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Delegados e cúpula da Segurança disputam controle de grampos telefônicos na Bahia

por Editoria Delegados

BA: Presidente do sindicato dos delegados da Bahia, Fábio Lordello, denuncia o caso

Um grupo de delegados baianos resolveu suspender novos pedidos à Justiça de quebras de sigilos telefônicos e bancários em protesto contra o controle exercido pela SSP-BA (Secretaria da Segurança Pública da Bahia) sobre dados sigilosos em investigações criminais.

 

A medida paralisa parte dos inquéritos que apuram crimes como homicídio, tráfico de drogas, corrupção, à exceção de extorsão mediante sequestro. “Infelizmente tivemos que levar essa situação a público para que a autonomia dos delegados baianos seja devolvida”, diz o presidente do sindicato dos delegados da Bahia, Fábio Lordello.

 

Na Bahia, os grampos telefônicos autorizados pelo Poder Judiciário são executados e analisados pela SI (Superintendência de Inteligência), um órgão que é ligado diretamente à SSP. Esse setor produz relatórios com as transcrições das conversas telefônicas dos investigados e, posteriormente, envia o conteúdo das escutas aos delegados responsáveis pelos inquéritos.

 

Liderados pelo sindicato da categoria, os delegados afirmam que esse modelo é ilegal, pois quem deveria exercer o controle dos grampos seria a própria Polícia Civil. Os adeptos do movimento suspenderam novos pedidos em 12 de setembro, e ameaçam com a possibilidade de greve, a ser iniciada a daqui dois meses, caso sua reivindicação não seja atendida.

 

SAIBA COMO FUNCIONAM OS GRAMPOS TELEFÔNICOS

 

Por sua vez, a SSP afirma, por meio do comando da própria Polícia Civil baiana, que age dentro da legalidade, com respaldo do TJ-BA (Tribunal de Justiça da Bahia) e que o fluxo de novos pedidos de interceptações telefônicas não foi interrompido. Segundo a polícia, o atual modelo foi adotado há 16 anos (leia mais abaixo).

 

A corte baiana afirmou à reportagem que o Executivo do Estado tem a prerrogativa de escolher o modelo de execução das interceptações telefônicas. Instado a se manifestar sobre quem tem razão na celeuma, o MP-BA (Ministério Público da Bahia) afirmou que ainda está analisando o caso.

 

Controle

“A analogia que fazemos é a seguinte: é como se as escutas telefônicas da Operação Lava Jato estivessem controladas pelo ministro da Justiça, que filtraria as informações obtidas nos grampos para somente depois repassá-las aos delegados da Polícia Federal responsáveis pela investigação”, afirma Fábio Lordello.

 

“Nós sofremos uma interferência muito grande da Secretaria da Segurança Pública, que criou um órgão específico que é um órgão da Superintendência de Inteligência, que acaba interferindo como um filtro em todas as investigações sigilosas em nosso Estado”, diz o sindicalista.

 

Sob a condição de anonimato, o UOL conversou com três delegados da Bahia. Eles afirmaram que interromperam novos pedidos de interceptações telefônicas e de quebras de análises de dados bancários e fiscais em suas investigações. Além de questionar a legalidade do modelo adotado pela SSP, eles dizem que o modelo é ineficiente no combate ao crime organizado.

 

“Crimes como homícidio e tráfico não são evitados com atual modelo”, diz Lordello

“O delegado é o responsável diante da lei pelos dados sigilosos de uma investigação. Quando você quebra o sigilo telefônico, você passa a ter informações de toda a vida do investigado e de pessoas relacionadas a ele. Se há vazamento o responsável legal é o delegado”, afirma um deles, que tem 20 anos de atuação na Polícia Civil baiana.

“Funcionários terceirizados da SI ou policiais militares têm acesso a dados sigilosos, sem que o delegado responsável pelo inquérito tenha acesso direito a eles”, declara outro delegado, que atua no combate ao crime organizado no Estado. “Sem contar que essas pessoas não estão diretamente ligadas à investigação e portanto desconhecem informações essenciais sobre o contexto do que está sendo investigado, o que ocasiona prejuízo ao trabalho policial”, acrescenta.

 

Os delegados afirmam ser a favor que o acesso ao sistema de interceptações telefônicas conhecido como “guardião” e ao laboratório de lavagem de dinheiro, que também fica nas instalações da SSP-BA, sejam disponibilizados para a estrutura da Polícia Civil baiana.

 

“Relatórios sobre análises de dados bancários e fiscais em investigações sobre lavagem de dinheiro e crimes correlatos chegam demorar até um ano e meio para serem concluídos. O razoável é um prazo de seis meses”, diz um delegado. “Outros colegas simplesmente desistem de fazer esses pedidos porque sabem que quando esses relatórios chegarem em suas mãos, o teu trabalho estará concluído há muito tempo.”

 

NA ESCUTA: CINCO GRAMPOS QUE BALANÇARAM A REPÚBLICA

De acordo com os policiais, a atual centralização desses equipamentos de investigação na secretaria gera uma demora entre a transcrição dos áudios interceptados e a entrega dos relatórios aos delegados que comandam os inquéritos.

 

“Perde-se a oportunidade de prevenir a ocorrência de vários crimes, a exemplo de homicídios e tráfico de drogas”, afirma Lordello, presidente do sindicato dos delegados. “É de se indagar qual o interesse em manter as interceptações sob o controle da secretaria.”

 

Delegado federal de carreira, o secretário da Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, é ferrenho defensor do atual modelo adotado, apurou a reportagem. Antes de assumir a SSP-BA, em janeiro de 2011, ele chefiou a Superintendência de Inteligência. Ao ascender ao cargo de secretário, ele nomeou pessoas de sua confiança para o setor, a exemplo do atual superintendente de Inteligência, Rogério Magno de Almeida Medeiros, que é agente da Polícia Federal.

 

Filho de um almirante da Marinha e com fortes ligações com o ex-governador Jaques Wagner (PT), Barbosa chegou a ser cotado, ainda no governo Dilma, para assumir a Secretaria Nacional de Segurança Pública, ligada ao Ministério da Justiça.

 

Escândalo dos grampos de ACM gerou modelo atual

O modelo de controle das interceptações, por parte da SSP-BA foi adotado na Bahia após o estouro do chamado “escândalo dos grampos de ACM” no início dos anos 2000. Nesta época, cabia diretamente à Polícia Civil baiana executar as interceptações telefônicas.

 

“Escândalo do grampo de ACM” mudou as regras de controle na Bahia

Investigações demonstraram que desafetos políticos do então senador Antonio Carlos Magalhães (PFL), morto em 2007, como o atual ministro Geddel Vieira Lima (PMDB) e o deputado federal Nelson Pelegrino (PT) e até uma amante do político, tiveram seus sigilos telefônicos quebrados ilegalmente.

Somente no final do mês de outubro de 2016, a Justiça Federal condenou por improbidade administrativa um funcionário da SSP-BA e o delegado-geral da Polícia Civil da Bahia, à época, Valdir Barbosa. Ele foi expulso da corporação, mas cabe recurso à sentença.

 

Á época, Geddel, Pelegrino e a advogada Adriana Barreto, que se relacionava amorosamente com o senador, o acusaram publicamente de mandante das escutas. “ACM grampeou a Bahia inteira”, reagiu Geddel, apontado à época como arqui-inimigo do cacique baiano. “Eu não tenho dúvida nenhuma de que o senador participou do esquema”, apontou Pelegrino. Adriana denunciou que ACM a perseguia, após o fim do relacionamento com ele.

 

O caso dos grampos repercutiu nacionalmente. ACM chegou a ser alvo de processo de cassação do mandato no Congresso, que, entretanto, não avançou. Em 2004, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou o arquivamento do inquérito contra ACM.

 

Risco de “polícia política”

O UOL entrevistou dois especialistas em inteligência, que consideram “estranho” que o controle das atividades de grampos telefônicos seja realizado por um órgão da Secretaria da Segurança Pública.

 

“O que acontece na Bahia é uma excrescência jurídica. A Secretaria não é um órgão que tem função de proceder investigações criminais. Essa é uma tarefa da Polícia Judiciária, neste caso, a Polícia Civil”, afirma o cientista político Marcos Degaut, ex-oficial da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

 

“Não se pode confundir inteligência de Estado, que é produção de conhecimento para assessorar a tomada de decisão do gestor público, com inteligência de atividade criminal. Quando há confusões de papéis, corre-se o risco de se ter uma polícia política”, diz o doutor em Relações Internacionais Joanisval Gonçalves. Ele é consultor da Comissão Mista do Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional.

Outro lado

O TJ-BA informou em nota que “como já respondido diretamente aos órgãos interessados, a execução de interceptação do fluxo de comunicações em telefonia está afeta à Chefia do Poder Executivo, a quem cabe agir nos termos regulados pelas normas pertinentes”.

 

Já o MP-BA (Ministério Público da Bahia) afirma que está recolhendo informações junto aos órgãos responsáveis para emitir seu parecer técnico sobre o assunto.

 

O secretário da Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, está no cargo desde 2011

A reportagem pediu entrevista ao secretário da Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa. Ele afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não se pronunciaria sobre o assunto.

A título de resposta, a SSP-BA enviou uma nota assinada pelo delegado-geral da Polícia Civil da Bahia, Bernardino Brito.

Leia a nota abaixo:

“A Polícia Civil da Bahia esclarece que foram registrados, no mês de outubro, mais de 80 novos processos de interceptações telefônicas. A marca indica um aumento de 5% comparando o mesmo período do ano passado e de meses anteriores. Ressalta ainda que o fluxo de solicitação dos delegados não foi interrompido.

O delegado-geral da Polícia Civil, Bernardino Brito, explica que as interceptações funcionam no formato atual há 16 anos. “Estamos dentro da legalidade, atestado por parecer da Procuradoria-Geral do Estado e autorizado pela presidência do Tribunal de Justiça da Bahia”, disse Brito, acrescentando que utiliza os mesmos moldes do executado pelo Ministério Público da Bahia.

O chefe da PC destacou que as interceptações ocorrem sob a coordenação e condução dos delegados responsáveis pelas investigações que demandam este tipo de prática, sendo cabível à Secretaria da Segurança Pública, nestes casos, apenas o serviço técnico de coleta das informações. A insinuação de manipulação das informações coletadas nas interceptações para outros fins que não sejam os investigativos será analisada juridicamente.”

 

UOL

 

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