Início » Despacho em inquérito havendo promotor de justiça investigado. Por Rodrigo Leoncio

Despacho em inquérito havendo promotor de justiça investigado. Por Rodrigo Leoncio

por Editoria Delegados

 

 

 

Um verdadeiro exemplo de condicionamento jurídico prestado pelo delegado RODRIGO LEONCIO ZANIBONI PITA onde destaca um modelo de despacho que expõe o comportamento de policiais militares e um promotor na produção de possíveis práticas criminais.

 

Resguardando os direitos dos mesmos, pois o caso se encontra em fase de investigação, os nomes não foram divulgados, mas o conteúdo fático e jurídico foi bem exposto, com valoroso núcleo de argumentos e adequação jurídica sobre a confecção de crimes, além do itinerário dos destinatários do feito e da solução em âmbito extrajudicial, ou seja, na fase de inquérito.

 

Veja abaixo o excelente modelo:

REFERÊNCIA: IP XXX/XX – AF

Autos: xxxxxxx

D e s p a c h o

MM. Juiz(a),

 

1-    Recebi este expediente, no estado em que se encontra, por ocasião de minha designação para esta Comarca (DOE 03.05.12, ato 60.357), e, após compulsá-lo, verifico suas circunstâncias e teço as pertinentes considerações:

2-    Cuida-se de Inquérito Policial, instaurado com o fito de apurar supostos crimes de Tortura, Abuso de Autoridade, Constrangimento Ilegal Qualificado e Invasão de Domicílio, por diversas vezes, tendo como vítimas diretas os menores FULANO (17 anos), CICRANO (15 anos), e os maiores BELTRANO, B e C;

3-    Narram os autos que, no dia 28.03.2011, por volta das 19:30h, policiais militares a serem identificados (v.g D, E, F), juntamente com o promotor de justiça G, aportaram na residência situada na X, nº X, bairro X, X/MG, e, de forma truculenta e sem mandado judicial, invadiram o imóvel, onde milicianos apontavam as suas armas de fogo contra os inquilinos, à procura do adolescente FULANO, suspeito de, no dia anterior, ter furtado um notebook, pertencente ao promotor de justiça (BO fls.);

4-    Assustado e receoso que lhe fizessem mal, FULANO correu, evadindo-se do local, e milicianos com o promotor adentraram no imóvel, pelos fundos, quando a inquilina B tentou impedi-los, segurando a porta;

5-    Na ocasião, o dono da casa, C, foi chamado e esteve no local, tendo o miliciano Cb X lhe apontado uma arma dizendo que entrariam na residência, mesmo contra a sua vontade, pois estavam com o promotor de justiça, onde montariam uma campana até que fosse achado o notebook;

6-    Assim, os militares e o promotor invadiram o domicílio e reviraram todos os cômodos, jogando colchão, roupas e outros pertences pelo chão, todavia, nada encontraram. O promotor G levou o menor CICRANO para a cozinha, e, a todo o momento, perguntava-lhe sobre o seu notebook;

7-    Não bastasse, os militares e o promotor constrangeram a menor B, que estava grávida, juntamente com D, obrigando-as a irem até os fundos do Mercado Municipal, e, depois, até a ponte que dá saída para a cidade de X/MG, no intuito de localizarem FULANO;

8-    Nesse ínterim, não logrando êxito no paradeiro do adolescente, os milicianos, sob a ordem do promotor G, privaram a liberdade do menor CICRANO, algemando-lhe e o levando para o Quartel da PM, apenas por ser amigo do procurado FULANO;

9-    Durante o trajeto, militares torturavam psicologicamente o menor CICRANO, sussurrando, em tom de deboche, “hoje tem pancadaria no Quartel”. Lá chegando, continuaram a tortura física e mental, onde CICRANO foi posto numa cadeira, permanecendo ali por cerca de uma hora (01:00h), sendo interrogado sobre o paradeiro de FULANO e do notebook, recebendo socos no rosto, pelo miliciano identificado como Cb XX;

10-    Por conseguinte, o adolescente CICRANO foi liberado e os militares com o promotor retornaram a casa, onde novamente invadiram e revistaram os cômodos do imóvel, entretanto nada encontraram;

11-    Assustado, FULANO não voltou a residência no mesmo dia, sendo que, na data seguinte (29.03.11), cerca de 05h da manhã, milicianos com lanternas nas mãos invadiram novamente o imóvel, procurando por FULANO;

12-    Em sequência, por volta das 15:00h, militares novamente adentraram na casa procurando por FULANO, sendo que um dos policiais apontou a sua arma contra o morador D e procedeu sua busca pessoal,sem motivo;

13-    Tempos depois, cerca de 16:30h, FULANO caminhava pela Rua XX, quando foi surpreendido e abordado por policiais militares à paisana, os quais o algemaram e puseram-lhe num carro particular, levando-o até o Quartel da PM;

14-    No Quartel da PM, três milicianos (Cb XX, Cb XX e outro moreno e magro) novamente puseram FULANO no carro particular e o levou até o matadouro, que fica há cerca de três (03) km da cidade. Lá chegando, FULANO foi posto de joelhos no chão e indagado sobre o paradeiro do notebook do promotor, e, ao alegar desconhecimento, foi torturado por cerca de uma hora (1h), com agressões de socos e pontapés nos joelhos, pés, braços, costelas, pescoço, pancadas de cassetete nas solas dos pés, asfixia por meio de sacola posta em sua cabeça, que retirou-lhe sangue do nariz, fizeram-lhe comer pimenta malagueta, e, ainda, apertaram as algemas até cortarem os braços, causando-lhe intenso sofrimento físico e mental;

15-    Ao final, os militares abandonaram FULANO numa avenida da cidade, o qual foi para a sua residência mancando e todo machucado, oportunidade em que contou o ocorrido a seus familiares;

16-    Coincidentemente, dias seguintes (data), o Delegado Dr. XX com sua equipe deram cumprimento a um Mandado de Busca e Apreensão no mesmo endereço, dessa vez respeitando as formalidades legais (fl. 09), não encontrando nada de ilícito no local, oportunidade em que a testemunha D delatou a conduta criminosa perpetrada pelos policiais militares e o promotor. O menor FULANO foi submetido a exame de corpo de delito, o qual mesmo sendo realizado cerca de dez (10) dias após, diagnosticou as lesões e sequelas sofridas (fls.);

17-    Nesse contexto, considerando a prática, em tese, dos crimes previstos nos arts. 1º, inciso I, alínea “a”, da Lei 9.455/97 (x2 vezes – vítimas FULANO  e CICRANO) c/c art. 3º, alínea “b”, da Lei 4898/65 (x2 vezes) c/c art. 146, §1º, do CP (vítimas E e D) c/c arts. 230 e 232, da Lei 8.069/90 – ECA, todos na forma do art. 69 do CP;

18-    Considerando que figura como investigado, no polo passivo desta demanda, o Sr. G, o qual é promotor de justiça, portanto, detentor de foro por prerrogativa de função, à luz do art. 96, inc. III, da CF;

19-    Considerando que, dada essa circunstância, esta Autoridade Policial falece de atribuição para dar continuidade às investigações, a teor do art. 41, p. único, da Lei 8.625/93 e art. 105, §1º, da Lei complementar estadual nº 34/94;

20-    Considerando que foi instaurado o expediente, com adoção das providências preliminares, colhendo-se os elementos informativos iniciais e provas não repetíveis (ACD), devendo o mesmo ser encaminhado a quem de direito, na forma do art. 17, do CPP, para o prosseguimento e conclusão do feito;

21-    Considerando o disposto no art. 16, inc. XX, do Regimento Interno do TJMG – Resolução 420/03 e suas alterações, que compete ao Corregedor Geral de Justiça levar ao conhecimento da Procuradoria Geral de Justiça, a infração que seja atribuída a membro do Ministério Público, para aplicação do art. 69, inc. XIII, da Lei complementar estadual nº 34/94;

22-    Ante o exposto, faço concluso e REMETO o presente caderno investigativo à douta apreciação de V. Exa., para os fins que se fizerem necessários e pertinentes, salientando, desde já, nossa disposição para o cumprimento de qualquer medida, assim requisitada por esse Juízo;

23-    Outrossim, considerando que o promotor G, teve conduta incompatível com a função que exerce, causando negativa repercussão e violando às escâncaras a Lei Orgânica do Ministério Público e os Direitos humanos, especialmente, porque cabe a este órgão justamente “ zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e aos adolescentes”  – art. 201, inciso VIII, da Lei 8.069/90 – ECA, e o mesmo é apontado como co-autor direto e intelectual dos crimes em tela, DETERMINO ao Sr. Escrivão de polícia, a remessa de cópias integrais dos autos a:

(1)    Corregedoria Geral de Polícia Civil, para ciência e, se pertinente, encaminhamento à Subsecretaria estadual de Direitos Humanos – SUBDH e à Comissão de Direitos Humanos da ALEMG, à teor dos arts. 101 e art. 102, inc. V, do Regimento Interno (Resolução 5.176/97 e alterações), adotando-se as providências necessárias à restauração dos direitos violados e da dignidade humana;

(2)    Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, nos termos do art. 130-A, §2º, inc. III, da Constituição Federal, para ciência e adoção das medidas correspondentes.

RODRIGO LEONCIO ZANIBONI PITA
DELEGADO DE POLÍCIA – Nível I
Autoridade Policial

 

DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social & Portal Nacional dos Delegados

você pode gostar