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Afinal, é permitida a exibição de imagem de preso ou detento após a nova Lei de Abuso de Autoridade?

por Editoria Delegados

Por Marcelo de Lima Lessa

Com a edição da nova Lei de Abuso de Autoridade, passou-se a dizer que a Polícia estaria impedida de divulgar imagens e nomes de presos, gerando-se, com isso, inúmeras polêmicas nos meios de imprensa.

Cada um parece dizer uma coisa, e o discurso, longe de ser uno, acaba diversificado e perdido. Mas afinal, pode ou não exibir foto de preso ou detento após a nova Lei de Abuso de Autoridade?

Bem, vamos tentar responder de maneira clara, direta e didática.

A lei diz ser crime constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública (art. 13, I).

Violência ou grave ameaça, policial algum em sã consciência vai exercer, entretanto, por estar privado da liberdade, é certo que o preso ou o detido estará, em regra, com a capacidade de resistência reduzida.

Os tipos penais da nova Lei de Abuso exigem dolo específico, ou seja, o agente deve praticar a ação com a finalidade de prejudicar outrem (o detido/preso), beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal (vaidade). Sem isso, não há crime, sequer em tese.

Quando a lei fala em “curiosidade pública”, ela faz alusão a exibição desprovida de finalidade específica ou interesse público, onde se visa, tão somente, entregar o sujeito a sanha popular de saber quem ele é e o que fez. Esse é o ponto crucial.

Enfim, vejamos alguns exemplos práticos, para entendermos, definitivamente, o que pode ou não pode ser feito a partir de agora:

1) Durante o transporte do detento/preso da viatura para a Delegacia de Polícia, a imprensa fotografa e filma o conduzido e divulga sua imagem na televisão ou jornal. Há crime?

NÃO. Se a interpelação da mídia se dá em trânsito ou em dependência de acesso não controlado (via pública), os policiais não tem como obstar o trabalho da imprensa, a qual, neste país, é livre. Diante disso, lhes falta dolo. E se este não existe, não há que se falar em crime.

2) Durante o transporte do detento/preso em área de circulação livre da Delegacia para o gabinete da autoridade policial ou sala (cartório, investigação etc), a imprensa fotografa e filma o conduzido e divulga sua imagem na televisão ou jornal. Há crime?

NÃO. Se a interpelação da mídia se dá em área não restrita e de livre acesso ao público (átrio, corredores, recepção etc), os policiais não podem obstar a presença dos profissionais de imprensa, salvo nas hipóteses excepcionais em que a área está interditada ou expressamente controlada. Sem isso, não há crime.

3) Durante o transporte do detento/preso em área de circulação livre para a Delegacia e ou gabinete específico, um policial, percebendo a presença da imprensa, interrompe o transporte e, forçosamente, ergue a cabeça do conduzido e a exibe a imprensa, para que esta o fotografe ou filme. Há crime?

SIM. Nesse caso o policial agiu intencionalmente, pois preferiu exibir o preso a continuar sua marcha a fim de encaminha-lo ao lugar de direito. Ele estava com a capacidade de resistência diminuída e foi forçado a exibir-se.

4) No interior do seu gabinete de trabalho, isto é, num ambiente de acesso controlado, um Delegado de Polícia convoca a imprensa para exibir, como “troféu”, um detento/preso que foi capturado, exibição esta desprovida de interesse público, afinal não existe a comprovada necessidade de reconhecimento pessoal do mesmo por outros delitos. Haverá crime com a divulgação das imagens à curiosidade pública?

SIM. O detento/preso está com a capacidade de resistência reduzida e sob a custódia do Estado (ambiente controlado). A exposição, em si, visa apenas a satisfação da curiosidade pública e, quanto muito, a vaidade do agente público. Nesse caso, o delito, em tese, subsiste.

5) Policiais de determinada equipe, após uma prisão, tiram fotos com os detidos/presos e as postam em redes sociais, comemorando a ação. Há crime?

SIM. Os detentos/presos estão tecnicamente com a capacidade de resistência diminuída e tem o corpo ou parte dele expostos a curiosidade pública, a qual, nesse caso, é indeterminada. Ainda que os rostos sejam borrados, o crime em tese persiste, pois a lei fala em “parte do corpo”.

6) Visando elucidar uma série de delitos perpetrados na sua circunscrição, um Delegado de Polícia, objetivando que novas vítimas procurem a Delegacia, divulga para a imprensa a imagem de uma pessoa já anteriormente reconhecida (é ela) por crimes similares. Há crime?

NÃO. Se o interesse for público, motivado pela necessidade de esclarecer crimes e movimentar a máquina persecutória do Estado, não há que se falar em dolo específico ou exposição concisa a “curiosidade pública”, mas sim, em ato decorrente do poder de polícia da administração, necessário para a elucidação de delitos e a responsabilização do seu efetivo autor.

7) Visando formalizar a captura de um foragido sob o qual recai ordem de prisão, o Delegado de Polícia de determinada circunscrição divulga a imprensa a imagem do procurado, objetivando o seu encarceramento e consequente encaminhamento a cautela da Justiça. Há crime?

NÃO. O interesse nesse caso é publico, afastando-se o dolo exigido pelo tipo penal. O ato decorre da obrigação estatal de emprestar marcha a persecução criminal, a qual não se confunde com a mera exposição a curiosidade pública, elementar do tipo.

8) Convicta em razão dos meios de prova admitidos em Direito de que determinado indivíduo praticou crimes de natureza sexual contra uma menor, uma Delegada de Polícia de Defesa da Mulher representa pela prisão cautelar do mesmo (que é judicialmente concedida) e, ato seguinte, exibe a imprensa uma imagem do procurado, que foi apontado como o autor das graves sevícias e se encontra foragido. Há crime?

NÃO. Como visto, trata-se de interesse público, e não mera exposição gratuita a curiosidade alheia, isso sim vedado pela lei.

9) Após efetuar a prisão de uma quadrilha e esclarecer um grande roubo, a Polícia convoca uma coletiva de imprensa para dar detalhes da ação e, na oportunidade, apresenta, perfilados e com as cabeças baixas, os oito autores do delito, que permanecem em pé, filmados ao vivo e fotografados, enquanto a entrevista transcorre. Há crime?

SIM. Pelo que vimos, resta claro que a exibição a curiosidade pública só é permitida quando eivada de interesse público, ou seja, se existe a necessidade de que a exposição seja imprescindível para o esclarecimento do delito investigado (pessoa procurada, foragida etc). Nesse caso, a situação é inversa, trata-se de infração pretérita e já esclarecida. Assim, o delito, em tese, se caracteriza.

10) Visando divulgar a imagem de um perigoso roubador que foi capturado, a imprensa solicita a foto do mesmo à Polícia, a qual, acessando uma imagem já anteriormente captada para fins de triagem/controle, se limita a fornecê-la. Há crime com a divulgação?

NÃO. Nesse caso o detido/preso não foi vítima de violência, grave ameaça ou redução de capacidade de resistência para exibir-se a curiosidade pública, já que a imagem, como visto, é pretérita. Nesse caso, salvo restrição administrativa existente (e que pode, em tese, gerar responsabilização civil, ou, quanto muito, funcional), não há crime de abuso de autoridade, por ausência de tipicidade.

Enfim, é isso.

O tipo penal é claro. O policial brasileiro, assim, não pode se intimidar e, se agir imbuído no interesse público, não poderá ser responsabilizado, pois a própria Lei de Abuso de Autoridade exige dolo específico demonstrado, sob pena de crime algum existir.

Cautela e bom senso. Observados ambos, continua a Polícia firme e rigorosa na árdua missão de aplicar a lei e encarcerar, sem paixões, aqueles que a burlarem.

Sobre o autor

Marcelo de Lima Lessa é Delegado de Polícia em São Paulo desde 1996, professor de Gerenciamento de Crises e Conduta Policial da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”. Graduado em “Gerenciamento de Crises e Negociação de Reféns” pelo FBI – Federal Bureau of Investigation e em “Controle e Resolução de Conflitos e Situações de Crise com Reféns” pelo Ministério da Justiça. Atuou no Grupo de Operações Especiais – GOE, no Grupo Especial de Reação – GER e no Grupo Armado de Repressão a Roubos – GARRA, todos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

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