JURÍDICO
‘A Nova Sistemática da Remição Criminal’ da Lei 12.433
Por Leonardo Marcondes Machado
JURÍDICO
Leonardo Marcondes Machado
Delegado de Polícia em Santa Catarina, atualmente em exercício na Comarca de Joinville, pós-graduado em Ciências Penais pela UNISUL/IPAN/LFG, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie / São Paulo e colaborador-articulista em diversas revistas jurídicas eletrônicas.
Resumo: O presente artigo destina-se ao estudo da Lei n. 12.433/2011, a qual estabeleceu nova sistemática da remição de pena criminal, com relevantes alterações na lei de execução penal.
Sumário: 1. Previsão Legal. 2. Distinção. 3. Conceito. 4. Contagem. 4.1. Trabalho. 4.2. Estudo. 5. Cumulação. 6. Aplicação/Alcance. 7. Efeito/Contagem do Tempo Remido. 8. Falta Grave.
Palavras-Chaves: Dogmática Penal; Execução Penal; Pena; Remição.
1. PREVISÃO LEGAL.
A remição de pena encontra-se disciplinada nos artigos 126 a 130 da Lei de Execução Penal (LEP). Tais dispositivos foram substancialmente alterados com o advento da Lei n. 12.433, de 29 de junho de 2011, a qual tem natureza material/penal, uma vez que se refere diretamente à execução, ao cumprimento da pena de prisão – nítida e flagrante limitação ou controle ao jus puniendi estatal. E por ter natureza material (e não procedimental/processual) goza de aplicabilidade: – retroativa, se benéfica ao apenado; – irretroativa, se prejudicial ou mais gravosa ao apenado (nesta hipótese: vigência orientada pela data do fato). No caso, sendo mais benéfica, deverá ser aplicada pelos juízos de execução criminal aos processos (“PEC`s” – processos de execução criminal) em andamento, ainda que os fatos sejam anteriores à sua vigência.
2. DISTINÇÃO.
Preliminarmente, registre-se que não se deve confundir remição, que indica quitação ou resgate, com o termo remissão, que significa indulgência, clemência ou perdão. Ambos são institutos de direito penal e processual penal, porém completamente distintos.
Também absolutamente diferentes são os fenômenos da remição e detração. A remição é o desconto de parte do tempo de pena a cumprir, em virtude de trabalho realizado pelo preso ou freqüência a curso de ensino formal. Já a detração implica no desconto, na pena privativa de liberdade ou na medida de segurança, do tempo de prisão (seja prisão em flagrante delito, prisão temporária ou prisão preventiva) ou de internação que o condenado cumpriu antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
3. CONCEITO.
Conforme já anunciado supra, a remição consiste no desconto do tempo de cumprimento da pena (definitiva ou cautelar) em virtude do trabalho ou estudo do condenado.
Duas observações:
– O legislador finalmente positivou a tese doutrinária e jurisprudencial, inclusive sumulada pelo STJ, quanto à possibilidade de remição pelo estudo. Apenas a título (agora) histórico, confira o teor da súmula n.º 341 do STJ: “A freqüência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semi-aberto”. Sublinhe-se, ademais, que não apenas se consagrou a remição pelo estudo na nova lei de execução penal, como também ficou estabelecido todo o seu regramento próprio e específico (em detalhes).
– É claro que a remição pelo preso cautelar (art. 126, § 7º, da LEP) só será realmente efetivada em caso de eventual e futura condenação definitiva, momento em que se procederá ao devido abatimento pelo trabalho ou estudo já realizado.
4. CONTAGEM.
A proporção estabelecida pela lei (art. 126, § 1º, da LEP) para que se obtenha, pelo estudo ou pelo trabalho, 01 (um) dia de desconto de pena é a seguinte:
– 3 (três) dias de trabalho efetivo; OU
– 12 (doze) horas de freqüência escolar divididas em, no mínimo, 03 (três) dias;
4.1. Trabalho.
A LEP estabelece, em seu art. 33, caput, que “a jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados”. Nessa linha, segundo entendimento esposado pelo STJ, “fica remido 1 dia de pena para cada 18 a 24 horas de trabalho, funcionando o instituto como incentivo ao preso para que busque seu aprimoramento como forma de facilitar o convívio socioeconômico em liberdade”.[1]
É de se registrar, no entanto, que há possibilidade de entendimento diverso, conforme as especificidades do caso concreto, principalmente em se tratando de jornada especial de trabalho, com previsão no parágrafo único do art. 33 da LEP, o qual dispõe que “poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal”.
Vale destacar, neste particular, posicionamento divergente consagrado pela Segunda Turma do STF, no julgamento do HC n. 96740/RS, que versava sobre o cálculo dos dias remidos por apenado que laborou como auxiliar de cozinha no Presídio Estadual de São Borja/RS nos horários de 06h às 13h e 14h às 20h. A síntese deste julgamento[2] poderia ser didaticamente traduzida nos seguintes postulados:
– que a atividade de auxiliar de cozinha no interior de estabelecimento prisional enquadra-se no parágrafo único do art. 33 da LEP e, portanto, deve ser considerada jornada especial de trabalho, cujo tempo justo seria de 6 (seis) horas, “pois a necessidade de labor não se restringe aos dias úteis da semana, mas inclui também domingos e feriados” (entendeu-se que fixar esta jornada ordinária de trabalho em 08 horas seria desproporcional);
– que, sendo a jornada normal de trabalho de seis horas, o tempo excedente trabalhado seria contado como nova jornada para fins de remição, em perfazendo o numeral de 06 (seis) horas, tido como adequado ao caso;
– que foi reformada a tese adotada na espécie pelo STJ, segundo a qual “a primeira jornada de trabalho (jornada ordinária) seria de 8 horas e a cada 6 horas excedidas computaria mais um dia de trabalho para efeito de remição”;
– que, ao final, restou consagrado que o apenado teria direito a remir sua pena na seguinte proporção: 06 (seis) horas de trabalho = 01 (uma) jornada laboral. Portanto, 18 (dezoito) horas de trabalho = 01 (um) dia de pena remido.
Vê-se, por conseguinte, que neste caso específico (repita-se) a cada múltiplo de 06 (seis) horas laboradas contou-se 01 (um) dia de trabalho efetivo.
4.2. Estudo.
Entende-se por “freqüência escolar” as “atividades de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional” (art. 126, § 1º, I, da LEP). Ademais, tal freqüência escolar pode ser “de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância”, devendo sempre “ser certificada pelas autoridades educacionais competentes dos cursos freqüentados” (art. 126, § 2º, I, da LEP).
A lei previu, ainda, um acréscimo de 1/3 quanto ao tempo a ser remido pelo estudo “no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação” (art. 126, § 5º, da LEP). Tem-se, aqui, um prêmio ao condenado que obteve sucesso nos estudos, um estímulo ao “formando-apenado”.
Por fim, reza a LEP que eventual acidente pessoal que impeça o apenado de prosseguir nos estudos ou trabalho não constitui causa suficiente para suspensão da remição; ainda, assim, o preso continua a se beneficiar da remição (art. 126, § 4º, da LEP).
5. CUMULAÇÃO.
Sendo possível compatibilizar trabalho e estudo, ambos serão analisados cumulativamente para fins de remição (art. 126, § 3º, da LEP). Ou seja, é possível que, em um mesmo dia (obviamente que em períodos alternados e compatíveis), o preso trabalhe e estude, sendo as duas atividades consideradas para fins de remição. Exemplo: no período da manhã (das 07h às 13h) o preso trabalha enquanto que no período noturno (das 17h às 21h) freqüenta curso de ensino técnico profissionalizante.
6. APLICAÇÃO/ALCANCE.
A remição pelo trabalho e estudo destina-se classicamente aos condenados que cumprem pena em regime fechado e semi aberto. Entretanto, segundo o § 6º do art. 126 da LEP, também os condenados que cumprem pena em regime aberto e àqueles em gozo de livramento condicional poderão usufruir da remição unicamente pelo estudo (vedada a remição pelo trabalho nestes casos). O STF e STJ confirmam a redação literal do artigo 126 da LEP, conforme pode se ver dos julgados abaixo:
– “o condenado que cumpre pena em regime aberto não faz jus à remição pelo trabalho”;[3]
– “segundo orientação desta Corte, bem assim do Supremo Tribunal Federal, o art. 126 da LEP prevê a remição da pena pelo trabalho somente aos apenados que se encontram nos regimes fechado ou semi aberto, situação mantida com a entrada em vigor da Lei 12.433/2011”;[4]
– “É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o réu condenado ao regime prisional aberto não pode se beneficiar da remição da pena pelo trabalho”.[5]
Vê-se, portanto, que a nova lei mais do que consagrar a remição pelo estudo, considerou-a de maior amplitude ou alcance do que a própria remição pelo trabalho.
7. EFEITO/CONTAGEM DO TEMPO REMIDO.
A lei é clara: tempo remido = tempo cumprido (para todos os efeitos), nos termos do art. 128 da LEP. Ou seja: a remição constitui-se em forma alternativa para cumprimento da execução penal, e não em forma de diminuição da pena global fixada. O que faz toda a diferença quando da análise de benefícios processuais penais, como a progressão de regime e livramento condicional. A primeira posição, hoje indiscutivelmente adotada pela lei, é mais benéfica ao condenado.
Antes, havia séria divergência na doutrina e parte da jurisprudência quanto ao tema “contagem da remição”. Duas eram as posições:
a) o lapso temporal de remição seria diminuído/abatido do total da pena fixada (isto é: descontado do montante global de pena, como se menor fosse a sanção aplicada);
b) o lapso temporal de remição seria tido como período já cumprido de pena, portanto somado a este tempo (em contraposição ao quantum fixado).
A nova lei optou, como dissemos, pela tese da pena cumprida (b), que já era reconhecida pelo STJ, conforme se infere do julgado abaixo: “Esta Corte já tinha firmado o entendimento segundo o qual o tempo remido deve ser considerado como pena efetivamente cumprida para fins de obtenção dos benefícios da execução e não simplesmente como tempo a ser descontado do total da pena”.[6]
8. FALTA GRAVE.
A novel redação do artigo 127 da LEP, também nitidamente mais benéfica ao apenado, prevê que “em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar”.
A antiga redação legal era muito mais rígida, ao dispor a perda integral ou a revogação completa dos dias remidos pelo cometimento de falta grave. Confira: “O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar”.
Em primeiro lugar, tem-se, in casu, mais uma hipótese típica de retroatividade da lei penal/material benéfica ao condenado. Nesse sentido já se pronunciou o STJ, in verbis: “Sendo mais benéfica ao paciente, a nova redação do art. 127 da LEP retroage por força do art. 5º XL, da CF e parágrafo único do art. 2º do CP, alcançando fatos anteriores a sua entrada em vigor”.[7] Registre-se que, além do dispositivo constitucional e penal, também são fundamentos para esta medida obrigatória de revisão judicial o próprio art. 66, I, da LEP e a Súmula n. 611 do STF.
Vale destacar, ainda, a abordagem prática do professor Luiz Flávio Gomes, segundo o qual: “Retroagindo, significa dizer que todos os presos que tiveram seus dias remidos abatidos em quantidade superior aos estabelecidos pelo novo dispositivo, ou até mesmo suprimidos esses dias, deverão ter restabelecidos esses direitos em seu limite máximo, ou seja, a punição deve ser a perda máxima de 1/3 pelo cometimento de falta disciplinar considerada grave. Muito trabalho pela frente”.[8]
Passemos, agora, à análise da nova redação. Iniciemos por algumas considerações básicas:
– As faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e graves, sendo que estas últimas encontram-se taxativamente definidas nos artigos 50 (falta grave no cumprimento de pena privativa de liberdade) e 51 (falta grave no cumprimento de pena restritiva de direitos) da LEP. Apenas diante de faltas graves é que se pode argüir eventual revogação dos dias remidos. Faltas leves e médias não repercutem no âmbito da remição;
– A lei prevê expressamente que os critérios do artigo 57 da LEP (baliza das sanções disciplinares) deverão (ou também deverão) ser levados em conta pelo juízo das execuções quando da fixação sobre a quantidade de dias remidos que serão revogados em virtude de falta grave. São eles: “a natureza, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão”. Apenas um parêntesis: é claro que os postulados de proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e adequação ao caso concreto também não podem ser desprezados; aliás, pelo contrário, são tidos como critérios gerais que devem estar presentes em toda e qualquer espécie de juízo valorativo humano, com maior razão ainda nas decisões judiciais;
– Em sendo decretada a perda do quantum remido, a nova contagem para fins de obtenção deste benefício (ou direito subjetivo condicionado do apenado) se dá, por óbvio, da data da infração disciplinar grave. Assim, por exemplo, em caso de fuga do preso a nova data-base será o dia da recaptura do evadido.
Agora a velha e tormentosa pergunta sempre presente quando o legislador brasileiro é incauto: o termo “poderá” indica poder-dever (obrigação) ou faculdade judicial? Tem o juiz das execuções criminais a possibilidade de não decretar a revogação dos dias remidos, mesmo diante da comprovação de falta grave? Em outras palavras: estamos diante de ato judicial vinculado ou discricionário?
A lei dá margem à discussão. Parece-nos que, uma vez provada materialidade e autoria da falta grave, sendo esta imputada ao apenado, só resta uma conseqüência jurídica: a perda dos dias remidos. A proporção, entretanto, de revogação da remição é que poderá variar até a fração de 1/3 (um terço). A vinculação judicial (deverá) seria quanto à revogação da remição. Já a discricionariedade ficaria no âmbito do quantum. Ou não? Será que há faculdade judicial quanto à sanção de perda da remição (inclusive)? Há quem defenda que sim. Veja, por exemplo, a sempre respeitada opinião do professor Renato Flávio Marcão, o qual sustenta: “Apurada a falta, poderá ou não o juiz determinar a perda de dias remidos. Esta conseqüência deixou de ser automática e agora é uma faculdade conferida ao magistrado, guiada pelas norteadoras do art. 57 da LEP”.[9]
De qualquer forma, a novatio legis esvaziou por completo o sentido da súmula vinculante n. 09 do STF, datada de junho de 2008, a qual estabelece (ou estabelecia): “O disposto no artigo 127 da lei nº 7.210/1984 (lei de execução penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”.
[1] STJ – Quinta Turma – HC 178876/RS – Rel Min. Gilson Dipp – j. em 04.10.2011 – DJe de 14.10.2011.
[2] STF – Segunda Turma – HC 96740/RS – Rel. Min. Gilmar Mendes – j. em 15.03.2011 – DJe de 04.04.2011.
[3] STJ – Sexta Turma – HC 197641/RS – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – j. em 13.09.2011 – DJe de 28.09.2011.
[4] STJ – Sexta Turma – HC 206084/RS – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – j. em 02.08.2011 – DJe de 17.08.2011.
[5] STF – Segunda Turma – HC 101368/RS – Rel. Min. Ayres Britto – j. em 01.02.2011 – DJe-081 de 02.05.2011.
[6] STJ – Sexta Turma – HC 205895/SP – Rel Min. Og Fernandes – j. em 23.08.2011 – DJe de 08.09.2011.
[7] STJ – Quinta Turma – HC 201323/RS – Rel Min. Gilson Dipp – j. em 23.08.2011 – DJe de 31.08.2011.
[8] GOMES, Luiz Flávio; PAIVA, Gustavo. Remição pelo trabalho e pelo estudo: avalanche de trabalho nas execuções criminais. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2999, 17 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20018>. Acesso em: 30 out. 2011.
[9] MARCÃO, Renato. Lei nº 12.433/2011: remição de pena pelo estudo. Cômputo e perda dos dias remidos. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2925, 5 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19480>. Acesso em: 30 out. 2011.
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