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‘O fim da imparcialidade’, Por Luiz Fernando Pacheco

por Editoria Delegados

 

 

Merece aplausos o povo livre invadindo as ruas do país, sem um foco único. O complicado é conciliar o desejo de ver a população legitimamente se manifestando com a constatação de que muitas vezes esse mesmo povo é levado a ecoar, como vacum babando, um mugido de procissão, amém, amém, amém…

Certa mídia, incluindo os sabe-tudo do Facebook e congêneres, vem propalando que ser contra a corrupção é ser contra a PEC 37, lastimavelmente rejeitada pelo Congresso na semana passada, após intensa pressão das ruas. Houve uma confusão brutal entre diagnóstico e remédio eficaz.

A discussão sobre a competência e os limites investigatório do Ministério Público tem mais de 13 anos e está longe do consenso. A rejeição a toque de caixa da proposta de emenda constitucional, no eco de um pretenso clamor popular, será, veremos num futuro breve, a triste comprovação de que nem todo pleito popular é positivo para o país. Faltou informação e debate.

Promotor travestido de polícia é uma grave aberração. É o fim de uma mínima imparcialidade que haveria de ser preservada na hora de o fiscal da lei –função precípua do MP– optar, ou não, por oferecer denúncia, peça que pode ensejar a abertura, em desfavor do cidadão, de algo tão grave por si só, como é uma ação penal.

Ao votar contra a PEC, o Congresso atestou que na polícia só tem picareta e que o MP é um santuário de excelência na Terra. Onde estão os outrora santificados procuradores da República, os midiáticos e adorados heróis de fantoche da extirpe dos luízes franciscos e schelbs?

Contrário senso, por que não poderia o delegado de polícia exercer parte do papel hoje destinado exclusivamente ao promotor/procurador? Por que não é possível, a pretexto de evitar desnecessária burocratização no combate ao crime, que a própria polícia ofereça a denúncia? É óbvio que quem investiga não tem isenção para acusar!

Dizer que, sem o MP investigando, os corruptos ficam livres para agir é mera balela, chiclete midiático que grudou feio justo na sola daqueles que se querem descolados. Sem entrar no mérito da justeza de provisórias condenações, sem fulanizar a questão, mas apenas a título de exemplo, basta consignar que foi a polícia, sob a presidência do delegado Luís Flávio Zampronha, que tocou o inquérito que gerou a ação penal 470 no Supremo Tribunal Federal, chamada de mensalão.

Há milhares de aspectos técnicos, históricos, filosóficos, ideológicos e pragmáticos que recomendam que membros do Ministério Público não devem em se arvorar no papel de xerife… Devemos apoiar a atuação forte do MP, dentro dos limites que a Carta Magna de 88 lhe atribuiu.

A Constituição, diferentemente do que pensam muitos que dela não leram uma linha, não atribui o poder de investigar ao MP. A rigor, não seria necessária nenhuma emenda para abalizar o fato de que só a Polícia Judiciária tem poder investigatório no país. Mas nossos legisladores entenderam por bem, ante alguns vacilos jurisprudenciais, aclarar ainda mais o texto, alijando de vez qualquer interpretação esdrúxula do comando constitucional.

Daí a propositura da tal PEC 37. Foi bom que tenha ido para a boca do povo. Mas seria necessário que o mesmo povo tivesse se informado sobre seus prós e contras.

Com esses poucos argumentos (há mais, muito mais) e ressaltando que a polícia tem em seu auxílio persecutório a colaboração de órgãos específicos, era de se esperar um juízo sereno do Congresso. Era de se ponderar que com a aprovação da PEC 37, manteríamos um Ministério Público mais comprometido com a democracia e a justiça.

Temos muito a aprender com o sempre melhor que tudo Estado democrático de Direito. Um velho dito calha à espécie com perfeição: De boas intenções o inferno está cheio!

 

Sobre o autor

LUIZ FERNANDO PACHECO, 39, advogado criminal, é vice-presidente do Conselho do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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