Instrumento utilizado em investigações já havia sido suspenso em decisão liminar de Gilmar Mendes. No julgamento, 6 dos 11 ministros votaram contra a medida, enquanto 5 votaram pela manutenção.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (14), por 6 votos a 5, proibir a condução coercitiva, ato no qual um juiz manda a polícia levar um investigado ou réu para depor num interrogatório.
Esse tipo de medida já havia sido suspensa no ano passado numa decisão liminar (provisória) proferida pelo ministro Gilmar Mendes.
O assunto foi levado a julgamento pelo plenário do STF na semana passada e, nesta quinta, alcançou-se 6 votos entre os 11 ministros para declarar o instrumento inconstitucional.
Na sessão, foram analisadas duas ações, propostas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para proibir as conduções. A alegação é de ofensa à Constituição, por supostamente ferir o direito da pessoa de não se autoincriminar.
Segundo o Código de Processo Penal, a condução coercitiva pode ser decretada pelo juiz quando o suspeito “não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado”.
Usado com frequência na Operação Lava Jato, o instrumento foi usado, por exemplo, para ouvir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2016.
No julgamento, prevaleceu a posição do relator do caso, ministro Gilmar Mendes. Para ele, a condução coercitiva implica exposição e coação arbitrárias, que interfere no direito de locomoção, na liberdade, dignidade da pessoa humana, defesa e de garantia de não-autoincriminação.
Votaram pela proibição das conduções coercitivas:
– Gilmar Mendes
– Rosa Weber
– Dias Toffoli
– Ricardo Lewandowski
– Marco Aurélio Mello
– Celso de Mello
Votaram a favor de permitir conduções coercitivas:
– Alexandre de Moraes
– Edson Fachin
– Luis Roberto Barroso
– Luiz Fux
– Cármen Lúcia
Durante os votos, os ministros contrários à condução coercitiva apontaram abusos na aplicação do instrumento, criticando a “espetacularização” das operações nas quais é usado.
Alguns ministros favoráveis à medida disseram que ela poderia ser aplicada em substituição às prisões preventivas – aquelas decretadas antes de condenação, para evitar fuga, novos crimes ou prejuízo às investigações. Assim, teria um efeito menos grave que a prisão e favoreceria o suspeito.
Ao final do julgamento, os ministros também decidiram manter a validade de investigações e depoimentos nos quais a condução coercitiva foi realizada até sua suspensão, no final do ano passado.
Primeiro a votar no julgamento, no último dia 7, Gilmar Mendes disse que a condução coercitiva passou tornou-se um meio para a “espetacularização da investigação” e que o STF deveria restringi-la somente para situações em que um suspeito seja levado contra sua vontade à delegacia para identificação por exemplo, mas não para interrogatórios.
“Não há contraposição entre respeito aos direitos fundamentais e combate à corrupção. Combate a corrupção tem de ser feito nos termos estritos da lei. Quem defende um direito alternativo para combater a corrupção já não está no Estado de Direito. Mas é bom lembrar: assim se fez o nazi-facismo”, disse o ministro.
Alexandre de Moraes foi o primeiro ministro a divergir. Em seu voto, considerou válida a obrigação de uma pessoa depor, mas somente na hipótese de a pessoa recusar uma intimação prévia. Para ele, a Constituição garante ao suspeito somente o direito ao silêncio e à não autoincriminação, mas não prevê a possibilidade de ele recusar participação no processo penal.
“O que há é a possibilidade de perante o Estado se manifestar e aí sim exercer seu direito ao silêncio. Não há a meu ver previsão de cláusula que permita ao investigado de optar por participar da persecução penal presencialmente. O que não se pode exigir é que produza provas contra si mesmo, que seja obrigado a falar, não que ignore os instrumentos previstos no CPP na persecução penal”, disse Moraes.
Relator da Operação Lava Jato no STF, Edson Fachin também admitiu a possibilidade de conduções coercitivas. Mas para o ministro, a medida poderá ser feita sem intimação prévia se houver motivos para levar o suspeito à prisão preventiva – aquela decretada antes de eventual condenação, para evitar fuga, prejuízo às investigações ou risco de novos crimes, por exemplo.
Assim, para Fachin, a condução coercitiva torna-se uma medida favorável ao investigado, menos drástica, na medida que pode ser decretada em substituição à prisão. “Não se impede que o magistrado, diante de hipótese em que cabível prisão temporária ou preventiva, medidas mais graves, a substitua por condução coercitiva caso constate que é suficiente para os fins propostos por conveniência da instrução penal”, afirmou o ministro.
O ministro Luís Roberto Barroso também admitiu a condução coercitiva, concordando com os critérios estipulados por Moraes e Fachin: deve ser precedida de recusa do investigado em comparecer quando intimado, podendo ser usada em substituição à prisão preventiva.
“Se há modo menos severo de atender à demanda da justiça e menos restritivo do direito fundamental de ir e vir, por qual razão deveríamos impor a prisão cautelar, que é um meio mais gravoso? Se há medida menos gravosa para o réu, por que abdicaria dela?”.
Além disso, Barroso ressaltou demais direitos do investigado ao ser levado para depor: pode permanecer em silêncio, ter preservada sua integridade física e moral, ser assistido por advogados e saber a identificação de responsáveis pela condução coercitiva.
Rosa Weber votou contra a condução coercitiva, junto com Gilmar Mendes, por considerar que a medida é restritiva da liberdade da pessoa, já que a Constituição garante à pessoa o direito ao silêncio.
“O interrogatório apresenta a oportunidade de o investigado apresentar sua versão dos fatos. Enquanto faculdade, só ao investigado ou réu cabe exercê-la ou não. A garantia constitucional de permanecer em silêncio impede qualquer imposição legal ou judicial ao investigado ou réu para efeito de interrogatório a qualquer autoridade. E mais: nenhuma consequência a ele desfavorável pode advir dessa opção”, disse a ministra.
Luiz Fux votou em favor da condução coercitiva. Argumentou que eventuais excessos e medidas arbitrárias por parte do Estado numa investigação não devem servir de pretexto para proibir a condução coercitiva, especialmente de integrantes de organizações criminosas que praticam crimes contra a administração pública.
“O direito ao silêncio foi instituído para impedir a mentira, as falsas versões. Não significa dizer que se erige o direito à mentira. O direito ao silêncio é o direito de ficar calado. Agora, o Estado tem o direito de evitar que determinado investigado combine versões que possam frustrar a atividade estatal”, afirmou o ministro durante o julgamento.
Na continuação do julgamento, nesta quinta, Dias Toffoli votou em favor de abolir a condução coercitiva. Argumentou que, no direito penal, um juiz não pode criar novas possibilidades de atuação que não estejam previstas em lei – numa crítica à decretação da condução em substituição a prisões preventivas, como ocorre frequentemente na Lava Jato.
“O juiz no processo penal está rigorosamente vinculado às previsões legislativas, razão por que somente pode decretar as medidas coercitivas previstas por lei, não se admitindo medidas atípicas”, disse. Num momento seguinte, disse que a condução tem sido usada para constranger a pessoa, com “espetacularização”.
Ricardo Lewandowski foi o quarto a votar contra a condução coercitiva. Para ele, a medida traz “constrangimento e intimidação” ao investigado e dificulta seu direito de se calar no depoimento.
“Conduzir coercitivamente o acusado, com todos os gastos e constrangimentos que isso representa, não apenas com deslocamento desnecessário de forças policiais, senão também pelos inúmeros incidentes que podem decorrer deste ato de violência autorizado pelo Estado-juiz, apenas para realizar a qualificação do réu em juízo, não parece minimamente razoável”, disse.
O ministro também não admitiu uso do instrumento para substituir prisões preventivas e fez críticas a juízes que atendem ao “clamor público”. “Condução coercitiva sem ao menos intimação do acusado, vazamento de conversas sigilosas, prisões alongadas, entre outras violações, são inadmissíveis no estado democrático de direito”, disse.
Marco Aurélio Mello defendeu o fim da condução coercitiva por, segundo ele, representar uma espécie de “prisão-relâmpago”, observando que geralmente ocorre logo pela manhã. Para ele, o instrumento acaba criando desgaste, quando o objetivo é um interrogatório.
Não a menor dúvida que a condução coercitiva implica cerceio à liberdade de ir e vir e ocorre mediante ato de força praticado pelo Estado em razão de um mandado do Estado julgador. Não há razão de ser a ela. Visa o interrogatório na maioria das vezes. Na maioria das vezes só retrata o desgaste da imagem do cidadão frente ao semelhante”, disse o ministro.
O decano da Corte, Celso de Mello, proferiu o voto que que definiu a maioria contrária à condução coercitiva. Disse que a medida significa uma “coação pessoal” do investigado e atenta contra as garantias que possui numa investigação, como a presunção de inocência.
“Aquele que se acha sob persecução penal possui direitos e titulariza garantias plenamente oponíveis ao Estado e seus agentes. Nesse ponto residindo a própria razão de ser do sistema de liberdades públicas, que se destina a amparar o cidadão contra eventuais excessos, abusos ou arbitrariedades emanados do aparelho estatal”, disse.
Em seu voto, a presidente do STF, Cármen Lúcia, votou a favor da condução coercitiva. Ressaltou que eventuais abusos na aplicação da medida devem ser corrigidos dentro do próprio sistema de Justiça, mas não levar o STF a extinguir esse tipo de ato.
“Abusos praticados em investigação, como a não intimidação prévia, têm de ser resolvidos nos termos da legislação, mas não aniquilam o instituto. Todo e qualquer abuso haverá de se ser coartado, mas para os excessos há meios adequados”, disse a ministra.
G1
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