Existe ou não existe? Imaginemos o seguinte exemplo: alguém confia a direção de veículo automotor à pessoa não habilitada (crime previsto no art. 310 do Código de Trânsito Brasileiro), mas referido condutor não habilitado acaba conduzindo o veículo regularmente sem causar dano algum, sendo que, como todos sabem, para a configuração do crime previsto no artigo 309 do Código de Trânsito Brasileiro (dirigir sem habilitação) é imprescindível a geração de “perigo de dano”. Quem confiou, portanto, de forma irregular, a direção do veículo à pessoa não habilitada a qual, por sua vez, não gerou perigo de dano e não incidiu, portanto, em crime algum, deve responder pelo crime previsto no artigo 310?
Vamos aos tipos: o artigo 310 do Código de Trânsito Brasileiro diz que é crime “permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança”. Já o artigo 309 do mesmo código diz que é crime “dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano”.
Assim, alguns entendem que o art. 309 é o tipo principal, sendo o artigo 310 uma espécie de tipo acessório, vinculado ou dependente. Portanto, segundo o princípio de que o acessório segue o principal, teríamos tipicidades vinculadas, ou seja, para haver a configuração do art. 310 seria necessário que ocorresse o crime previsto no art. 309.
Não obstante, alguns entendem, dentre eles eu, que não há necessidade de perfectibilização do chamado tipo principal (309) para concretização do tipo acessório (310). Caso assim fosse, correríamos o risco de observar cadeias de delitos sendo consumados e, ao final, desconsiderados, em virtude da não consumação de um delito tido como o delito-chave da cadeia delitiva.
Vamos, por fim, a um exemplo prático dessa linha de raciocínio, previsto ele na Lei do desarmamento (Lei 10.826): segundo o artigo 18 do mencionado estatuto, temos ali o crime de “tráfico internacional de armas” o qual prescreve que é crime “importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente”. Haveria, portanto, lógica em condicionarmos a ocorrência de tamanho ilícito à utilização efetiva e danosa do armamento em nosso território nacional por um assaltante, traficante ou homicida?