São Paulo – Para registrar os Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs) e atuar na “investigação” de crimes considerados de menor potencial ofensivo, soldados, cabos e outros integrantes da Polícia Militar (PM) de São Paulo vão passar por curso com videoaulas e fazer prova com apenas 15 questões, com exigência de somente 50% de acerto mínimo para aprovação.
As informações constam na ordem preparatória para implementação do TC/PM, que é assinada pelo coronel José Augusto Coutinho, ex-comandante da Rota e atual Subcomandante da PM. A medida do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem causado questionamento de juristas e reação de delegados da Polícia Civil, atualmente responsáveis por esses casos.
O TCO é um tipo de documento policial lavrado em casos de contravenção penal ou de crimes com pena máxima de dois anos de detenção. Essa lista inclui delitos como lesão corporal, posse de droga, esbulho possessório (invasão de propriedade), desacato ou desobediência.
A sua lavratura demanda que o profissional tenha conhecimento sobre a legislação brasileira e questões técnicas do funcionamento do Judiciário — os delegados, por exemplo, precisam ter formação em direito.
Prova de 15 questões
Para implementá-la, o governo Tarcísio prevê reforma em batalhões e a capacitação dos policiais a partir do “Ciclo de Treinamentos sobre Termo Circunstanciado Policial Militar”. Todo o efetivo, até o posto de capitão, que ficará responsável por fazer os registros nas ruas, deve passar por esse curso até julho deste ano.
No treinamento teórico inicial, os PMs terão um dia letivo presencial, das 7h30 às 17h, para assistir, no batalhão, a uma sequência de videoaulas gravadas. Uma prova será realizada no final.
Segundo o documento, a avaliação terá 15 questões de múltipla escolha sobre o conteúdo, com exigência de mínimo de 50% de acerto para aprovação. “No caso de não aprovação, o policial militar deverá refazer o treinamento teórico em nova data, até alcançar o número de acertos mínimo exigido”, registra a ordem.
Os nomes aprovados serão informados ao comando e publicados em boletim interno. “O link com as videoaulas ficará disponível ao efetivo, por tempo indeterminado, para assistir quantas vezes forem necessárias, até que o policial militar seja aprovado, ou para sanar dúvidas ulteriores.”
“Invetigadores” da PM
Pela dinâmica descrita no documento, o TCO/PM será registrado, em um formulário eletrônico, por um policial que está na rua e depois revisado por um agente graduado no batalhão. O registro deve, ainda, ser assinado pelo oficial responsável ou comandante da companhia antes de remetê-lo para o juizado.
Imagine um policial militar vítima de desacato em via pública: o pm lavra o TCO na rua e lá mesmo libera o suspeito que o desacatou, autuando-o como se tivesse lavrado uma multa. O que fica é a sensação de impunidade e desrespeito perante à instituição policial. E outra: imagine um policial militar que em uma praça “pega” em flagrante um usuário de droga fumando um cigarro de maconha e com ele é encontrado também 50 gramas de maconha. O pm lavra o TCO, apreende a maconha, e ali mesmo, já libera o usuário ficando aquela sensação de que “parece” que pode repetir essa conduta pois sabe que não vai ser detido, tampouco ser conduzido para a delegacia. Outra situação seria a abordagem de duas pessoas que estão se agredindo verbalmente, onde uma xinga a outra com ofensas recíprocas em via pública: o pm imprime o TCO no local e ali mesmo libera os envolvidos deixando-os correndo o risco, após a saída do pm, das ofensas verbais evoluírem para ofensas físicas.
Risco
Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo (Sindpesp), a delegada Jacqueline Valadares afirma que a implementação do TCO/PM pode representar “riscos para população” e contesta a prerrogativa de soldados, cabos e outros policiais militares para definir o que seria um crime de menor potencial ofensivo.
“Uma pessoa ferida pode ter sido vítima de uma lesão corporal [crime passível de Termo Circunstanciado] ou de uma tentativa de homicídio [Boletim de Ocorrência]. O delegado é a autoridade que está preparada, a partir da sua formação e da análise das circunstâncias, para definir o tipo penal. Se essa ocorrência deixar de ser apresentada na delegacia, há um prejuízo para toda a sociedade”, diz.
A presidente do sindicato afirma, ainda, que a implementação das medidas tem causado a reação de integrantes da Polícia Civil.
“A partir do momento que Secretaria da Segurança Pública distribui para a PM funções que são da Polícia Civil, como realizar o Termo Circunstanciado, isso acirra uma disputa entre as corporações”, diz. “Cada uma tem sua função. Se a PM está registrando essas ocorrências, quem vai fazer o patrulhamento da rua? Quem vai atender as ligações do 190?”
Celeridade?
Questionada pelo Metrópoles, a SSP, chefiada pelo secretário Guilherme Derrite, que é capitão da reserva da PM, não respondeu quais foram os critérios para adotar essa metodologia para preparar os PMs para conduzir os Termos Circunstanciados.
Em nota, a posta confirma que tem “adotado as medidas administrativas necessárias” para implementação do TC/PM e diz que a iniciativa tem respaldo em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
“A medida tem como objetivo dar mais celeridade ao atendimento ao cidadão, otimizar recursos e garantir condições à Polícia Civil para o fortalecimento das investigações de crimes de maior potencial ofensivo”, diz a pasta, ou seja, “desafoga” a Polícia Civil e “afoga” a Polícia Militar, pois serão mais policiais militares deixando de atuar de forma ostensiva e preventiva para atuar em procedimentos investigativos.
Da Redação e do Metrópoles
DELEGADOS.com.br
Portal Nacional dos Delegados & Revista da Defesa Social