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Para valer, denúncia não pode ser anônima

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS

Para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, os autores de denúncias têm de ser identificados. O ato de denunciar é sério e o denunciante deve se responsabilizar por isso. O anonimato não é admitido. Este foi o entendimento firmado pela 3ª Turma do tribunal, que trancou Ação Penal contra um fiscal do Ibama, acusado de enriquecimento ilícito.

Segundo denúncia anônima, o funcionário valia-se de sua condição funcional para favorecer empresas, liberando máquinas e caminhões. Tanto a empresa de que o funcionário é sócio quanto os negócios de sua mulher estariam sendo beneficiados e ostentariam posses díspares de suas rendas.

Segundo a 3ª Turma do TRF-3, denúncia anônima não pode ser base de investigação criminal. O tribunal observou que a Receita Federal já havia se recusado a investigar o fiscal e sua mulher porque não havia especificação no pedido de investigação. O TRF-3 determinou o trancamento do inquérito por entender que o acusado estava sofrendo constrangimento ilegal.

Denúncia anônima não pode fundamentar processo, diz AGU

Nenhum processo ou procedimento formal pode ser instaurado tendo como fundamento denúncia anônima. A conclusão é da Advocacia-Geral da União, que emitiu parecer sobre qual deve ser a postura do governo federal diante de qualquer acusação sem identificação da autoria.

A AGU foi instada a se pronunciar sobre a validade de procedimento administrativo aberto com base em denúncia anônima. Para o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, acusação sem reconhecimento da autoria está cercada de “imprestabilidade jurídica”, porque a Constituição Federal veda o anonimato. (Clique aqui para ler o despacho assinado pelo advogado geral).

O (parecer, assinado pelo consultor da União Galba Velloso, sustenta ainda que a denúncia anônima produz “resultados nefastos” e que é dever da administração informar à parte atingida a suposta acusação, para que tome as providências que entender cabíveis, inclusive a da investigação e identificação da autoria.

O parecer é assinado pelo consultor da União, com despachos assinados pelo consultor-geral da União, Ronaldo Jorge Araújo Vieira Júnior, e o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli.

De acordo com o parecer da AGU, a administração pública não pode acolher uma iniciativa incompatível com a Constituição e que se choca com a legalidade, a moralidade e a transparência. Alega ainda que o legislador, quando proibiu o anonimato, não quis prestigiar a imoralidade, mas garantir a legalidade e a presunção constitucional de inocência.

“A cautela que se recomenda à administração há de ser entendida como o dever de não estimular o denuncismo, que abriga a injúria, a calúnia e a difamação. Constitui ilícito penal encorajar a prática de qualquer crime”, ressaltou Velloso.

O consultor Jorge Araújo foi em sentido contrário. Para fundamentar seu (despacho), citou a decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Inquérito 1.957, julgado pelo Pleno em 11 de novembro de 2005. Neste julgamento, a questão do efeito jurídico da denúncia anônima foi colocada como questão de ordem pelo ministro Marco Aurélio.

Na ocasião, Marco Aurélio afirmou que a Constituição repugna o anonimato porque, se a denúncia for comprovadamente falsa, o denunciado não tem a quem responsabilizar civil ou criminalmente. Cezar Peluso seguiu o mesmo entendimento. Afirmou que a denúncia anônima é um desvalor constitucional e, portanto, não pode dar ensejo à produção de qualquer efeito jurídico.

Carlos Ayres Britto, Sepúlveda Pertence, Nelson Jobim (à época presidente do STF) e Carlos Velloso (relator) entenderam que a denúncia, mesmo sendo anônima, seria capaz de produzir efeitos jurídicos se houvesse verossimilhança nos fatos relatados.

De acordo com Jorge Araújo, foi Celso de Mello quem deu solução para a controvérsia. Ele reconheceu que, no caso, há colisão entre dois preceitos fundamentais (preservação da intimidade X direito à reparação), mas afirmou que é dever do Estado averiguar o conteúdo da denúncia, para preservar outros direitos também constitucionalmente reconhecidos.

Celso de Mello sinalizou que a solução é simples. Basta adotar o princípio da proporcionalidade. Em outras palavras, ignora-se a denúncia impregnada de rancores e ressentimentos contra quem toma decisões que sempre desagradam alguém ou algum grupo social. Por outro lado, se a denúncia pode preservar vidas, impedir violações graves à saúde pública ou proteger o patrimônio público, deve ser averiguada.

Para o consultor, Celso de Mello sinalizou que, nessa última hipótese, a denúncia anônima “não é o fim da investigação, mas início, precário, que deve ser cercado de todas as cautelas possíveis para que, no caso de falsidade, não produza danos irreparáveis à dignidade e à honra subjetiva e objetiva de qualquer um”. De acordo com ele, “cabe ao agente público, no exercício de suas atribuições, temperar os elementos de decisão postos à sua disposição para que forme sua convicção”.

Repercussão

Especialistas ouvidos pela reportagem da revista Consultor Jurídico afirmam que a ferramenta, se usada com cautela, pode ser muito útil. É o caso do Disque-Denúncia. Segundo Sérgio Marcos Roque, presidente da Associação dos Delegados do Estado de São Paulo (Adpesp), hoje, 70% dos casos resolvidos pela Polícia tiveram origem no Disque-Denúncia.

“A delação anônima é uma ferramenta tão importante para a Polícia que já não se consegue imaginar trabalhar sem ela. Mas é claro que não pode ser usada como prova e precisa de investigação preliminar, antes de ser formalizada. A Polícia toma o cuidado de agir assim. Toda denúncia recebida é antes apurada. Só é levada para as autoridades competentes, se ficar comprovada sua veracidade”, diz.

Para o promotor de Justiça Raul de Godói Filho, autor de denúncias contra integrantes da suposta organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), a denúncia anônima é válida porque serve de base para investigação de crimes que, sem essa ferramenta, dificilmente seriam resolvidos. De acordo com o promotor, o MP é pioneiro do Disque-Denúncia e apóia esse tipo de delação.

“Quem não gosta de denúncia anônima é advogado porque seus clientes são descobertos por meio dessa ferramenta. Advogado não entende que as pessoas preferem o anonimato por temerem represálias.” Segundo o promotor, até mesmo as denúncias com nítido caráter político precisam ser apuradas. “Se há delação, há suspeita”, afirma.

O criminalista Mário de Oliveira Filho tem clientes que respondem Ação Penal, cuja suspeita começou com uma denúncia anônima. Ele conta que o dono de uma clínica de estética chegou a ser condenado por exercício ilegal da Medicina e a clínica foi fechada. Nesse caso, cada carta anônima que chegava até a Polícia era transformada em Inquérito. Os inquéritos resultaram em Ação Penal e a Ação Penal, em condenação, já transitada em julgado.

“A denúncia anônima é válida porque sempre elucida fatos e ajuda na segurança da população. E é claro que é obrigação da Polícia, sempre que receber uma denúncia anônima, se certificar da procedência, para que a denúncia não se transforme em uma ferramenta política.”

Revista Consultor Jurídico

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