JURÍDICO
‘Pior que policial matar por engano é ele poder atirar’
JURÍDICO
Por José Nabuco Filho
Recentes episódios de violência praticada por policiais tiveram grande repercussão junto à opinião pública brasileira. Em São Paulo, dois homens, em diferentes dias, morreram após serem espancados por policiais militares. No Rio de Janeiro, outro foi morto por um integrante do Bope, que confundiu a furadeira que carregava com uma arma.
A sociedade indigna-se com tais atos, sem se dar conta de que não são, apenas, um desvio de um agente público, mas o extremo de uma prática reiterada de ilegalidade, tão comum na polícia brasileira, que é tolerada por muitos.
O discurso de que a polícia deve agir com violência para combater o crime permeia as mais diversas camadas sociais. Toleram-se as execuções e a tortura, desde que praticadas contra “bandidos”, mesmo que essa postura não seja respaldada pela lei e pela Constituição.
No caso do Rio, o policial simplesmente atirou em um homem em sua casa, a 40 metros, ao vê-lo portando uma furadeira, sem que este tenha feito qualquer movimento que parecesse uma agressão. Tem-se, aqui, um ato ilegal, independentemente de o homem carregar uma ferramenta ou uma arma. Fosse um traficante armado, ainda assim o policial teria cometido um crime.
Alguém — seja policial ou não — só pode matar justificadamente uma pessoa se estiver em situação de legítima defesa ou na remota hipótese de estado de necessidade. A legítima defesa ocorre quando alguém sofre ou está prestes a sofrer um ato de violência e reage para repelir a agressão, defendendo-se. Ela ainda pode ser de terceiro, quando o policial mata a pessoa que está prestes a tirar a vida de um refém, por exemplo.
É certo que pode ocorrer o que se chama de legítima defesa putativa, ou seja, imaginada, quando existe um comportamento da vítima que não era agressivo, mas que leva o autor a se enganar, supondo que se trata de uma agressão. Não foi o que ocorreu no caso, pois o policial estava longe e não houve qualquer movimento agressivo.
O policial, ao ver alguém portando uma arma, não pode nele atirar, como se fosse um soldado em guerra. Salvo se precisar se defender, seu dever será prendê-lo. Do mesmo modo, a lei não autoriza que um policial espanque uma pessoa, seja ele um suposto criminoso ou um inocente.
No entanto, a sociedade apoia a prática de matar e de torturar “bandidos”, porque essa parece ser a forma mais adequada de defender-se.
Apenas quando a vítima é inocente, a sociedade mostra-se contrária à violência, como se alguém por ter cometido crime criminoso estivesse sujeito a toda sorte de ilegalidades. Em outras palavras, como se a vida de alguém deixasse de ser protegida pela lei, em razão de seu status.
A história da humanidade é a história do abuso de poder e, por isso, a lei existe para colocar limites na atuação do agente público. Quando se diz que se deve matar ou torturar os “bandidos”, retira-se o limite da lei, deixando os cidadãos à mercê do arbítrio do policial.
Não se pode perder de vista que os policiais fazem um juízo muito precário e ligeiro sobre a condição do suposto criminoso. Por isso, a probabilidade de que haja um erro na percepção sobre a condição da pessoa é grande. Sem contar que, com a experiência, o policial passa a adotar critérios baseados em estereótipos para identificar o suposto criminoso. Daí o morador da periferia ser a vítima preferencial do equívoco.
No momento em que o policial se engana e mata um homem inocente, não se deve criticar a sua confusão, mas a concepção de que a polícia tem que matar. Logo, o problema não está na avaliação equivocada do policial, mas na própria concepção de que ele deve ser violento.
Enquanto a postura social permanecer a mesma, a sociedade continuará a ficar perplexa com as ilegalidades contra os inocentes, sem se dar conta de que estes morreram porque se tolera a violência contra os supostos criminosos.
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Sobre o autor
José Nabuco Filho é mestre em Direito Penal pela Unimep, professor de Direito Penal e Processo Penal da Uniban e de pós-graduação do Centro Universitário Claretiano.
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