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Direito Penal Simbólico?

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS

JURÍDICO
Direito Penal Simbólico?
Por Willian Dal Bosco Garcez Alves

JURÍDICO

Por Willian Dal Bosco Garcez Alves

{loadposition adsensenoticia}Muitos são os que criticam o enrijecimento do direito penal. Afirmam que a criação de novos tipos incriminadores e o aumento das penas são terreno fértil para o desenvolvimento de um direito penal simbólico.
O termo “simbólico” (e todas as suas variantes) é utilizado nas mais diversas áreas de conhecimento humano sem que, para isso, haja necessidade de uma definição prévia, uma vez que se trata de expressão de significado unívoco, ou seja, bastante evidente, não podendo ser interpretado de outra forma.

Entretanto, apenas para que fique claro, insta referir que “direito penal simbólico” é aquele que traz a pecha de não implementar a finalidade para a qual foi criado. Ou seja, aquele que é rigoroso no papel, mas na prática, não tem eficácia. E assim, diante da sua não aplicação efetiva, cai no vazio.

Fala-se muito em nosso país (e não é de hoje) que o Direito Penal é simbólico. Lecionam que as leis penais brasileiras trazem uma forte carga moral e emocional que apenas servem para manipulação da opinião pública e restabelecer a calmaria em épocas de crise, incutindo na sociedade uma falsa ideia de segurança.

Tais constatações até são válidas, se atentarmos para o fato de que, muito embora todo o rigor das nossas leis penais, a criminalidade só faz aumentar. O problema, senhores, está na atribuição desarrazoada desse “simbolismo” exclusivamente à ciência penal. Explica-se: a metade crítica da doutrina criminal, composta por adeptos de ideais extremamente garantistas ou abolicionistas, atribui a culpa do mencionado simbolismo do sistema punitivo inteiramente ao Direito Penal.

Para os que entendem dessa forma, o aumento da criminalidade está intimamente ligado ao simbolismo do direito penal, que, mesmo prevendo um extenso rol de crimes e penas rígidas, não consegue frear a marginalidade, não se mostrando um meio hábil para isso. Esquecem-se estes que o ressaltado simbolismo não está implícito no Direito Penal, mas deriva dos instrumentos e posicionamentos jurídicos que (in)viabilizam a sua aplicação.

Como bem observam os críticos, as reformas penais brasileiras, nos últimos anos, vêm fortalecendo a ideia de criação de novos crimes e, principalmente, do aumento das penas e sua forma de execução, como se percebe, por exemplo, com a “Lei dos Crimes Hediondos”, a “Lei do Crime Organizado” ou a “Lei das Drogas”.

Não há dúvidas de que a criação dessas leis foi inspirada na Teoria da Coação Psicológica, expressão cunhada por Von Feuerbach para legitimar a aplicação da pena sob o argumento de que ela deve produzir efeitos de intimidação sobre a generalidade das pessoas, atemorizando os possíveis infratores, a fim de que estes não tencionem praticar quaisquer delitos (prevenção geral negativa).

Por óbvio que a ameaça de uma pena severa intimida e desestimula os transgressores. Com a vênia dos que pensam de forma contrária, esse fator funcionaria como poderosa ferramenta para evitar o cometimento de crimes, desde que tais penas fossem efetivamente aplicadas.

Ressalte-se que as críticas ao direito penal ríspido ecoam no sentido de que não é a gravidade da pena ou rigor da execução penal que desestimularia o autor de praticar crimes, mas sim a certeza da punição. Muito bem, Beccaria já dizia isso em 1764. Parece óbvio que a esperança da impunidade ameniza (e muito) os efeitos da previsão abstrata de uma pena grave. Ainda mais quando essa esperança se transforma em probabilidade.
O que deve ser refletido é: será que para termos uma coisa, temos de necessariamente abrir mão da outra? Por que não podemos ter penas severas aliadas à certeza da sua aplicação?(1)

Como referido alhures, há quem encha o peito para falar que o enrijecimento do sistema punitivo nunca foi capaz de reduzir a criminalidade, ao passo que nunca conseguiu implementar os seus objetivos, e que vários países fracassaram ao tentar utilizar o Direito Penal para a manutenção da ordem e da harmonia social.

Como consequência disso, por questões políticas e de oportunidade, alguns sustentam a aplicação de uma Teoria do Abolicionismo Penal, pregando a substituição do Direito Penal por outras formas não punitivas de solução dos delitos praticados. Lamentável. Outros sustentam a aplicação da Teoria da Administrativização do Direito Penal, pregando a substituição da pena privativa de liberdade, de um modo geral, por outras alternativas, nos mesmos moldes dos Juizados Especiais.

Qual o raciocínio que se pretende? Qual a coerência? Se aduzem que a pena privativa de liberdade (cadeia) não tem caráter intimidativo, o que dizer de uma prestação de serviço alternativo ou uma prestação pecuniária?
Ideais como os acima mencionados apenas desvirtuam os objetivos almejados pelo Direito Penal, que pretende responder às condutas criminosas por meio do cárcere. As sanções estão previstas: então, por que a criminalidade não diminui? Será que as pessoas perderam o medo das penas? Lógico que não. Como mencionado anteriormente, a culpa não é do Direito Penal.

Acontece que o Direito Penal não consegue concretizar seus objetivos porque encontra óbices das mais variadas naturezas. Quando não é o direito processual penal que alavanca e empalidece a punição prevista, é o Poder Judiciário que não permite a sua aplicação.

Veja-se: de que adianta o Direito Penal prever penas severas, se elas nunca forem aplicadas ou nunca forem cumpridas, sob os mais diversos argumentos de cunho garantista? De que adianta o Direito Penal prever a inafiançabilidade dos crimes mais graves e repugnantes, se o direito processual permite (impõe) a liberdade independentemente do pagamento de fiança? De que adianta o Direito Penal estabelecer a reprimenda para o fato, se as possibilidades de recursos são tantas que, não raras vezes, um processo tramita por mais de anos, até que a punibilidade já esteja extinta? De que adianta o Direito Penal prever o cárcere como resposta final para o crime, se o Direito Processual praticamente suprimiu a prisão cautelar como resposta imediata por parte do Estado? De que adianta o direito penal consolidar o enrijecimento das penas e o sistema de sua execução, se, algum tempo depois, o Supremo Tribunal Federal (muitas vezes alterando entendimento já firmado) resolve entender que tais preceitos são inconstitucionais ?

É evidente que o Direito Penal opressor e intimidativo, tal qual se espera, nunca vai surtir efeitos positivos em meio a um direito processual frouxo e a decisões judiciais que lhe desfiguram e lhe fazem perder essa característica.
A pena, como mal justo aplicado àquele que praticar o mal injusto do crime, representa um poderoso contramotivo aos possíveis criminosos de amanhã, bem como reafirma o princípio da autoridade (que o criminoso afrontou). Entretanto, para que isso seja possível, é necessário que os Diplomas Legais que estão ao seu redor, bem como os responsáveis pela sua aplicação, viabilizem o seu sucesso.

Embora tenhamos boas leis penais (com algumas exceções, é claro), a prevenção geral negativa, por meio da qual o Estado espera o fortalecimento da consciência jurídica da sociedade com a ameaça da pena, bem como a prevenção especial negativa, com a qual o Estado busca a intimidação do próprio delinquente para que não volte a transgredir, não possuem efeito prático, porque o direito processual penal fornece um rol inesgotável de subterfúgios e algumas decisões judiciais possibilitam uma gama de argumentos que inviabilizam a implementação do direito penal genuíno.

Então, será que é o enrijecimento do Direito Penal que não consegue reduzir a criminalidade, ou são os seus (in)viabilizadores que estão colaborando para isso? É o Direito Penal que é simbólico, ou são os seus limitadores que se comprazem e fomentam o simbolismo do sistema? A resposta é natural. E, enquanto esse mal não for curado, o sistema preventivo e repressivo da criminalidade, como um todo, continuará cego, para o futuro e para si mesmo.

(1) Saliente-se que todas as leis passam pelo controle de constitucionalidade antes de entrar em vigor.

Sobre o autor

Willian Dal Bosco Garcez Alves é delegado de Polícia

DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social & Portal Nacional dos Delegados

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