com mais tranquilidade na busca da autoria e materialidade de um crime, qualquer que seja ele, estando pois, “blindado” frente ao tão-comentado risco de, imotivadamente, ser “removido” (transferido) de seu local de trabalho para outro, como eventual forma de “pressão” ou vingança em razão de uma investigação criminal iniciada.
É certo que essa “blindagem” trouxe garantias de melhor combate á criminalidade e, logo, privilegia, ao final das contas, a própria sociedade.

Além do mais, estabelece o art.2º §4º da Lei que: “O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso, somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

Desta forma, uma vez essa investigação criminal tramitando de forma regular e lícita, não pode o Delegado de Polícia ser afastado dela, a não ser que haja fundamentação legítima e que esse motivo seja pautado também no interesse público.
Por óbvio que esse parágrafo da lei teve a finalidade de deixar literal, mais uma vez, o efeito de “blindar” o Delegado de Polícia enquanto dirigente de Polícia Judiciária e, pois, cargo responsável por dirigir a Polícia Judiciária e consequentemente, coordenar milhares de investigações criminais existentes pelo país, as quais, diariamente, elucidam inúmeros graves crimes.

Em confirmação a tal assertiva, basta vermos quase que diariamente na mídia as inúmeras prisões, buscas e apreensões e indiciamentos desencadeados em operações resultantes de investigações presididas pelos Delegados de Polícia, contra as mais variadas organizações criminosas, seja pelas Delegacias da Polícia Federal, como pelas várias Delegacias de Polícia Civil, inclusive várias delas já especializadas no Combate ao Crime Organizado, nos vários Estados da Federação.

Sem dúvida, resta salutar para a sociedade poder contar com Delegados de Polícia, todos de carreira e aprovados em concursos públicos, atuando como dirigentes das mais diversas Delegacias de Polícia, nos mais variados rincões deste país de dimensão continental, dotados de maiores garantias funcionais em suas ações, podendo desenvolver e chefiar os trabalhos de investigação com imparcialidade e isenção, de maneira que os levem à descoberta de autoria e materialidade de tantos crimes que diariamente ocorrem em nosso país.

Bem verdade que atuar num trabalho de dirigente de um órgão responsável por investigações criminais, como o é a função desenvolvida pelo Delegado de Polícia, representa atuar num cenário de luta contra inúmeras adversidades sociais geradoras de impunidades, as quais, cada vez mais, geram sobrecarga de trabalhos investigativos

Mais que criticar essa ou aquela forma de investigação, verdade é que nenhum país do mundo dispensa o trabalho de Polícia Judiciária. E mais, criticar o Inquérito Policial (como vêm fazendo instituições de classe com interesses meramente privados, relativos à ascensão funcional sem concurso para Delegado), quando estamos numa realidade caótica de impunidade, é levantar sofismas reducionistas de que a impunidade está na forma e não na causa do problema.

Estamos num país onde o mesmo infrator suspeito da prática de crimes patrimoniais, por exemplo, chega a ser investigado, indiciado e enviado ao judiciário, duas, três ou até mesmo cinco vezes, num mesmo semestre! Num país onde estruturas da Polícia Judiciária foram deixadas pelos poderes governamentais a esmo por longas datas e apenas há alguns anos em vários Estados parecem ter acordado que a grande estratégia no combate à criminalidade, cada vez mais organizada, é aperfeiçoamento do órgão investigativo.

Logo, culpar o inquérito policial baseando-se em “estatísticas” frias e interpretadas por interesses meramente corporativistas, não passa de falácias escusas e corporativistas, que nada atendem ao interesse público.

Dentre outras causas dessa demanda exacerbada, gerada pela impunidade, temos como exemplo primeiro o fato de no Brasil existir um sistema arcaico de execução penal gerador de um núcleo criminógeno imenso, representado por nossos presídios falidos, somando-se a isso outros inúmeros fatores sociais, como as odiosas e incessantes regalias concedidas a agentes políticos e membros representantes de poderes (o que favorece o cenário de epidemia à corrupção, como décimos quartos e quintos salários, auxílios moradia exorbitantes, auxílios paletó, aposentadorias compulsórias para corruptos, desrespeito ao teto remuneratório constitucional, férias em dobro e etc, concedidos apenas a algumas castas diferenciadas dos demais trabalhadores e servidores públicos ou privados).

Mas não para por aí, vivemos num cenário de leis penais e de recursos e ações autônomas de impugnação, no processo penal, que cada vez mais parece favorecer a não “resolução da lide”; instrumentos legais que, desde sua criação à sua interpretação, trazem o rancor da protelação eterna, tornando-se então visível até para os mais leigos o “efeito da impunidade”.

Todos esses cenários, traduzidos e umbilicalmente ligados às dificuldades de todos os órgãos da persecução penal, ante a criminalidade caótica, não faz da investigação criminal feita pelas Polícias Judiciárias, a única a sofreras demandas da caótica criminalidade.

Trabalhar como Delegado de Polícia, dirigindo órgãos de Polícia Judiciária, é lutar de forma hercúlea e diária contra essa citada estatística, nesse cenário nada propício, mas é também trabalhar com espírito muito motivado pela paixão de exercer a função e o prazer de, a cada vez que se vê um criminoso sendo levado a responder pelo ato perverso praticado, poder-se retratar na consciência o sentimento de dever cumprido e que a justiça, ali, naquele momento, na Delegacia de Polícia, começa a ser promovida, mesmo que, por verdade, seja muitas vezes um sentimento de justiça passageiro, num país onde as leis e o sistema de persecução penal não garante a punição devida a esses milhares de infratores identificados.

 

Com o correto fundamento de que a investigação criminal é um instrumento também de garantia constitucional, estabeleceu a Lei 12830/13, em seu art.2º §6º, a obrigação ao Delegado de Polícia fundamentar juridicamente o ato de indiciamento, ato este que afeta o estado de liberdade do cidadão, fazendo uma análise técnico-jurídica da investigação, indicando os fatos apurados e suas considerações quanto à autoria do crime, materialidade e suas circunstâncias, ou seja, motivando o porquê desse indiciamento.

Isso traz ao inquérito policial, importante ressaltar, uma característica de instrumento não de acusação, mas de necessária garantia ao investigado, que, uma vez indiciado, passa a sofrer de forma mais acirrada a convergência da investigação criminal.

O inquérito policial, pois, deve ter como fim último a busca por  elementos de autoria e materialidade do crime, não sendo mero instrumento de acusação ou de defesa.

Mas uma vez indiciado o investigado, por um ato fundamentado, resta ao cidadão, agora formalmente suspeito da prática de crime, saber de forma expressa, o claro motivo que levou a Polícia Judiciária a imputá-lo como indiciado.

Por fim, essa Lei Federal 12.830/2013, além de reafirmar o cargo de Delegado de Polícia como carreira jurídica, determina que lhe deva ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os Magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.

Trata-se de uma Lei na medida certa, já que, sem interferir em nada no controle externo exercido pelo Ministério Público ou interno pelas Corregedorias de Polícia Judiciária, reconhece ao Delegado de Polícia, enquanto incumbido de promover e chefiar investigações criminais, nos órgãos de Polícia Judiciária, o poder-dever de exercer sua atribuição, sem ter o receio de interferências indevidas de qualquer sorte, tratando-se de uma função típica e de Estado (não de “governo”), aliás, reconhecendo assim a importância da função responsável por coordenar  99% das investigações criminais que são levadas Poder Judiciário, após denunciadas pelo MP. Logo, de indiscutível  importância social.

É claro, ainda, que há muito a se melhorar e tal lei se traduz apenas num pequeno (mas importante!) passo dado, pois temos muito que crescer em  melhorias nas estruturas de trabalho e condições de exercício das funções desenvolvidas nas Delegacias de Polícia existentes pelo país, para isso imprescindível que tais estruturas de órgãos da persecução penal (Polícia Judicária, MP e Poder Judiciário) se desapeguem de vaidades e atuem de forma unida e complementar, respeitando os limites dados pela Constituição às suas funções desempenhadas.

E mais, que possam essas instâncias contar com instrumentos legais que tornem mais efetivas as punições a crimes como o de corrupção, bem como que, nos demais crimes de similar gravidade, como homicídios, roubos e estupros, dentre outros, possam os infratores, uma vez descobertos, como são diariamente às centenas por todo o país e, uma vez condenados, possam verdadeiramente estes, então, receber uma execução da pena de forma adequada, no mínimo nos moldes da execução penal em seus regimes de cumprimento, de maneira que, ao menos, se transmita à sociedade a almejada sensação de segurança.

Como ressaltou o Constitucionalista e Ministro do STF, Gilmar Mendes, em reportagem à UOL, no último dia 27, sobre a questão em discussão atual de tornar a corrupção um crime hediondo, afirmouo que: “Se me coubesse fazer uma escolha política, eu tentaria articular ações do CNMP, do CNJ, da Polícia Civil e da administração, porque é todo um complexo, que envolve a investigação, a denúncia, o acompanhamento pelo Ministério Público e o julgamento pelo Judiciário”.

Logo, no que tange à Polícia Civil, enquanto instituição de Polícia Judiciária referida pelo ilustre Ministro, o fato de se fornecer maiores garantias aos Delegados de Polícia, uma vez que são constitucionalmente os dirigentes dessa importante instituição, já se pode aqui dizer que houve um avanço, tornando-os portadores de maior garantias de que, uma vez chefiando uma investigação, qualquer que seja ela, não estejam suscetíveis de serem transferidos arbitrariamente ou afastados da investigação por interesses outros que não o público.

Mas ainda é preciso avançar mais, mas, entretanto, fica a ressalva de que pelo menos agora se está caminhando.

 

Sobre o autor
Fábio Henrique Fernandez de Campos
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso
Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade da Amazônia
Delegado de Polícia Civil do Estado de Rondônia
Professor de Direito Processual Penal na Faculdade AVEC de Vilhena-RO

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