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Informativos Penais Comentados do Superior Tribunal de Justiça

por Editoria Delegados

 

DIREITO PENAL. MAIOR GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA DE PROMOTOR DE JUSTIÇA EM CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA.

O fato de o crime de corrupção passiva ter sido praticado por Promotor de Justiça no exercício de suas atribuições institucionais pode configurar circunstância judicial desfavorável na dosimetria da pena. Isso porque esse fato revela maior grau de reprovabilidade da conduta, a justificar o reconhecimento da acentuada culpabilidade, dada as específicas atribuições do promotor de justiça, as quais são distintas e incomuns se equiparadas aos demais servidores públicos latu sensu. Assim, a referida circunstância não é inerente ao próprio tipo penal. REsp 1.251.621-AM, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/10/2014. (Informativo no 552).

 

DIREITO PENAL. CONFISSÃO QUALIFICADA.

A confissão qualificada – aquela na qual o agente agrega teses defensivas discriminantes ou exculpantes –, quando efetivamente utilizada como elemento de convicção, enseja a aplicação da atenuante prevista na alínea d do inciso III do artigo 65 do CP. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.384.067-SE, Quinta Turma, DJe 12/2/2014; e AgRg no REsp 1.416.247-GO, Sexta Turma, DJe 15/5/2014. AgRg no REsp 1.198.354-ES, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/10/2014 (Informativo no 551).

 

DIREITO PENAL. CAUSA DE AUMENTO DE PENA RELATIVA AO TRANSPORTE DE VALORES.

Deve incidir a majorante prevista no inciso III do § 2o do art. 157 do CP na hipótese em que o autor pratique o roubo ciente de que as vítimas, funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), transportavam grande quantidade de produtos cosméticos de expressivo valor econômico e liquidez. O inciso III do § 2o do art. 157 do CP disciplina que a pena aumenta-se de um terço até metade “se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância”. O termo “valores” não se restringe a dinheiro em espécie, devendo-se incluir bens que possuam expressão econômica (HC 32.121-SP, Quinta Turma, DJ 28/6/2004). Nesse contexto, cumpre considerar que, na hipótese em análise, a grande quantidade de produtos cosméticos subtraídos possuem expressivo valor econômico e liquidez, já que podem ser facilmente negociáveis e convertidos em pecúnia. Deve, portanto, incidir a majorante pelo serviço de transporte de valores. REsp 1.309.966-RJ, Min. Rel. Laurita Vaz, julgado em 26/8/2014 (Informativo no 548).

 

DIREITO PENAL. POSSIBILIDADE DE ESTABELECIMENTO DE REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO EM RAZÃO DA GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA DELITUOSA.

Ainda que consideradas favoráveis as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP), é admissível a fixação do regime prisional fechado aos não reincidentes condenados por roubo a pena superior a quatro anos e inferior a oito anos se constatada a gravidade concreta da conduta delituosa, aferível, principalmente, pelo uso de arma de fogo. Precedentes citados: HC 274.908-SP, Quinta Turma, DJe 2/9/2014; HC 293.512-SP, Quinta Turma, DJe 1o/7/2014; e HC 262.939-SP, Sexta Turma, DJe 25/4/2014. HC 294.803-SP, Rel. Min. Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ-SC), julgado em 18/9/2014 (Informativo no 548).

 

DIREITO PENAL. NECESSIDADE DE GRADAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 46 DA LEI 11.343/2006 CONFORME O GRAU DE INCAPACIDADE DO RÉU.

Reconhecida a semi-imputabilidade do réu, o Juiz não pode aplicar a causa de diminuição de pena prevista no art. 46 da Lei 11.343/2006 em seu grau mínimo (1/3) sem expor qualquer dado substancial, em concreto, que justifique a adoção dessa fração. De acordo com o referido artigo, a pena pode ser reduzida de um terço a dois terços se, por força de determinadas circunstâncias, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. A diminuição da pena, nessa situação, deve ser avaliada de acordo com o grau de deficiência intelectiva do réu, vale dizer, de sua capacidade de autodeterminação. Nesse contexto, a ausência da justificativa para aplicação do redutor em seu grau mínimo viola o princípio do livre convencimento motivado, malferindo o disposto no art. 93, IX, da CF. HC 167.376-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 23/9/2014 (Informativo no 547).

 

DIREITO PENAL. REINCIDÊNCIA DECORRENTE DE CONDENAÇÃO POR PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO.

A condenação por porte de drogas para consumo próprio (art. 28 da Lei 11.343/2006) transitada em julgado gera reincidência. Isso porque a referida conduta foi apenas despenalizada pela nova Lei de Drogas, mas não descriminalizada (abolitio criminis). Precedentes citados: HC 292.292-SP, Sexta Turma, DJe 25/6/2014; HC 266.827-SP, Sexta Turma, DJe 11/4/2014; e HC 194.921-SP, Quinta Turma, DJe 23/8/2013. HC 275.126-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 18/9/2014 (Informativo no 549).

 

DIREITO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE CRIMES DE ESPÉCIES DIVERSAS.

Não há continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, ainda que praticados em conjunto. Isso porque, nos termos da pacífica jurisprudência do STJ, os referidos crimes, conquanto de mesma natureza, são de espécies diversas, o que impossibilita a aplicação da regra do crime continuado, ainda quando praticados em conjunto. Precedentes citados: HC 281.130-SP, Quinta Turma, DJe 31/3/2014; e HC 222.128-MS, Sexta Turma, DJe 21/10/2013. HC 77.467-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 2/10/2014 (Informativo no 549).

 

DIREITO PENAL. CAUSA DE AUMENTO DA PENA DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS EM TRANSPORTE PÚBLICO.

A utilização de transporte público com a única finalidade de levar a droga ao destino, de forma oculta, sem o intuito de disseminá-la entre os passageiros ou frequentadores do local, não implica a incidência da causa de aumento de pena do inciso III do artigo 40 da Lei 11.343/2006. Precedente citado do STJ: REsp 1.345.827-AC, Quinta Turma, DJe 27/3/2014. Precedentes citados do STF: HC 119.782-MS, Primeira Turma, DJe 3/2/2014; e HC 119.811-MS, Segunda Turma, DJe 1o/7/2014.. REsp 1.443.214-MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 4/9/2014 (Vide Informativo n. 543) (Informativo no 547).

 

DIREITO PENAL. AGRAVANTES NO CRIME DE INTRODUÇÃO DE MOEDA FALSA EM CIRCULAÇÃO.

Nos casos de prática do crime de introdução de moeda falsa em circulação (art. 289, § 1o, do CP), é possível a aplicação das agravantes dispostas nas alíneas “e” e “h” do inciso II do art. 61 do CP, incidentes quando o delito é cometido “contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge” ou “contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida”. De fato, a fé pública do Estado é o bem jurídico tutelado no delito do art. 289, § 1o, do CP. Isso, todavia, não induz à conclusão de que o Estado seja vítima exclusiva do delito. Com efeito, em virtude da diversidade de meios com que a introdução de moeda falsa em circulação pode ser perpetrada, não há como negar que vítima pode ser, além do Estado, uma pessoa física ou um estabelecimento comercial, dado o notório prejuízo experimentado por esses últimos. Efetivamente, a pessoa a quem, eventualmente, são passadas cédulas ou moedas falsas pode ser elemento crucial e definidor do grau de facilidade com que o crime será praticado, e a fé pública, portanto, atingida. A propósito, a maior parte da doutrina não vê empecilho para que figure como vítima nessa espécie de delito a pessoa diretamente ofendida. HC 211.052-RO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/6/2014 (Informativo no 546).

 

DIREITO PENAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS.

O fato de o tráfico de drogas ser praticado com o intuito de introduzir substâncias ilícitas em estabelecimento prisional não impede, por si só, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, devendo essa circunstância ser ponderada com os requisitos necessários para a concessão do benefício. Precedentes citados do STJ: AgRg no REsp 1.370.835-DF, Quinta Turma, DJe 29/5/2013 e AgRg no REsp 1.326.532/DF, Sexta Turma, DJe 14/11/2013. Precedente citado do STF: RHC 112.706, Primeira Turma, DJe 7/3/2013. AgRg no REsp 1.359.941-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 4/2/2014 (Informativo no 536).

 

DIREITO PENAL. CONDENAÇÕES POR FATOS POSTERIORES AO CRIME EM JULGAMENTO.

Na dosimetria da pena, os fatos posteriores ao crime em julgamento não podem ser utilizados como fundamento para valorar negativamente a culpabilidade, a personalidade e a conduta social do réu. Precedentes citados: HC 268.762-SC, Quinta Turma, DJe 29/10/2013 e HC 210.787-RJ, Quinta Turma, DJe 16/9/2013. HC 189.385- RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/2/2014 (Informativo no 535).

 

DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DE AGRAVANTE GENÉRICA NO CASO DE CRIME PRETERDOLOSO.

É possível a aplicação da agravante genérica do art. 61, II, “c”, do CP nos crimes preterdolosos, como o delito de lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o, do CP). De início, nos termos do art. 61, II, “c”, do CP, são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime, ter o agente cometido o crime à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido. De fato, apesar da existência de controvérsia doutrinária e jurisprudencial, entende-se que não há óbice legal ou incompatibilidade qualquer na aplicação da citada agravante genérica aos crimes preterdolosos. Isso porque, nos crimes qualificados pelo resultado na modalidade preterdolosa, a conduta-base dolosa preenche autonomamente o tipo legal e o resultado culposo denota mera consequência que, assim sendo, constitui elemento relevante em sede de determinação da medida da pena. Ademais, o art. 129, § 3o, do CP descreve conduta dolosa que autonomamente preenche o tipo legal de lesões corporais, ainda que dessa conduta exsurja resultado diverso mais grave a título de culpa, consistente na morte da vítima. Assim, no crime de lesão corporal seguida de morte, a ofensa intencional à integridade física da vítima constitui crime autônomo doloso, cuja natureza não se altera com a produção do resultado mais grave previsível mas não pretendido (morte), resolvendo-se a maior reprovabilidade do fato no campo da punibilidade. Além do mais, entende a doutrina que nos casos de lesões qualificadas pelo resultado, o tipo legal de crime é o mesmo (lesão corporal dolosa), não se alterando o tipo fundamental, apenas se lhe acrescentando um elemento de maior punibilidade. REsp 1.254.749-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/5/2014 (Informativo no 535).

 

DIREITO PENAL. EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE FLANELINHA SEM A OBSERVÂNCIA DAS CONDIÇÕES PREVISTAS EM LEI.

O exercício, sem o preenchimento dos requisitos previstos em lei, da profissão de guardador e lavador autônomo de veículos automotores (flanelinha) não configura a contravenção penal prevista no art. 47 do Decreto-Lei 3.688/1941 (exercício ilegal de profissão ou atividade). Consoante ensinamento doutrinário, o núcleo do tipo de exercício ilegal de profissão ou atividade busca coibir o abuso de certas pessoas, ludibriando inocentes que acreditam estar diante de profissionais habilitados, quando, na realidade, trata-se de uma simulação de atividade laboral especializada. No caso do guardador ou lavador de carros, não se pode afirmar que haja uma atividade especializada a exigir conhecimentos técnicos para a sua realização, não sendo a previsão de registro em determinado órgão, por si só, capaz de tornar a conduta penalmente relevante. Precedentes citados do STJ: HC 273.692-MG, Quinta Turma, DJe 2/10/2013; HC 190.186-RS, Quinta Turma, DJe 14/6/2013. Precedente citado do STF: HC 115.046, Segunda Turma, DJe 16/8/2013. RHC 36.280-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 18/2/2014 (Informativo no 536).

 

DIREITO PENAL. ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL CONTRA VULNERÁVEL.

Na hipótese em que tenha havido a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal contra vulnerável, não é possível ao magistrado – sob o fundamento de aplicação do princípio da proporcionalidade – desclassificar o delito para a forma tentada em razão de eventual menor gravidade da conduta. De fato, conforme o art. 217-A do CP, a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal contra vulnerável constitui a consumação do delito de estupro de vulnerável. Entende o STJ ser inadmissível que o julgador, de forma manifestamente contrária à lei e utilizando-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, reconheça a forma tentada do delito, em razão da alegada menor gravidade da conduta (REsp 1.313.369-RS, Sexta Turma, DJe 5/8/2013). Nesse contexto, o magistrado, ao aplicar a pena, deve sopesar os fatos ante os limites mínimo e máximo da reprimenda penal abstratamente prevista, o que já é suficiente para garantir que a pena aplicada seja proporcional à gravidade concreta do comportamento do criminoso. REsp 1.353.575-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/12/2013 (Informativo no 533).

 

DIREITO PENAL. ABSORÇÃO DOS CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E DE USO DE DOCUMENTO FALSO PELO DE SONEGAÇÃO FISCAL.

O crime de sonegação fiscal absorve o de falsidade ideológica e o de uso de documento falso praticados posteriormente àquele unicamente para assegurar a evasão fiscal. Após evolução jurisprudencial, o STJ passou a considerar aplicável o princípio da consunção ou da absorção quando os crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica – crimes meio – tiverem sido praticados para facilitar ou encobrir a falsa declaração, com vistas à efetivação do pretendido crime de sonegação fiscal – crime fim –, localizando-se na mesma linha de desdobramento causal de lesão ao bem jurídico, integrando, assim, o iter criminis do delito fim. Cabe ressalvar que, ainda que os crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica sejam cometidos com o intuito de sonegar o tributo, a aplicação do princípio da consunção somente tem lugar nas hipóteses em que os crimes meio não extrapolem os limites da incidência do crime fim. Aplica-se, assim, mutatis mutandis, o comando da Súmula 17 do STJ (Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido). Precedentes citados: AgRg no REsp 1.366.714-MG, Quinta Turma, DJe 5/11/2013; AgRg no REsp 1.241.771-SC, Sexta Turma, DJe 3/10/2013. EREsp 1.154.361-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 26/2/2014 (Informativo no 535).

 

DIREITO PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).

É típica a conduta do acusado que, no momento da prisão em flagrante, atribui para si falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que em alegada situação de autodefesa. Isso porque a referida conduta não constitui extensão da garantia à ampla defesa, visto tratar-se de conduta típica, por ofensa à fé pública e aos interesses de disciplina social, prejudicial, inclusive, a eventual terceiro cujo nome seja utilizado no falso. Precedentes citados: AgRg no AgRg no AREsp 185.094-DF, Quinta Turma, DJe 22/3/2013; e HC 196.305-MS, Sexta Turma, DJe 15/3/2013. REsp 1.362.524-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/10/2013 (Informativo no 533).

 

 

DIREITO PENAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO POR OMISSÃO DE ANOTAÇÃO NA CTPS.

A simples omissão de anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) não configura, por si só, o crime de falsificação de documento público (art. 297, § 4o, do CP). Isso porque é imprescindível que a conduta do agente preencha não apenas a tipicidade formal, mas antes e principalmente a tipicidade material, ou seja, deve ser demonstrado o dolo de falso e a efetiva possibilidade de vulneração da fé pública. Com efeito, o crime de falsificação de documento público trata-se de crime contra a fé pública, cujo tipo penal depende da verificação do dolo, consistente na vontade de falsificar ou alterar o documento público, sabendo o agente que o faz ilicitamente. Além disso, a omissão ou alteração deve ter concreta potencialidade lesiva, isto é, deve ser capaz de iludir a percepção daquele que se depare com o documento supostamente falsificado. Ademais, pelo princípio da intervenção mínima, o Direito Penal só deve ser invocado quando os demais ramos do Direito forem insuficientes para proteger os bens considerados importantes para a vida em sociedade. Como corolário, o princípio da fragmentariedade elucida que não são todos os bens que têm a proteção do Direito Penal, mas apenas alguns, que são os de maior importância para a vida em sociedade. Assim, uma vez verificado que a conduta do agente é suficientemente reprimida na esfera administrativa, de acordo com o art. 47 da CLT, a simples omissão de anotação não gera consequências que exijam repressão pelo Direito Penal. REsp 1.252.635-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/4/2014 (Informativo no 539).

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESNECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO PARA A CONSUMAÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART. 293, § 1°, III, “B”, DO CP.
É dispensável a constituição definitiva do crédito tributário para que esteja consumado o crime previsto no art. 293, § 1o, III, “b”, do CP. Isso porque o referido delito possui natureza formal, de modo que já estará consumado quando o agente importar, exportar, adquirir, vender, expuser à venda, mantiver em depósito, guardar, trocar, ceder, emprestar, fornecer, portar ou, de qualquer forma, utilizar em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, produto ou mercadoria sem selo oficial. Não incide na hipótese, portanto, a Súmula Vinculante 24 do STF, segundo a qual “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1o, incisos I a IV, da Lei no 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. Com efeito, conforme já pacificado pela jurisprudência do STJ, nos crimes tributários de natureza formal é desnecessário que o crédito tributário tenha sido definitivamente constituído para a instauração da persecução penal. Essa providência é imprescindível apenas para os crimes materiais contra a ordem tributária, pois, nestes, a supressão ou redução do tributo é elementar do tipo penal. REsp 1.332.401-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/8/2014 (Informativo no 546).

 

DIREITO PENAL. ATIPICIDADE DA FALSA DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA PARA OBTENÇÃO DE JUSTIÇA GRATUITA.
É atípica a mera declaração falsa de estado de pobreza realizada com o intuito de obter os benefícios da justiça gratuita. O art. 4o da Lei 1.060/1950 dispõe que a sanção aplicada àquele que apresenta falsa declaração de hipossuficiência é meramente econômica, sem previsão de sanção penal. Além disso, tanto a jurisprudência do STJ e do STF quanto a doutrina entendem que a mera declaração de hipossuficiência inidônea não pode ser considerada documento para fins penais. Precedentes citados do STJ: HC 218.570-SP, Sexta Turma, DJe 5/3/2012; HC 217.657-SP, Sexta Turma, DJe 22/2/2012; e HC 105.592-RJ, Quinta Turma, DJe 19/4/2010. Precedente citado do STF: HC 85.976-MT, Segunda Turma, DJ 24/2/2006. HC 261.074-MS, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), julgado em 5/8/2014 (Informativo no 546).

 

DIREITO PENAL. AGRAVANTES NO CRIME DE INTRODUÇÃO DE MOEDA FALSA EM CIRCULAÇÃO.
Nos casos de prática do crime de introdução de moeda falsa em circulação (art. 289, § 1o, do CP), é possível a aplicação das agravantes dispostas nas alíneas “e” e “h” do inciso II do art. 61 do CP, incidentes quando o delito é cometido “contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge” ou “contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida”. De fato, a fé pública do Estado é o bem jurídico tutelado no delito do art. 289, § 1o, do CP. Isso, todavia, não induz à conclusão de que o Estado seja vítima exclusiva do delito. Com efeito, em virtude da diversidade de meios com que a introdução de moeda falsa em circulação pode ser perpetrada, não há como negar que vítima pode ser, além do Estado, uma pessoa física ou um estabelecimento comercial, dado o notório prejuízo experimentado por esses últimos. Efetivamente, a pessoa a quem, eventualmente, são passadas cédulas ou moedas falsas pode ser elemento crucial e definidor do grau de facilidade com que o crime será praticado, e a fé pública, portanto, atingida. A propósito, a maior parte da doutrina não vê empecilho para que figure como vítima nessa espécie de delito a pessoa diretamente ofendida. HC 211.052-RO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/6/2014 (Informativo no 546).

 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DE QUEIXA-CRIME RELACIONADA À SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME CONTRA A HONRA.

A queixa-crime que impute ao querelado a prática de crime contra a honra deve ser rejeitada na hipótese em que o querelante se limite a transcrever algumas frases, escritas pelo querelado em sua rede social, segundo as quais o querelante seria um litigante habitual do Poder Judiciário (fato notório, publicado em inúmeros órgãos de imprensa), sem esclarecimentos que possibilitem uma análise do elemento subjetivo da conduta do querelado consistente no intento positivo e deliberado de lesar a honra do ofendido. A nova sistemática do processo penal traz os aspectos nos quais o magistrado deve se debruçar na fase de prelibação. O inciso I do art. 395 do CPP, a propósito, dispõe que a denúncia ou queixa será rejeitada quando “for manifestamente inepta”. Na situação em análise, a queixa-crime não atende ao comando estabelecido pelo art. 41 do CPP, segundo o qual a “denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”. Isso porque, embora se exija, para a caracterização de crime contra a honra, demonstração do intento positivo e deliberado de lesar a honra alheia (animus injuriandi vel diffamandi), não existem, na queixa-crime em apreço, esclarecimentos que possibilitem uma análise do elemento subjetivo da conduta do querelado consistente no intento positivo e deliberado de lesar a honra do ofendido. AP 724-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 20/8/2014 (Informativo no 547).

 

DIREITO PENAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME DE CALÚNIA.

A manifestação do advogado em juízo para defender seu cliente não configura crime de calúnia se emitida sem a intenção de ofender a honra. Isso porque, nessa situação, não se verifica o elemento subjetivo do tipo penal. Com efeito, embora a imunidade do advogado no exercício de suas funções incida somente sobre os delitos de injúria e de difamação (art. 142, I, do CP), para a configuração de quaisquer das figuras típicas dos crimes contra a honra – entre eles, a calúnia – faz-se necessária a intenção de ofender o bem jurídico tutelado. Nesse contexto, ausente a intenção de caluniar (animus caluniandi), não pode ser imputado ao advogado a prática de calúnia. Rcl 15.574-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 9/4/2014 (Informativo no 539).

 

DIREITO PENAL. CARACTERIZAÇÃO DO TIPO PENAL DO ART. 102 DO ESTATUTO DO IDOSO.

Incorre no tipo penal previsto no art. 102 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) – e não no tipo penal de furto (art. 155 do CP) – o estagiário de instituição financeira que se utiliza do cartão magnético e da senha de acesso à conta de depósitos de pessoa idosa para realizar transferências de valores para sua conta pessoal. O tipo penal previsto no art. 102 da Lei 10.741/2003 tem a seguinte redação: “Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade”. Na hipótese, o autor do delito desviou bens da vítima. Para essa conduta, não há necessidade de prévia posse por parte do agente, restrita à hipótese de apropriação. Da mesma forma, é evidente que a transferência dos valores da conta bancária da vítima para conta pessoal do autor desviou os bens de sua finalidade. Não importa perquirir qual seria a real destinação desses valores (finalidade), pois, independente de qual fosse, foram eles dela desviados, ao serem, por meio de fraude, transferidos para a conta do autor. REsp 1.358.865-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 4/9/2014 (Informativo no 547).

 

DIREITO PENAL. INVASÃO DE GABINETE DE DELEGADO DE POLÍCIA.

Configura o crime de violação de domicílio (art. 150 do CP) o ingresso e a permanência, sem autorização, em gabinete de Delegado de Polícia, embora faça parte de um prédio ou de uma repartição públicos. O § 4o do art. 150 do CP, em seu inciso III, dispõe que a expressão “casa” compreende o “compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”. Ora, se o compartimento deve ser fechado ao público, depreende-se que faz parte de um prédio ou de uma repartição públicos, ou então que, inserido em ambiente privado, possua uma parte conjugada que seja aberta ao público. Assim, verifica-se que, sendo a sala de um servidor público – no caso, o gabinete de um Delegado de Polícia – um compartimento com acesso restrito e dependente de autorização, e, por isso, um local fechado ao público, onde determinado indivíduo exerce suas atividades laborais, há o necessário enquadramento no conceito de “casa” previsto no art. 150 do Estatuto Repressivo. Com efeito, entendimento contrário implicaria a ausência de proteção à liberdade individual de todos aqueles que trabalham em prédios públicos, já que poderiam ter os recintos ou compartimentos fechados em que exercem suas atividades invadidos por terceiros não autorizados a qualquer momento, o que não se coaduna com o objetivo da norma penal incriminadora em questão. Ademais, em diversas situações o serviço público ficaria inviabilizado, pois bastaria que um cidadão ou que grupos de cidadãos desejassem manifestar sua indignação ou protestar contra determinada situação para que pudessem ingressar em qualquer prédio público, inclusive nos espaços restritos à população, sem que tal conduta caracterizasse qualquer ilícito, o que, como visto, não é possível à luz da legislação penal em vigor. HC 298.763-SC, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 7/10/2014 (Informativo no 549).

 

 

 

DIREITO PENAL. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 12.015/2009.

O condenado por estupro e atentado violento ao pudor, praticados no mesmo contexto fático e contra a mesma vítima, tem direito à aplicação retroativa da Lei 12.015/2009, de modo a ser reconhecida a ocorrência de crime único, devendo a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal ser valorada na aplicação da pena-base referente ao crime de estupro. De início, cabe registrar que, diante do princípio da continuidade normativa, não há falar em abolitio criminis quanto ao crime de atentado violento ao pudor cometido antes da alteração legislativa conferida pela Lei 12.015/2009. A referida norma não descriminalizou a conduta prevista na antiga redação do art. 214 do CP (que tipificava a conduta de atentado violento ao pudor), mas apenas a deslocou para o art. 213 do CP, formando um tipo penal misto, com condutas alternativas (estupro e atentado violento ao pudor). Todavia, nos termos da jurisprudência do STJ, o reconhecimento de crime único não implica desconsideração absoluta da conduta referente à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, devendo tal conduta ser valorada na dosimetria da pena aplicada ao crime de estupro, aumentando a pena-base. Precedentes citados: HC 243.678-SP, Sexta Turma, DJe 13/12/2013; e REsp 1.198.786-DF, Quinta Turma, DJe 10/04/2014. HC 212.305-DF, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE), julgado em 24/4/2014 (Informativo no 543).

 

DIREITO PENAL. ABSORÇÃO DOS CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E DE USO DE DOCUMENTO FALSO PELO DE SONEGAÇÃO FISCAL.

O crime de sonegação fiscal absorve o de falsidade ideológica e o de uso de documento falso praticados posteriormente àquele unicamente para assegurar a evasão fiscal. Após evolução jurisprudencial, o STJ passou a considerar aplicável o princípio da consunção ou da absorção quando os crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica – crimes meio – tiverem sido praticados para facilitar ou encobrir a falsa declaração, com vistas à efetivação do pretendido crime de sonegação fiscal – crime fim –, localizando-se na mesma linha de desdobramento causal de lesão ao bem jurídico, integrando, assim, o iter criminis do delito fim. Cabe ressalvar que, ainda que os crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica sejam cometidos com o intuito de sonegar o tributo, a aplicação do princípio da consunção somente tem lugar nas hipóteses em que os crimes meio não extrapolem os limites da incidência do crime fim. Aplica-se, assim, mutatis mutandis, o comando da Súmula 17 do STJ (Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido). Precedentes citados: AgRg no REsp 1.366.714-MG, Quinta Turma, DJe 5/11/2013; AgRg no REsp 1.241.771-SC, Sexta Turma, DJe 3/10/2013. EREsp 1.154.361-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 26/2/2014 (Informativo no 535).

 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. DEMONSTRAÇÃO DA MATERIALIDADE DO CRIME PREVISTO NO ART. 7o, IX, DA LEI 8.137/1990.

Para a demonstração da materialidade do crime previsto no art. 7o, IX, da Lei 8.137/1990, é imprescindível a realização de perícia para atestar se as mercadorias apreendidas estavam em condições impróprias para o consumo. Precedentes citados do STJ: AgRg no REsp 1.175.679-RS, Sexta Turma, DJe 28/3/2012; e HC 132.257-SP, Quinta Turma, DJe 8/9/2011. Precedente citado do STF: HC 90.779-PR, Primeira Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as Relações de Consumo, Turma, DJe 23/10/2008. AgRg no Resp 1.111.736-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/12/2013 (Informativo no 533).

 

DIREITO PENAL. PRETENSÃO EXECUTÓRIA PERANTE REQUERIMENTO DE ADESÃO A PROGRAMA DE PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO.

O simples requerimento de inclusão no parcelamento instituído pela Lei 11.941/2009, sem demonstração da correspondência dos débitos tributários sonegados com os débitos objeto do requerimento, não acarreta a suspensão da execução de pena aplicada por crime contra a ordem tributária. O fato de já ter havido trânsito em julgado da condenação não impede que haja a suspensão do feito em caso de concessão do parcelamento. Isso se justifica pela possibilidade, sem qualquer limitação de tempo, de haver extinção da punibilidade pelo pagamento integral dos débitos tributários, segundo o art. 69 da Lei 11.941/2009 (“Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento”). No entanto, pela análise conjunta dos arts. 1o, § 11 (“A pessoa jurídica optante pelo parcelamento previsto neste artigo deverá indicar pormenorizadamente, no respectivo requerimento de parcelamento, quais débitos deverão ser nele incluídos”), e 68, caput (“É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto- Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1o a 3o desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei”), da Lei 11.941/2009, é necessária a comprovação de que o débito objeto de parcelamento diga respeito à ação penal ou execução que se pretende ver suspensa, sendo insuficiente a mera adesão ao Programa de Recuperação Fiscal III. Precedente citado: REsp 1.165.914-ES, Sexta Turma, DJe 7/3/3012. REsp 1.234.696- RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 17/12/2013 (Informativo no 533).

 

DIREITO PENAL. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA CONSTITUIÇÃO DO

CRÉDITO TRIBUTÁRIO PARA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE DESCAMINHO.

É desnecessária a constituição definitiva do crédito tributário por processo administrativo fiscal para a configuração do delito de descaminho (art. 334 do CP). Se para os crimes contra a ordem tributária previstos nos incisos I a IV do art. 1o da Lei 8.137/1990 elegeu-se o esgotamento da via administrativa como condição objetiva de punibilidade, esse mesmo raciocínio não deve ser empregado para todos os crimes que, de uma maneira ou de outra, acabam por vulnerar o sistema de arrecadação de receitas, tal como ocorre com o descaminho. Com efeito, quanto ao exercício do direito de punir do Estado, não se pode estabelecer igualdade de tratamento para crimes autônomos sem que haja determinação legal nesse sentido, baseando-se o intérprete, exclusivamente, na característica inerente ao objeto do crime – seja objeto jurídico (valor ou interesse tutelado), seja objeto material (pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta). Ademais, o objeto jurídico tutelado no descaminho é a administração pública considerada sob o ângulo da função administrativa, que, vista pelo prisma econômico, resguarda o sistema de arrecadação de receitas; pelo prisma da concorrência leal, tutela a prática comercial isonômica; e, por fim, pelo ângulo da probidade e moralidade administrativas, garante, em seu aspecto subjetivo, o comportamento probo e ético das pessoas que se relacionam com a coisa pública. Por isso, não há razão para se restringir o âmbito de proteção da norma proibitiva do descaminho (cuja amplitude de tutela alberga outros valores, além da arrecadação fiscal, que são tão importantes no cenário brasileiro atual), equiparando- o, de forma simples e impositiva, aos crimes tributários. Além do mais, diversamente do que ocorre com os crimes de sonegação fiscal propriamente ditos, havendo indícios de descaminho, cabe à fiscalização, efetivada pela Secretaria da Receita Federal, apreender, quando possível, os produtos ou mercadorias importadas/exportadas (art. 15 do Decreto 7.482/2011). A apreensão de bens enseja a lavratura de representação fiscal ou auto de infração, a desaguar em duplo procedimento: a) envio ao Ministério Público e b) instauração de procedimento de perdimento, conforme dispõe o art. 1o, § 4o, III, do Decreto-Lei 37/1966. Uma vez efetivada a pena de perdimento, inexistirá a possibilidade de constituição de crédito tributário. Daí a conclusão de absoluta incongruência no argumento de que é imprescindível o esgotamento da via administrativa, com a constituição definitiva de crédito tributário, para se proceder à persecutio criminis no descaminho, porquanto, na imensa maioria dos casos, sequer existirá crédito a ser constituído. De mais a mais, a descrição típica do descaminho exige a realização de engodo para supressão – no todo ou em parte – do pagamento de direito ou imposto devido no momento da entrada, saída ou consumo da mercadoria. Impõe, portanto, a ocorrência desse episódio, com o efetivo resultado ilusório, no transpasse das barreiras alfandegárias. Desse modo, a ausência do pagamento do imposto ou direito no momento do desembaraço aduaneiro, quando exigível, revela-se como o resultado necessário para consumação do crime. Por todo o exposto, a instauração de procedimento administrativo para constituição definitiva do crédito tributário no descaminho, nos casos em que isso é possível, não ocasiona nenhum reflexo na viabilidade de persecução penal. Precedente citado do STJ: AgRg no REsp 1.435.343-PR, Quinta Turma, Dje 30/5/2014. Precedente citado do STF: HC 99.740-SP, Segunda Turma, DJe 23/11/2010. REsp 1.343.463-BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/3/2014 (Informativo no 548).

 

DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CASO DE CRIMES RELACIONADOS A TRIBUTOS QUE NÃO SEJAM DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO.

É inaplicável o patamar estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, no valor de R$ 10 mil, para se afastar a tipicidade material, com base no princípio da insignificância, de delitos concernentes a tributos que não sejam da competência da União. De fato, o STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.112.748-TO, Terceira Seção, DJe 13/10/2009, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, consolidou o entendimento de que deve ser aplicado o princípio da insignificância aos crimes referentes a débitos tributários que não excedam R$ 10 mil, tendo em vista o disposto no art. 20 da Lei 10.522/2002. Contudo, para a aplicação desse entendimento aos delitos tributários concernentes a tributos que não sejam da competência da União, seria necessária a existência de lei do ente federativo competente, porque a arrecadação da Fazenda Nacional não se equipara à dos demais entes federativos. Ademais, um dos requisitos indispensáveis à aplicação do princípio da insignificância é a inexpressividade da lesão jurídica provocada, que pode se alterar de acordo com o sujeito passivo, situação que reforça a impossibilidade de se aplicar o referido entendimento de forma indiscriminada à sonegação dos tributos de competência dos diversos entes federativos. Precedente citado: HC 180.993-SP, Quinta Turma, DJe 19/12/2011. HC 165.003-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/3/2014 (Informativo no 540).

 

SÚMULA n. 511

É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2o do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.

 

DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DE CRIME ÚNICO EM ROUBO PRATICADO NO INTERIOR DE ÔNIBUS.

Em roubo praticado no interior de ônibus, o fato de a conduta ter ocasionado violação de patrimônios distintos – o da empresa de transporte coletivo e o do cobrador – não descaracteriza a ocorrência de crime único se todos os bens subtraídos estavam na posse do cobrador. É bem verdade que a jurisprudência do STJ e do STF entende que o roubo perpetrado com violação de patrimônios de diferentes vítimas, ainda que em um único evento, configura concurso formal de crimes, e não crime único. Todavia, esse mesmo entendimento não pode ser aplicado ao caso em que os bens subtraídos, embora pertençam a pessoas distintas, estavam sob os cuidados de uma única pessoa, a qual sofreu a grave ameaça ou violência. Precedente citado: HC 204.316-RS, Sexta Turma, DJe 19/9/2011. AgRg no REsp 1.396.144-DF, Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme (Desembargador Convocado do TJ/SP), julgado em 23/10/2014 (Informativo no 551).

 

DIREITO PENAL. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

Aplica-se o princípio da insignificância à conduta formalmente tipificada como furto consistente na subtração, por réu primário e sem antecedentes, de um par de óculos avaliado em R$ 200,00. A lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social, razão pela qual os princípios da insignificância e da intervenção mínima surgem para evitar situações dessa natureza, atuando como instrumentos de interpretação restrita do tipo penal. Posto isso, conveniente trazer à colação excerto de julgado do STF (HC 98.152-MG, DJ 5/6/2009), no qual foram apresentados os requisitos necessários para a aferição do relevo material da tipicidade penal: “O postulado da insignificância – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal”. Na hipótese em análise, verifica-se a presença dos referidos vetores, de modo a atrair a incidência do princípio da insignificância. AgRg no RHC 44.461-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/5/2014 (Informativo no 542).

 

DIREITO PENAL. TIPICIDADE DA CONDUTA DESIGNADA COMO “ROUBO DE USO”.

É típica a conduta denominada “roubo de uso”. De início, cabe esclarecer que o crime de roubo (art. 157 do CP) é um delito complexo que possui como objeto jurídico tanto o patrimônio como a integridade física e a liberdade do indivíduo. Importa assinalar, também, que o ânimo de apossamento – elementar do crime de roubo – não implica, tão somente, o aspecto de definitividade, pois se apossar de algo é ato de tomar posse, de dominar ou de assenhorar-se do bem subtraído, que pode trazer o intento de ter o bem para si, de entregar para outrem ou apenas de utilizá-lo por determinado período. Se assim não fosse, todos os acusados de delito de roubo, após a prisão, poderiam afirmar que não pretendiam ter a posse definitiva dos bens subtraídos para tornar a conduta atípica. Ressalte-se, ainda, que o STF e o STJ, no que se refere à consumação do crime de roubo, adotam a teoria da apprehensio, também denominada de amotio, segundo a qual se considera consumado o delito no momento em que o agente obtém a posse da res furtiva, ainda que não seja mansa e pacífica ou haja perseguição policial, sendo prescindível que o objeto do crime saia da esfera de vigilância da vítima. Ademais, a grave ameaça ou a violência empregada para a realização do ato criminoso não se compatibilizam com a intenção de restituição, razão pela qual não é possível reconhecer a atipicidade do delito “roubo de uso”. REsp 1.323.275-GO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/4/2014 (Informativo no 539).

 

DIREITO PENAL. HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

Aplica-se o princípio da insignificância à conduta formalmente tipificada como furto tentado consistente na tentativa de subtração de chocolates, avaliados em R$ 28,00, pertencentes a um supermercado e integralmente recuperados, ainda que o réu tenha, em seus antecedentes criminais, registro de uma condenação transitada em julgado pela prática de crime da mesma natureza. A intervenção do Direito Penal há de ficar reservada para os casos realmente necessários. Para o reconhecimento da insignificância da ação, não se pode levar em conta apenas a expressão econômica da lesão. Todas as peculiaridades do caso concreto devem ser consideradas, como, por exemplo, o grau de reprovabilidade do comportamento do agente, o valor do objeto, a restituição do bem, a repercussão econômica para a vítima, a premeditação, a ausência de violência e o tempo do agente na prisão pela conduta. Nem a reincidência nem a reiteração criminosa, tampouco a habitualidade delitiva, são suficientes, por si sós e isoladamente, para afastar a aplicação do denominado princípio da insignificância. Nesse contexto, não obstante a certidão de antecedentes criminais indicar uma condenação transitada em julgado em crime de mesma natureza, na situação em análise, a conduta do réu não traduz lesividade efetiva e concreta ao bem jurídico tutelado. Ademais, há de se ressaltar que o mencionado princípio não fomenta a atividade criminosa. São outros e mais complexos fatores que, na verdade, têm instigado a prática delitiva na sociedade moderna. HC 299.185-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 9/9/2014 (Informativo no 548).

 

DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA NO CRIME DE FURTO.

Aplica-se o princípio da insignificância à conduta formalmente tipificada como furto consistente na subtração, por réu primário, de bijuterias avaliadas em R$ 40 pertencentes a estabelecimento comercial e restituídas posteriormente à vítima. De início, há possibilidade de, a despeito da subsunção formal de um tipo penal a uma conduta humana, concluir-se pela atipicidade material da conduta, por diversos motivos, entre os quais a ausência de ofensividade penal do comportamento verificado. Vale lembrar que, em atenção aos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade, o Direito Penal apenas deve ser utilizado contra ofensas intoleráveis a determinados bens jurídicos e nos casos em que os demais ramos do Direito não se mostrem suficientes para protegê-los. Dessa forma, entende-se que o Direito penal não deve ocupar-se de bagatelas. Nesse contexto, para que o magistrado possa decidir sobre a aplicação do princípio da insignificância, faz-se necessária a ponderação do conjunto de circunstâncias que rodeiam a ação do agente para verificar se a conduta formalmente descrita no tipo penal afeta substancialmente o bem jurídico tutelado. Nessa análise, no crime de furto, avalia-se notadamente: a) o valor do bem ou dos bens furtados; b) a situação econômica da vítima; c) as circunstâncias em que o crime foi perpetrado, é dizer, se foi de dia ou durante o repouso noturno, se teve o concurso de terceira pessoa, sobretudo adolescente, se rompeu obstáculo de considerável valor para a subtração da coisa, se abusou da confiança da vítima etc.; e d) a personalidade e as condições pessoais do agente, notadamente se demonstra fazer da subtração de coisas alheias um meio ou estilo de vida, com sucessivas ocorrências (reincidente ou não). Assim, caso seja verificada a inexpressividade do comportamento do agente, fica afastada a intervenção do Direito Penal. Precedentes citados do STJ: AgRg no REsp 1.400.317- MG, Sexta Turma, DJe 13/12/2013; HC 208.770-RJ, Sexta Turma, DJe 12/12/2013. Precedentes citados do STF: HC 115.246-MG, Segunda Turma, DJe 26/6/2013; HC 109.134-RS, Segunda Turma, DJe 1o/3/2012. HC 208.569-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 22/4/2014 (Informativo no 540).

 

DIREITO PENAL. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
Não se aplica o princípio da insignificância ao furto de uma máquina de cortar cerâmica avaliada em R$ 130 que a vítima utilizava usualmente para exercer seu trabalho e que foi recuperada somente alguns dias depois da consumação do crime praticado por agente que responde a vários processos por delitos contra o patrimônio. A doutrina e a jurisprudência do STF e do STJ admitem a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância como critério para a verificação judicial da relevância penal da conduta humana sob julgamento. Para empreender essa tarefa, importa avaliar empiricamente o valor do bem ou dos bens furtados, a situação econômica da vítima, as circunstâncias em que o crime foi perpetrado e a personalidade e as condições pessoais do agente, notadamente se demonstra fazer da subtração de coisas alheias um meio ou estilo de vida, com sucessivas ocorrências (reincidente ou não). Se, do ponto de vista da mera dogmática penal, estes últimos fatos não poderiam ser considerados como óbice ao reconhecimento da insignificância penal – por aparentemente sinalizar a prevalência do direito penal do autor e não do fato –, não deve o juiz, na avaliação da conduta formalmente correspondente a um tipo penal, ignorar o contexto que singulariza a conduta como integrante de uma série de outras de igual natureza, as quais, se não servem para caracterizar a continuidade delitiva, bem evidenciam o comportamento humano avesso à norma penal e ao convívio respeitoso e harmônico que se espera de todo componente de uma comunhão social. Assim, por razões derivadas predominantemente de política criminal, não se deve admitir a incidência do princípio da bagatela em casos nos quais o agente é contumaz autor de crimes contra o patrimônio, ressalvadas, vale registrar, as hipóteses em que a inexpressividade da conduta ou do resultado é tão grande que, a despeito da existência de maus antecedentes, não se justifica a utilização do aparato repressivo do Estado para punir o comportamento formalmente tipificado como crime. De fato, a conduta perpetrada pelo paciente – subtração de uma máquina de cortar cerâmica avaliada em R$ 130 – não se revela de escassa ofensividade penal e social. Além disso, o fato de o paciente ostentar, na certidão de antecedentes criminais, inúmeros processos em curso por delitos contra o patrimônio, a denotar sua habitualidade criminosa, é altamente censurável a conduta do agente, porquanto, o maquinário subtraído era usualmente utilizado pela vítima para exercer seu trabalho. Não se pode considerar, também, como inexpressiva a lesão jurídica provocada, visto o valor da ferramenta de trabalho subtraída e a sua recuperação pela vítima tão somente após alguns dias da consumação do delito. HC 241.713-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 10/12/2013 (Informativo no 534).

 

DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE DUPLICATA SIMULADA.

O delito de duplicata simulada, previsto no art. 172 do CP (redação dada pela Lei 8.137/1990), configura-se quando o agente emite duplicata que não corresponde à efetiva transação comercial, sendo típica a conduta ainda que não haja qualquer venda de mercadoria ou prestação de serviço. O art. 172 do CP, em sua redação anterior, assim estabelecia a figura típica do delito de duplicata simulada: “Expedir ou aceitar duplicata que não corresponda, juntamente com a fatura respectiva, a uma venda efetiva de bens ou a uma real prestação de serviço”. Com o advento da Lei 8.137/1990, alterou-se a redação do dispositivo legal, que passou a assim prever: “Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado”. Conforme se depreende de entendimento doutrinário e jurisprudencial, a alteração do artigo pretendeu abarcar não apenas os casos em que há discrepância qualitativa ou quantitativa entre o que foi vendido ou prestado e o que consta na duplicata, mas também aqueles de total ausência de venda de bens ou prestação de serviço. Dessa forma, observa-se que o legislador houve por bem ampliar a antiga redação daquele dispositivo, que cuidava apenas da segunda hipótese, mais grave, de modo a também punir o emitente quando houver a efetiva venda de mercadoria, embora em quantidade ou qualidade diversas. Precedente citado: REsp 443.929-SP, Sexta Turma, DJ 25/6/2007. REsp 1.267.626-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 5/12/2013 (Informativo no 534).

 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. REQUISITOS PARA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO.

Para configuração do delito de “redução a condição análoga à de escravo” (art. 149 do CP) – de competência da Justiça Federal – é desnecessária a restrição à liberdade de locomoção do trabalhador. De fato, a restrição à liberdade de locomoção do trabalhador é uma das formas de cometimento do delito, mas não é a única. Conforme se infere da redação do art. 149 do CP, o tipo penal prevê outras condutas que podem ofender o bem juridicamente tutelado, isto é, a liberdade de o indivíduo ir, vir e se autodeterminar, dentre elas submeter o sujeito passivo do delito a condições de trabalho degradantes, subumanas. Precedentes citados do STJ: AgRg no CC 105.026- MT, Terceira Seção, DJe 17/2/2011; CC 113.428-MG, Terceira Seção, DJe 1o/2/2011. Precedente citado do STF: Inq 3.412, Tribunal Pleno, DJe 12/11/2012. CC 127.937- GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 28/5/2014 (Informativo no 543).

 

DIREITO PENAL. APLICABILIDADE DO PERDÃO JUDICIAL NO CASO DE HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR.

O perdão judicial não pode ser concedido ao agente de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB) que, embora atingido moralmente de forma grave pelas consequências do acidente, não tinha vínculo afetivo com a vítima nem sofreu sequelas físicas gravíssimas e permanentes. Conquanto o perdão judicial possa ser aplicado nos casos em que o agente de homicídio culposo sofra sequelas físicas gravíssimas e permanentes, a doutrina, quando se volta para o sofrimento psicológico do agente, enxerga no § 5o do art. 121 do CP a exigência de um laço prévio entre os envolvidos para reconhecer como “tão grave” a forma como as consequências da infração atingiram o agente. A interpretação dada, na maior parte das vezes, é no sentido de que só sofre intensamente o réu que, de forma culposa, matou alguém conhecido e com quem mantinha laços afetivos. O exemplo mais comumente lançado é o caso de um pai que mata culposamente o filho. Essa interpretação desdobra- se em um norte que ampara o julgador. Entender pela desnecessidade do vínculo seria abrir uma fenda na lei, não desejada pelo legislador. Isso porque, além de ser de difícil aferição o “tão grave” sofrimento, o argumento da desnecessidade do vínculo serviria para todo e qualquer caso de delito de trânsito com vítima fatal. Isso não significa dizer o que a lei não disse, mas apenas conferir-lhe interpretação mais razoável e humana, sem perder de vista o desgaste emocional que possa sofrer o acusado dessa espécie de delito, mesmo que não conhecendo a vítima. A solidarização com o choque psicológico do agente não pode conduzir a uma eventual banalização do instituto do perdão judicial, o que seria no mínimo temerário no atual cenário de violência no trânsito, que tanto se tenta combater. Como conclusão, conforme entendimento doutrinário, a desnecessidade da pena que esteia o perdão judicial deve, a partir da nova ótica penal e constitucional, referir-se à comunicação para a comunidade de que o intenso e perene sofrimento do infrator não justifica o reforço de vigência da norma por meio da sanção penal. REsp 1.455.178-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/6/2014 (Informativo no 542).

 

DIREITO PENAL. PARÂMETRO PARA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE DESCAMINHO.

O valor de R$ 20 mil fixado pela Portaria MF 75/2012 – empregado como critério para o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos inscritos na Dívida Ativa da União – não pode ser utilizado como parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância aos crimes de descaminho. Inicialmente, importante ressaltar que o entendimento, tanto do STF quanto do STJ (REsp 1.112.748-TO, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, DJe 13/10/2009), tem sido o de que incide o princípio da insignificância no crime de descaminho quando o valor dos tributos iludidos não ultrapassar o montante de R$ 10 mil, valor este fixado pela Lei 10.522/2002 para servir como piso para arquivamento, sem baixa nos autos, de execuções fiscais. Mais recentemente, o Ministério da Fazenda editou a Portaria MF 75/2012, a qual elevou o valor de arquivamento para R$ 20 mil. Desde então, o STF tem, em alguns de seus julgados, empregado o referido patamar para reconhecer a aplicação do princípio da insignificância ao descaminho, quando o valor dos tributos iludidos não ultrapassar o montante de R$ 20 mil. Não obstante esse entendimento, importante analisar a validade formal da elevação do parâmetro pela Portaria MF 75/2012. Nesse passo, ressalte-se que, atualmente, com o advento da Lei 10.522/2002, o Ministro da Fazenda possui autonomia tão somente para estabelecer o cronograma, determinando as prioridades e as condições a serem obedecidas quando forem remetidos os débitos passíveis de inscrição em Dívida Ativa da União e cobrança judicial pela Procuradoria da Fazenda Nacional. A lei não previu a competência para que o Ministro da Fazenda, por meio de portaria, altere o valor fixado como parâmetro para arquivamento de execução fiscal, sem baixa na distribuição. Com isso, a alteração do valor para arquivamento de execução fiscal só pode ser realizada por meio de lei, não sendo a referida portaria, portanto, meio normativo válido para esse fim. Ademais, da leitura da aludida portaria, extrai-se que o valor foi estabelecido para orientar a ação em sede executivo-fiscal, com base apenas no custo benefício da operação; claramente, portanto, como uma opção de política econômico-fiscal. Em vista disso, importante ponderar: pode-se aceitar que o Poder Judiciário se veja limitado por parâmetro definido por autoridade do Poder Executivo, estabelecido unicamente por critérios de eficiência, economicidade, praticidade e as peculiaridades regionais e/ou do débito? Afigura-se inusitada a compreensão de que o Ministro da Fazenda, por meio de portaria, ao alterar o patamar de arquivamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Pública, determine o rumo da jurisdição criminal de outro Poder da República. Por fim, não há como aplicar os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade do Direito Penal ao caso analisado. O caráter fragmentário orienta que o Direito Penal só pode intervir quando se trate de tutelar bens fundamentais e contra ofensas intoleráveis; já o caráter subsidiário significa que a norma penal exerce uma função meramente suplementar da proteção jurídica em geral, só valendo a imposição de suas sanções quando os demais ramos do Direito não mais se mostrem eficazes na defesa dos bens jurídicos. Os referidos princípios penais ganhariam relevo se o atuar do Direito Administrativo eliminasse a lesão ao erário, e não na situação ora analisada, em que, por opção decorrente da confessada ineficiência da Procuradoria da Fazenda Nacional, queda-se inerte a Administração Pública quanto ao seu dever de cobrar judicialmente os tributos iludidos. REsp 1.393.317-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/11/2014 (Informativo 551).

 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. INÉPCIA DE DENÚNCIA POR CORRUPÇÃO ATIVA E PROSSEGUIMENTO DA PERSECUÇÃO PENAL PARA APURAÇÃO DE CORRUPÇÃO PASSIVA.

O reconhecimento da inépcia da denúncia em relação ao acusado de corrupção ativa (art. 333 do CP) não induz, por si só, o trancamento da ação penal em relação ao denunciado, no mesmo processo, por corrupção passiva (art. 317 do CP). Conquanto exista divergência doutrinária acerca do assunto, prevalece o entendimento de que, via de regra, os crimes de corrupção passiva e ativa, por estarem previstos em tipos penais distintos e autônomos, são independentes, de modo que a comprovação de um deles não pressupõe a do outro. Aliás, tal compreensão foi reafirmada pelo STF no julgamento da Ação Penal 470-DF, extraindo-se dos diversos votos nela proferidos a assertiva de que a exigência de bilateralidade não constitui elemento integrante da estrutura do tipo penal do delito de corrupção (AP 470-DF, Tribunal Pleno, DJe 19/4/2013). Não se desconhece o posicionamento no sentido de que, nas modalidades de recebimento ou aceitação da promessa de vantagem indevida, haveria bilateralidade da conduta, que seria precedida da ação do particular que a promove. Contudo, mesmo em tais casos, para que seja oferecida denúncia em face do autor da corrupção passiva é desnecessária a identificação ou mesmo a condenação do corruptor ativo, já que o princípio da indivisibilidade não se aplica às ações penais públicas. Ademais, a exclusão do acusado de corrupção ativa ocorreu apenas em razão da inépcia da denúncia, decisão que não faz coisa julgada material, permitindo que o órgão acusatório apresente outra peça vestibular quanto aos mesmos fatos sem os vícios outrora reconhecidos. Assim, não havendo qualquer decisão de mérito transitada em julgado que tenha afastado cabalmente a prática de corrupção ativa por parte do agente que teria oferecido ou prometido vantagem indevida a funcionário público, impossível o trancamento da ação quanto ao delito previsto no art. 317 do CP. RHC 52.465-PE, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23/10/2014 (Informativo no 551).

 

DIREITO PENAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA.

O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência (art. 330 do CP). De fato, a jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que, para a configuração do crime de desobediência, não basta apenas o não cumprimento de uma ordem judicial, sendo indispensável que inexista a previsão de sanção específica em caso de descumprimento (HC 115.504-SP, Sexta Turma, Dje 9/2/2009). Desse modo, está evidenciada a atipicidade da conduta, porque a legislação previu alternativas para que ocorra o efetivo cumprimento das medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha, prevendo sanções de natureza civil, processual civil, administrativa e processual penal. Precedentes citados: REsp 1.374.653-MG, Sexta Turma, DJe 2/4/2014; e AgRg no Resp 1.445.446-MS, Quinta Turma, DJe 6/6/2014. RHC 41.970- MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/8/2014 (Vide Informativo n. 538) (Informativo no 544).

 

DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE DESCAMINHO.

O princípio da insignificância não é aplicável ao crime de descaminho quando o valor do tributo iludido for superior a R$ 10 mil, ainda que a Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda tenha estabelecido o valor de R$ 20 mil como parâmetro para o não ajuizamento de execuções fiscais pela Procuradoria da Fazenda Nacional. Por um lado, o valor de R$ 10 mil fixado pelo art. 20 da Lei 10.522/2002 não foi alterado. É que portaria emanada do Poder Executivo não tem força normativa capaz de revogar ou modificar lei em sentido estrito, conforme dispõe o art. 2o da Lei 4.657/1942. Por outro lado, o patamar utilizado para a incidência do princípio da insignificância é jurisprudencial e não legal, ou seja, não foi a Lei 10.522/2002 que definiu ser insignificante, na seara penal, o descaminho de valores de até R$ 10 mil; foram os julgados dos Tribunais Superiores que definiram a utilização do referido parâmetro, que, por acaso, está expresso em lei. Não é correto, portanto, fazer uma vinculação de forma absoluta, de modo que toda vez que for modificado o patamar para ajuizamento de execução fiscal estaria alterado o valor considerado bagatelar. Além disso, a Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda não proíbe de modo absoluto a cobrança de créditos inferiores a R$ 20 mil, mas o permite desde que atestado o elevado potencial de recuperabilidade do crédito ou quando se mostre – observados os critérios de eficiência, economicidade, praticidade e as peculiaridades regionais e/ou do débito – conveniente a cobrança. Desse modo, ao novo valor apresentado, agregam-se outros requisitos de cunho eminentemente subjetivo. Note-se ainda que, pela forma como redigidas as disposições da Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda, fica patente o intuito de se aperfeiçoar a utilização da máquina pública, visando autorizar o não ajuizamento de execução cujo gasto pode ser, naquele momento, maior que o crédito a ser recuperado. Inviável, pois, falar em valor irrisório, mas sim em estratégia de cobrança. Por fim, embora relevante a missão do princípio da insignificância na seara penal, por se tratar de critério jurisprudencial e doutrinário que incide de forma tão drástica sobre a própria tipicidade penal – ou seja, sobre a lei –, deve-se ter criterioso cuidado na sua aplicação, sob pena de se chegar ao extremo de desproteger por completo bens juridicamente tutelados pelo direito penal. AgRg no REsp 1.406.356- PR, Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 6/2/2014 (Informativo no 536).

 

DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CONTRABANDO DE GASOLINA.

Não é aplicável o princípio da insignificância em relação à conduta de importar gasolina sem autorização e sem o devido recolhimento de tributos. Isso porque essa conduta tem adequação típica ao crime de contrabando, ao qual não se admite a aplicação do princípio da insignificância. Para se chegar a essa conclusão, cumpre diferenciar o crime de contrabando do de descaminho, ambos previstos no art. 334, caput, do CP. Contrabando é a importação ou exportação de mercadorias cuja entrada no país ou saída dele é absoluta ou relativamente proibida. Sua incriminação encontra- se na 1a parte do art. 334, caput, do CP. O crime de descaminho, por sua vez, também conhecido como contrabando impróprio, é a fraude utilizada para iludir, total ou parcialmente, o pagamento de impostos de importação ou exportação. Em face da natureza tributária do crime de descaminho, é possível a incidência do princípio da insignificância nas hipóteses em que não houver lesão significativa ao bem jurídico penalmente tutelado. Tendo como bem jurídico tutelado a ordem tributária, entende-se que a irrisória lesão ao fisco conduz à própria atipicidade material da conduta. Diversa, entretanto, a orientação aplicável ao delito de contrabando, inclusive de gasolina, uma vez que a importação desse combustível, por ser monopólio da União, sujeita-se à prévia e expressa autorização da Agência Nacional de Petróleo, sendo concedida apenas aos produtores ou importadores. Assim, sua introdução, por particulares, em território nacional, é conduta proibida, constituindo o crime de contrabando. De fato, embora previsto no mesmo tipo penal, o contrabando afeta bem jurídico diverso, não havendo que se falar em insignificância da conduta quando o objetivo precípuo da tipificação legal é evitar o fomento de transporte e comercialização de produtos proibidos. Precedente citado do STJ: AgRg no REsp 1.278.732-RR, Quinta Turma, DJe 1/2/2013. Precedente citado do STF: HC 116.242, Primeira Turma, DJe 16/9/2013. AgRg no AREsp 348.408-RR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 18/2/2014 (Informativo no 536).

 

DIREITO PENAL. PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL PARA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE DESCAMINHO.

É desnecessária a constituição definitiva do crédito tributário por processo administrativo-fiscal para a configuração do delito de descaminho (art. 334 do CP). Isso porque o delito de descaminho é crime formal que se perfaz com o ato de iludir o pagamento de imposto devido pela entrada de mercadoria no país, razão pela qual o resultado da conduta delituosa relacionada ao quantum do imposto devido não integra o tipo legal. A norma penal do art. 334 do CP– elencada sob o Título XI: “Dos Crimes Contra a Administração Pública” – visa proteger, em primeiro plano, a integridade do sistema de controle de entrada e saída de mercadorias do país como importante instrumento de política econômica. Assim, o bem jurídico protegido pela norma é mais do que o mero valor do imposto, engloba a própria estabilidade das atividades comerciais dentro do país, refletindo na balança comercial entre o Brasil e outros países. O produto inserido no mercado brasileiro fruto de descaminho, além de lesar o fisco, enseja o comércio ilegal, concorrendo, de forma desleal, com os produzidos no país, gerando uma série de prejuízos para a atividade empresarial brasileira. Ademais, as esferas administrativa e penal são autônomas e independentes, sendo desinfluente, no crime de descaminho, a constituição definitiva do crédito tributário pela primeira para a incidência da segunda. HC 218.961-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 15/10/2013 (Informativo no 534).

 

DIREITO PENAL. CONTRABANDO DE ARMA DE PRESSÃO E IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

Configura contrabando – e não descaminho – importar, à margem da disciplina legal, arma de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, ainda que se trate de artefato de calibre inferior a 6 mm, não sendo aplicável, portanto, o princípio da insignificância, mesmo que o valor do tributo incidente sobre a mercadoria seja inferior a R$ 10 mil. Na situação em análise, não se aplica o entendimento – firmado para os casos de descaminho – de que incide o princípio da insignificância quando o valor do tributo elidido for inferior a R$ 10 mil (REsp 1.112.748-TO, Terceira Seção, DJe 13/10/2009). Com efeito, nos casos de contrabando (importação ou exportação de mercadoria proibida), em que, para além da sonegação de tributos, há lesão à moral, higiene, segurança e saúde pública, não há como excluir a tipicidade material da conduta à vista do valor da evasão fiscal. No caso, embora não haja proibição absoluta de entrada no território nacional de arma de pressão, há inequívoca proibição relativa, haja vista se tratar de produto que se submete a rigorosa normatização federal de controle de comercialização e importação. De fato, conquanto armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola de calibre inferior a 6 mm sejam de uso permitido (art. 17 do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados – R-105, aprovado pelo Decreto 3.665/2000), a sua venda e a sua importação são controladas. No caso de importação, a aquisição da arma de pressão está sujeita a autorização prévia da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército Brasileiro (art. 11, § 2o, da Portaria 6/2007 do Ministério da Defesa) e é restrita aos colecionadores, atiradores e caçadores registrados no Exército (art. 11, § 3o, da citada portaria), submetendo-se, ainda, às normas de importação e de desembaraço alfandegário previstas no Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R- 105), aprovado pelo Decreto 3.665/2000. Nessa linha, por não estar a questão limitada ao campo da tributação, destaca-se que a jurisprudência do STJ nega aplicação do princípio da insignificância em sede de importação de produtos que, embora permitidos, submetem-se a proibição relativa – como, por exemplo, certos produtos agrícolas, cigarros, gasolina etc. (AgRg no AREsp 520.289-PR, Quinta Turma, DJe 2/9/2014; e AgRg no AREsp 327.927-PR, Quinta Turma, DJe 14/8/2014). REsp 1.427.796-RS, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 14/10/2014 (Informativo no 551).

 

DIREITO PENAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA.

O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência (art. 330 do CP). De fato, o art. 330 do CP dispõe sobre o crime de desobediência, que consiste em “desobedecer a ordem legal de funcionário público”. Para esse crime, entende o STJ que as determinações cujo cumprimento seja assegurado por sanções de natureza civil, processual civil ou administrativa retiram a tipicidade do delito de desobediência, salvo se houver ressalva expressa da lei quanto à possibilidade de aplicação cumulativa do art. 330 do CP (HC 16.940-DF, Quinta Turma, DJ 18/11/2002). Nesse contexto, o art. 22, § 4o, da Lei 11.340/2006 diz que se aplica às medidas protetivas, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6o do art. 461 do CPC, ou seja, no caso de descumprimento de medida protetiva, pode o juiz fixar providência com o objetivo de alcançar a tutela específica da obrigação, afastando-se o crime de desobediência. Vale ressaltar que, a exclusão do crime em questão ocorre tanto no caso de previsão legal de penalidade administrativa ou civil como no caso de penalidade de cunho processual penal. Assim, quando o descumprimento da medida protetiva der ensejo à prisão preventiva, nos termos do art. 313, III, do CPP, também não há falar em crime de desobediência. REsp 1.374.653-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/3/2014 (Informativo no 538).

 

DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE DESCAMINHO.

O princípio da insignificância não é aplicável ao crime de descaminho quando o valor do tributo iludido for superior a R$ 10 mil, ainda que a Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda tenha estabelecido o valor de R$ 20 mil como parâmetro para o não ajuizamento de execuções fiscais pela Procuradoria da Fazenda Nacional. Com efeito, a Sexta Turma do STJ entende que o parâmetro para a aplicação do princípio da insignificância ao delito de descaminho não está necessariamente atrelado aos critérios fixados nas normas tributárias para o ajuizamento da execução fiscal – regido pelos critérios de eficiência, economicidade e praticidade, e não sujeito a um patamar legal absoluto –, mas decorre de construção jurisprudencial erigida a partir de medida de política criminal, em face do grau de lesão à ordem tributária que atribua relevância penal à conduta, dada a natureza fragmentária do Direito Penal. Precedentes citados: AgRg no AREsp 242.049-PR, Quinta Turma, DJe 13/12/2013; AgRg no REsp 1.384.797-RS, Quinta Turma, DJe 29/11/2013; AgRg no AREsp 321.051-PR, Sexta Turma, DJe 6/12/2013; REsp 1.334.500-PR, Sexta Turma, julgado em 26/11/2013. AgRg no REsp 1.402.207-PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 4/2/2014 (Informativo no 536).

DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA HIPÓTESE DE REITERAÇÃO DA PRÁTICA DE DESCAMINHO.

A reiterada omissão no pagamento do tributo devido nas importações de mercadorias de procedência estrangeira impede a incidência do princípio da insignificância em caso de persecução penal por crime de descaminho (art. 334 do CP), ainda que o valor do tributo suprimido não ultrapasse o limite previsto para o não ajuizamento de execuções fiscais pela Fazenda Nacional. Com efeito, para que haja a incidência do princípio da insignificância, não basta que seja considerado, isoladamente, o valor econômico do bem jurídico tutelado, mas, também, todas as circunstâncias que envolvem a prática delitiva, ou seja, “é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social” (STF, HC 114.097-PA, Segunda Turma, DJe 14/4/2014). Nessa linha, o princípio da insignificância revela-se, segundo entendimento doutrinário, importante instrumento que objetiva restringir a aplicação literal do tipo formal, exigindo-se, além da contrariedade normativa, a ocorrência efetiva de ofensa relevante ao bem jurídico tutelado (tipicidade material). A par disso, se de um lado a omissão no pagamento de tributo relativo à importação de mercadorias é suportada como irrisória pelo Estado, nas hipóteses em que uma conduta omissiva do agente (um deslize) não ultrapasse o valor de R$ 10 mil, de outro lado não se pode considerar despida de lesividade (sob o aspecto valorativo) a conduta de quem, reiteradamente, omite o pagamento de tributos sempre em valor abaixo da tolerância estatal, amparando-se na expectativa sincera de inserir-se nessa hipótese de exclusão da tipicidade. Nessas circunstâncias, o desvalor da ação suplanta o desvalor do resultado, rompendo-se, assim, o equilíbrio necessário para a perfeita adequação do princípio bagatelar, principalmente se considerada a possibilidade de que a aplicação desse instituto, em casos de reiteração na omissão do pagamento de tributos, serve, ao fim, como verdadeiro incentivo à prática do descaminho. Desse modo, quanto à aplicação do princípio da insignificância é preciso considerar que, “se de um lado revela-se evidente a necessidade e a utilidade da consideração da insignificância, de outro é imprescindível que sua aplicação se dê de maneira criteriosa. Isso para evitar que a tolerância estatal vá além dos limites do razoável em função dos bens jurídicos envolvidos. Em outras palavras, todo cuidado é preciso para que o princípio não seja aplicado de forma a estimular condutas atentatórias aos legítimos interesses dos supostos agentes passivos e da sociedade” (STJ, AgRg no REsp 1.406.355-RS, Quinta Turma, DJe 7/4/2014). Ante o exposto, a reiteração na prática de supressão ou de elisão de pagamento de tributos justifica a continuidade da persecução penal. Precedente citado do STJ: RHC 41.752-PR, Sexta Turma, DJe 7/4/2014. Precedente citado do STF: HC 118.686-PR, Primeira Turma, DJe 3/12/2013. RHC 31.612-PB, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014 (Informativo no 541).

SÚMULA n. 512

A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4o, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.

 

DIREITO PENAL. UTILIZAÇÃO DE TRANSPORTE PÚBLICO PARA CONDUZIR DROGA ILÍCITA.

O simples fato de o agente utilizar-se de transporte público para conduzir a droga não atrai a incidência da majorante prevista no art. 40, III, da Lei de Drogas (11.343/2006), que deve ser aplicada somente quando constatada a efetiva comercialização da substância em seu interior. Precedente citado do STJ: REsp 1.345.827-AC, Quinta Turma, DJe 27/3/2014. Precedentes citados do STF: HC 119.782-MS, Primeira Turma, DJe 3/2/2014; e HC 115.815-PR, Segunda Turma, DJe 28.8.2013. AgRg no REsp 1.295.786-MS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 18/6/2014 (Vide Informativo n. 481) (Informativo no 543).

 

DIREITO PENAL. AUTOFINANCIAMENTO PARA O TRÁFICO DE DROGAS.

Na hipótese de autofinanciamento para o tráfico ilícito de drogas, não há concurso material entre os crimes de tráfico (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006) e de financiamento ao tráfico (art. 36), devendo, nessa situação, ser o agente condenado às penas do crime de tráfico com incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 40, VII. De acordo com a doutrina especialista no assunto, denomina-se autofinanciamento a situação em que o agente atua, ao mesmo tempo, como financiador e como traficante de drogas. Posto isso, tem-se que o legislador, ao prever como delito autônomo a atividade de financiar ou custear o tráfico (art. 36 da Lei 11.343/2006), objetivou – em exceção à teoria monista – punir o agente que não tem participação direta na execução no tráfico, limitando-se a fornecer dinheiro ou bens para subsidiar a mercancia, sem importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas ilicitamente. Observa-se, ademais, que, para os casos de tráfico cumulado com o financiamento ou custeio da prática do crime, expressamente foi estabelecida a aplicação da causa de aumento de pena do art. 40, VII, da referida lei, cabendo ressaltar, entretanto, que a aplicação da aludida causa de aumento de pena cumulada com a condenação pelo financiamento ou custeio do tráfico configuraria inegável bis in idem. De outro modo, atestar a impossibilidade de aplicação daquela causa de aumento em casos de autofinanciamento para o tráfico levaria à conclusão de que a previsão do art. 40, VII, seria inócua quanto às penas do art. 33, caput. REsp 1.290.296-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17/12/2013 (Informativo no 534).

 

DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO.

Não é possível afastar a tipicidade material do porte de substância entorpecente para consumo próprio com base no princípio da insignificância, ainda que ínfima a quantidade de droga apreendida. A despeito da subsunção formal de determinada conduta humana a um tipo penal, é possível se vislumbrar atipicidade material da referida conduta, por diversos motivos, entre os quais a ausência de ofensividade penal do comportamento em análise. Isso porque, além da adequação típica formal, deve haver uma atuação seletiva, subsidiária e fragmentária do Direito Penal, conferindo-se maior relevância à proteção de valores tidos como indispensáveis à ordem social, a exemplo da vida, da liberdade, da propriedade, do patrimônio, quando efetivamente ofendidos. A par disso, frise-se que o porte ilegal de drogas é crime de perigo abstrato ou presumido, visto que prescinde da comprovação da existência de situação que tenha colocado em risco o bem jurídico tutelado. Assim, para a caracterização do delito descrito no art. 28 da Lei 11.343/2006, não se faz necessária a ocorrência de efetiva lesão ao bem jurídico protegido, bastando a realização da conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem tutelado. Isso porque, ao adquirir droga para seu consumo, o usuário realimenta o comércio ilícito, contribuindo para difusão dos tóxicos. Ademais, após certo tempo e grau de consumo, o usuário de drogas precisa de maiores quantidades para atingir o mesmo efeito obtido quando do início do consumo, gerando, assim, uma compulsão quase incontrolável pela próxima dose. Nesse passo, não há como negar que o usuário de drogas, ao buscar alimentar o seu vício, acaba estimulando diretamente o comércio ilegal de drogas e, com ele, todos os outros crimes relacionados ao narcotráfico: homicídio, roubo, corrupção, tráfico de armas etc. O consumo de drogas ilícitas é proibido não apenas pelo mal que a substância faz ao usuário, mas, também, pelo perigo que o consumidor dessas gera à sociedade. Essa ilação é corroborada pelo expressivo número de relatos de crimes envolvendo violência ou grave ameaça contra pessoa, associados aos efeitos do consumo de drogas ou à obtenção de recursos ilícitos para a aquisição de mais substância entorpecente. Portanto, o objeto jurídico tutelado pela norma em comento é a saúde pública, e não apenas a saúde do usuário, visto que sua conduta atinge não somente a sua esfera pessoal, mas toda a coletividade, diante da potencialidade ofensiva do delito de porte de entorpecentes. Além disso, a reduzida quantidade de drogas integra a própria essência do crime de porte de substância entorpecente para consumo próprio, visto que, do contrário, poder- se-ia estar diante da hipótese do delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006. Vale dizer, o tipo previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006 esgota-se, simplesmente, no fato de o agente trazer consigo, para uso próprio, qualquer substância entorpecente que possa causar dependência, sendo, por isso mesmo, irrelevante que a quantidade de drogas não produza, concretamente, danos ao bem jurídico tutelado. Por fim, não se pode olvidar que o legislador, ao editar a Lei 11.343/2006, optou por abrandar as sanções cominadas ao usuário de drogas, afastando a possibilidade de aplicação de penas privativas de liberdade e prevendo somente as sanções de advertência, de prestação de serviços à comunidade e de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, conforme os incisos do art. 28 do referido diploma legal, a fim de possibilitar a sua recuperação. Dessa maneira, a intenção do legislador foi a de impor ao usuário medidas de caráter educativo, objetivando, assim, alertá-lo sobre o risco de sua conduta para a sua saúde, além de evitar a reiteração do delito. Nesse contexto, em razão da política criminal adotada pela Lei 11.343/2006, há de se reconhecer a tipicidade material do porte de substância entorpecente para consumo próprio, ainda que ínfima a quantidade de droga apreendida. Precedentes citados: HC 158.955-RS, Quinta Turma, DJe 30/5/2011; e RHC 34.466- DF, Sexta Turma, DJe 27/5/2013. RHC 35.920-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014 (Informativo no 541).

DIREITO PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO COMETIDO NO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS.

Para a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 302, parágrafo único, IV, do CTB, é irrelevante que o agente esteja transportando passageiros no momento do homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor. Isso porque, conforme precedente do STJ, é suficiente que o agente, no exercício de sua profissão ou atividade, esteja conduzindo veículo de transporte de passageiros. Precedente citado: REsp 1.358.214-RS, Quinta Turma, DJe 15/4/2013. AgRg no REsp 1.255.562-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/2/2014 (Informativo no 537).

 

SÚMULA n. 513

A abolitio criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005.

 

DIREITO PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E CONCEITO TÉCNICO DE ARMA DE FOGO.

Não está caracterizado o crime de porte ilegal de arma de fogo quando o instrumento apreendido sequer pode ser enquadrado no conceito técnico de arma de fogo, por estar quebrado e, de acordo com laudo pericial, totalmente inapto para realizar disparos. De fato, tem-se como típica a conduta de portar arma de fogo sem autorização ou em desconformidade com determinação legal ou regulamentar, por se tratar de delito de perigo abstrato, cujo bem jurídico protegido é a incolumidade pública, independentemente da existência de qualquer resultado naturalístico. Nesse passo, a classificação do crime de porte ilegal de arma de fogo como de perigo abstrato traz, em seu arcabouço teórico, a presunção, pelo próprio tipo penal, da probabilidade de vir a ocorrer algum dano pelo mau uso da arma. Com isso, flagrado o agente portando um objeto eleito como arma de fogo, temos um fato provado – o porte do instrumento – e o nascimento de duas presunções, quais sejam, de que o objeto é de fato arma de fogo, bem como tem potencial lesivo. No entanto, verificado por perícia que o estado atual do objeto apreendido não viabiliza sequer a sua inclusão no conceito técnico de arma de fogo, pois quebrado e, consequentemente, inapto para realização de disparo, não há como caracterizar o fato como crime de porte ilegal de arma de fogo. Nesse caso, tem-se, indubitavelmente, o rompimento da ligação lógica entre o fato provado e as mencionadas presunções. AgRg no AREsp 397.473-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/8/2014 (Informativo no 544).

 

DIREITO PENAL. TIPICIDADE DA CONDUTA NO CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO.

É típica (art. 14 da Lei 10.826/2003) a conduta do praticante de tiro desportivo que transportava, municiada, arma de fogo de uso permitido em desacordo com os termos de sua guia de tráfego, a qual autorizava apenas o transporte de arma desmuniciada. De fato, as armas dos praticantes de tiro desportivo não integram rol dos “registros próprios” (art. 2o, § 1o, do Decreto 5.123/2004), ao menos para o fim de lhes ser deferido porte de arma. Dispõe, na verdade, sobre guia de tráfego (art. 30, § 1o, do referido Decreto 5.123/2004), licença distinta, a ser expedida pelo Comando do Exército. Poder-se-ia alegar que a restrição de se ter que trafegar com a arma desmuniciada não constaria de lei ou regulamento, daí ser ela inócua mesmo que o Exército tenha expedido a guia com essa menção. Todavia, o legislador foi extremamente cuidadoso ao consignar, claramente, na Lei 10.826/2003, em seu art. 6o, que é “proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional”, seguindo-se as ressalvas. Em relação aos atiradores, foi autorizado o porte apenas no momento em que a competição é realizada. Nos indispensáveis trajetos para os estandes de tiro não se deferiu porte, mas específica guia de tráfego. Daí, a necessidade de cautelas no transporte. Nesse contexto, em consideração ao fato de que a prática esportiva de tiro é atividade que conta com disciplina legal, é plenamente possível o traslado de arma de fogo para a realização de treinos e competições, exigindo-se, porém, além do registro, a expedição de guia de tráfego (que não se confunde com o porte de arma) e respeito aos termos desta autorização. Não concordando com os termos da guia, a lealdade recomendaria que o praticante de tiro desportivo promovesse as medidas jurídicas cabíveis para eventualmente modificá-la, e não simplesmente que saísse com a arma municiada, ao arrepio do que vem determinando a autoridade competente sobre a matéria, o Exército. RHC 34.579-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 24/4/2014 (Informativo no 540).

 

DIREITO PENAL. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA NO CRIME DE TORTURA.

Não é obrigatório que o condenado por crime de tortura inicie o cumprimento da pena no regime prisional fechado. Dispõe o art. 1o, § 7o, da Lei 9.455/1997 – lei que define os crimes de tortura e dá outras providências – que “O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2o, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”. Entretanto, cumpre ressaltar que o Plenário do STF, ao julgar o HC 111.840- ES (DJe 17.12.2013), afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33 c/c o art. 59, ambos do CP. Assim, por ser equiparado a crime hediondo, nos termos do art. 2o, caput e § 1o, da Lei 8.072/1990, é evidente que essa interpretação também deve ser aplicada ao crime de tortura, sendo o caso de se desconsiderar a regra disposta no art. 1o, § 7o, da Lei 9.455/1997, que possui a mesma disposição da norma declarada inconstitucional. Cabe esclarecer que, ao adotar essa posição, não se está a violar a Súmula Vinculante n.o 10, do STF, que assim dispõe: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”. De fato, o entendimento adotado vai ao encontro daquele proferido pelo Plenário do STF, tornando-se desnecessário submeter tal questão ao Órgão Especial desta Corte, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC: “Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”. Portanto, seguindo a orientação adotada pela Suprema Corte, deve-se utilizar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33 c/c o art. 59, ambos do CP e as Súmulas 440 do STJ e 719 do STF. Confiram-se, a propósito, os mencionados verbetes sumulares: “Fixada a pena- base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.” (Súmula 440 do STJ) e “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.” (Súmula 719 do STF). Precedente citado: REsp 1.299.787-PR, Quinta Turma, DJe 3/2/2014. HC 286.925-RR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 13/5/2014 (Informativo no 540).

 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA PENAL QUE DETERMINE A PERDA DO CARGO PÚBLICO.

A determinação da perda de cargo público fundada na aplicação de pena privativa de liberdade superior a 4 anos (art. 92, I, b, do CP) pressupõe fundamentação concreta que justifique o cabimento da medida. De fato, para que seja declarada a perda do cargo público, na hipótese descrita no art. 92, I, b, do CP, são necessários dois requisitos: a) que o quantum da sanção penal privativa de liberdade seja superior a 4 anos; e b) que a decisão proferida apresente-se de forma motivada, com a explicitação das razões que ensejaram o cabimento da medida. A motivação dos atos jurisdicionais, conforme imposição do art. 93, IX, da CF (“Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade…”), funciona como garantia da atuação imparcial e secundum legis (sentido lato) do órgão julgador. Ademais, a motivação dos atos judiciais serve de controle social sobre os atos judiciais e de controle pelas partes sobre a atividade intelectual do julgador, para que verifiquem se este, ao decidir, considerou todos os argumentos e as provas produzidas pelas partes e se bem aplicou o direito ao caso concreto. Por fim, registre-se que o tratamento jurídico-penal será diverso quando se tratar de crimes previstos no art. 1o da Lei 9.455/1997 (Lei de Tortura). Isso porque, conforme dispõe o § 5o do art. 1o deste diploma legal, a perda do cargo, função ou emprego público é efeito automático da condenação, sendo dispensável fundamentação concreta. REsp 1.044.866-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 2/10/2014 (Informativo no 549).

 

DIREITO PENAL. PRESCRIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA.

A prescrição da medida de segurança imposta em sentença absolutória imprópria é regulada pela pena máxima abstratamente prevista para o delito. O CP não cuida expressamente da prescrição de medida de segurança, mas essa é considerada uma espécie do gênero sanção penal. Assim considerada, sujeita-se às regras previstas no CP relativas aos prazos prescricionais e às diversas causas interruptivas da prescrição. O STF já se manifestou nesse sentido ao entender que incide o instituto da prescrição na medida de segurança, estipulando que “é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, à regra contida no artigo 109 do Código Penal” (RHC 86.888-SP, Primeira Turma, DJ de 2/12/2005). Esta Corte Superior, por sua vez, já enfrentou a questão, também considerando a medida de segurança como espécie de sanção penal e, portanto, igualmente sujeita à prescrição e suas regras, assentando, ainda, que o lapso temporal necessário à verificação da referida causa de extinção da punibilidade deve ser encontrado tendo como referência a pena máxima abstratamente prevista para o delito. REsp 39.920-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/2/2014 (Informativo no 535).

 

DIREITO PENAL. PENAS ACESSÓRIAS PARA CRIMES DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO FRENTE À PRESCRIÇÃO.

Ocorrida a prescrição da pretensão punitiva de crime de responsabilidade de prefeito municipal, não podem ser aplicadas as penas de perda de cargo e de inabilitação para o exercício de cargo ou função pública previstas no § 2o do art. 1o do Decreto-lei 201/1967. Com efeito, a Quinta Turma do STJ modificou seu entendimento (REsp 1.326.452-PR, DJe 2/10/2013), acompanhando a posição já firmada pela Sexta Turma, de modo a considerar que as sanções previstas no referido dispositivo têm caráter acessório, razão pela qual a extinção da pretensão punitiva com relação à aplicação da pena privativa de liberdade impede a aplicação da pena acessória. AgRg no REsp 1.381.728-SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/12/2013 (Informativo no 533).

 

DIREITO PENAL. PRÁTICA DE FALTA GRAVE E PROGRESSÃO DE REGIME. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).

A prática de falta grave interrompe o prazo para a progressão de regime, acarretando a modificação da data-base e o início de nova contagem do lapso necessário para o preenchimento do requisito objetivo. Precedentes citados: AgRg nos EREsp 1.238.177-SP, Terceira Seção, DJe 30/4/2013; e AgRg nos EREsp 1.197.895-RJ, Terceira Seção, DJe 19/12/2012. REsp 1.364.192-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 12/2/2014 (Informativo no 546).

 

DIREITO PENAL. PRÁTICA DE FALTA GRAVE E LIVRAMENTO CONDICIONAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
A prática de falta grave não interrompe o prazo para a obtenção de livramento condicional. Aplica-se, nessa situação, o entendimento consagrado na Súmula 441 do STJ. REsp 1.364.192-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 12/2/2014 (Informativo no 546).

DIREITO PENAL. PRÁTICA DE FALTA GRAVE, COMUTAÇÃO DE PENA E INDULTO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). A prática de falta grave não interrompe automaticamente o prazo necessário para a concessão de indulto ou de comutação de pena, devendo-se observar o cumprimento dos requisitos previstos no decreto presidencial pelo qual foram instituídos. Precedentes citados: AgRg no HC 275.754-RS, Quinta Turma, DJe 9/10/2013; e AgRg no AREsp 199.014-SP, Sexta Turma, DJe 28/10/2013. REsp 1.364.192-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 12/2/2014 (Informativo no 546).

 

DIREITO PENAL. INADEQUAÇÃO DE HABEAS CORPUS PARA QUESTIONAR PENA DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR.

O habeas corpus não é o instrumento cabível para questionar a imposição de pena de suspensão do direito de dirigir veículo automotor. Isso porque a pena de suspensão do direito de dirigir veículo automotor não acarreta, por si só, qualquer risco à liberdade de locomoção, uma vez que, caso descumprida, não pode ser convertida em reprimenda privativa de liberdade, tendo em vista que inexiste qualquer previsão legal nesse sentido. Desse modo, inexistindo qualquer indício de ameaça de violência ou constrangimento à liberdade de ir e vir do paciente, revela-se inadequada a via do habeas corpus para esse fim. Precedentes citados do STJ: HC 172.709-RJ, Sexta Turma, DJe 6/6/2013; HC 194.299-MG, Quinta Turma, DJe 17/4/2013; e HC 166.792- SP, Quinta Turma, DJe 24/11/2011. Precedente citado do STF: HC 73.655-GO, Primeira Turma, DJ 13/9/1996. HC 283.505-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 21/10/2014 (Informativo 550).

 

DIREITO PENAL. CRITÉRIO OBJETIVO PARA A CONCESSÃO DE INDULTO.

A regra prevista no art. 1o, I, do Dec. 7.873/2012, que admite a concessão de indulto coletivo aos condenados a pena inferior a oito anos, não pode ser interpretada de forma a permitir que também obtenham o benefício aqueles que, embora condenados a pena total superior a esse limite, tenham menos de oito anos de pena remanescente a cumprir na data da publicação do referido diploma legal. De fato, o art. 1o, I, do Dec. 7.873/2012 dispõe que é concedido o indulto coletivo às pessoas, nacionais e estrangeiras, “condenadas a pena privativa de liberdade não superior a oito anos, não substituída por restritivas de direitos ou multa, e não beneficiadas com a suspensão condicional da pena que, até 25 de dezembro de 2012, tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes”. Esse dispositivo legal traz critério objetivo e de redação categórica: o paradigma para a concessão do benefício é a quantidade de pena a que o réu foi condenado, não podendo essa regra ser interpretada de forma a ser considerado o período que remanesce da pena na data da publicação do Decreto, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade. Tanto é assim que o referido diploma normativo é categórico ao estabelecer que, para a concessão da comutação das penas, “o cálculo será feito sobre o período de pena já cumprido até 25 de dezembro de 2012” (art. 2o, § 1o), ou seja, se fosse a intenção da Presidente da República instituir indulto considerando apenas o período remanescente, o teria feito expressamente. Precedente citado: HC 180.399-DF, Quinta Turma, DJe 1o/12/2011. HC 276.416-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/3/2014 (Informativo no 538).

 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. PROCEDIMENTO PARA A CONVERSÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS EM PRIVATIVA DE LIBERDADE.

É imprescindível a prévia intimação pessoal do reeducando que descumpre pena restritiva de direitos para que se proceda à conversão da pena alternativa em privativa de liberdade. Isso porque se deve dar oportunidade para que o reeduncando esclareça as razões do descumprimento, em homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes citados: HC 256.036-SP, Quinta Turma, DJe 3/9/2013; HC 221.404-RJ, Sexta Turma, DJe 23/4/2013. HC 251.312-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 18/2/2014 (Informativo no 536).

 

DIREITO PENAL. PRÁTICA DE CRIME DURANTE LIVRAMENTO CONDICIONAL.

O cometimento de crime durante o período de prova do livramento condicional não implica a perda dos dias remidos. Isso porque o livramento condicional possui regras distintas da execução penal dentro do sistema progressivo de penas. Assim, no caso de revogação do livramento condicional que seja motivada por infração penal cometida na vigência do benefício, aplica-se o disposto nos arts. 142 da Lei 7.210/1984 (LEP) e 88 do CP, os quais determinam que não se computará na pena o tempo em que esteve solto o liberado e não se concederá, em relação à mesma pena, novo livramento. A cumulação dessas sanções com os efeitos próprios da prática da falta grave não é possível, por inexistência de disposição legal nesse sentido. Desse modo, consoante o disposto no art. 140, parágrafo único, da LEP, as penalidades para o sentenciado no gozo de livramento condicional consistem em revogação do benefício, advertência ou agravamento das condições. Precedentes citados: REsp 1.101.461-RS, Sexta Turma, DJe 19/2/2013; e AgRg no REsp 1.236.295-RS, Quinta Turma, DJe 2/10/2013. HC 271.907-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/3/2014 (Informativo no 539).

 

DIREITO PENAL. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO PARA A DECRETAÇÃO DA PERDA DE 1/3 DOS DIAS REMIDOS.

Reconhecida falta grave no decorrer da execução penal, não pode ser determinada a perda dos dias remidos na fração máxima de 1/3 sem que haja fundamentação concreta para justificá-la. De fato, a Lei de Execução Penal (LEP) estipula como um dos seus vetores o mérito do apenado, cuja avaliação decorre do cumprimento de seus deveres (art. 39), da disciplina praticada dentro do estabelecimento prisional (art. 44) e, por óbvio, do comportamento observado quando em gozo dos benefícios previstos na aludida norma de regência. Inserido nesse escopo, a configuração da falta de natureza grave enseja vários efeitos (art. 48, parágrafo único), entre eles: a possibilidade de colocação do sentenciado em regime disciplinar diferenciado (art. 56); a interrupção do lapso para a aquisição de outros instrumentos ressocializantes, como, por exemplo, a progressão para regime menos gravoso (art. 112); a regressão no caso do cumprimento da pena em regime diverso do fechado (art. 118); além da revogação em até 1/3 do tempo remido (art. 127). Nesse contexto, o STJ adota o entendimento de que “o cometimento de falta grave implica a perda de até 1/3 dos dias remidos, cabendo ao Juízo das Execuções dimensionar o quantum cabível, observando os critérios do artigo 57 da Lei 7.210/1984, relativos à natureza, aos motivos, às circunstâncias e às consequências do fato, bem como à pessoa do faltoso e seu tempo de prisão, recomeçando a contagem a partir da data da infração”. (HC 271.185-RS, Sexta Turma, DJe 14/3/2014). Dessa forma, ao decretar a perda dos dias remidos, o magistrado não pode apenas repetir o disposto no art. 57 da LEP, deixando de apontar elementos concretos do caso que, efetivamente, evidenciem a necessidade de decretação da perda dos dias remidos na fração máxima de 1/3. Isso porque, a motivação dos atos jurisdicionais, conforme imposição do artigo 93, IX, da CF (“Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade…”), funciona como garantia da atuação imparcial e secundum legis (sentido lato) do órgão julgador. HC 282.265-RS, Rel. Min. Rogerio Shietti Cruz, julgado em 22/4/2014 (Informativo no 539).

 

DIREITO PENAL. BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO PENAL NO CASO DE ESTRANGEIRO EM SITUAÇÃO IRREGULAR NO BRASIL.

O fato de estrangeiro estar em situação irregular no país, por si só, não é motivo suficiente para inviabilizar os benefícios da execução penal. Isso porque a condição humana da pessoa estrangeira submetida a pena no Brasil é protegida constitucionalmente e no âmbito dos direitos humanos. Com efeito, esses são aplicáveis não só às relações internacionais, mas a todo o ordenamento jurídico interno, principalmente às normas de direito penal e processual penal, por incorporarem princípios que definem os direitos e garantias fundamentais. HC 274.249-SP, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), julgado em 4/2/2014 (Informativo no 535).

 

DIREITO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL DE CONDENADO ESTRANGEIRO NO CASO DE EXISTÊNCIA DE DECRETO DE EXPULSÃO.

É irrelevante a existência de decreto de expulsão em desfavor do estrangeiro na análise de pedido de progressão de regime de cumprimento da pena. Isso porque o art. 67 da Lei 6.815/1980 determina que, conforme o interesse nacional, a expulsão poderá ocorrer antes ou depois do cumprimento da sentença. Precedentes citados: AgRg no HC 260.768-SP, Sexta Turma, DJe 5/4/2013, e HC 186.490-RJ, Sexta Turma, DJe 13/2/2012. HC 274.249-SP, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), julgado em 4/2/2014 (Informativo no 535).

DIREITO PENAL. RESSARCIMENTO DE DANO DECORRENTE DE EMISSÃO DE CHEQUE FURTADO.

Não configura óbice ao prosseguimento da ação penal – mas sim causa de diminuição de pena (art. 16 do CP) – o ressarcimento integral e voluntário, antes do recebimento da denúncia, do dano decorrente de estelionato praticado mediante a emissão de cheque furtado sem provisão de fundos. De fato, a conduta do agente que emite cheque que chegou ilicitamente ao seu poder configura o ilícito previsto no caput do art. 171 do CP, e não em seu § 2o, VI. Assim, tipificada a conduta como estelionato na sua forma fundamental, o fato de ter o paciente ressarcido o prejuízo à vítima antes do recebimento da denúncia não impede a ação penal, não havendo falar, pois, em incidência do disposto na Súmula 554 do STF, que se restringe ao estelionato na modalidade de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos, prevista no art. 171, § 2.o, VI, do CP. A propósito, se no curso da ação penal ficar devidamente comprovado o ressarcimento integral do dano à vítima antes do recebimento da peça de acusação, esse fato pode servir como causa de diminuição de pena, nos termos do previsto no art. 16 do CP. Precedentes citados: RHC 29.970-SP, Quinta Turma, DJe 3/2/2014; e HC 61.928-SP, Quinta Turma, DJ 19/11/2007. HC 280.089-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 18/2/2014 (Informativo no 537).

 

DIREITO PENAL. CONDIÇÃO SUBJETIVA PARA LIVRAMENTO CONDICIONAL.

Para a concessão de livramento condicional, a avaliação da satisfatoriedade do comportamento do executado não pode ser limitada a um período absoluto e curto de tempo. Embora não se possa inviabilizar a concessão do livramento condicional apenas porque durante a execução penal o condenado cometeu uma falta grave, o comportamento de um recluso do sistema penitenciário há de ser aferido em sua inteireza, por todo o período em que esteve cumprindo sua pena. Cingir o “comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena”, conforme demanda o art. 83, III, do CP, apenas a um curto período de tempo que anteceda a análise do pedido implica dispensar o magistrado – especialmente o que está em permanente contato com a realidade dos presídios – de usar seu tirocínio, sua experiência e as informações de que dispõe nos autos para avaliar o merecimento do benefício pretendido pelo interno. O poder discricionário do juízo da execução penal não pode ser restringido a ponto de transformar a avaliação subjetiva em um simples cálculo aritmético. REsp 1.325.182- DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgamento em 20/2/2014 (Informativo no 535).

 

DIREITO PENAL. ILEGALIDADE NA MANUTENÇÃO DE INIMPUTÁVEL EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL.

É ilegal a manutenção da prisão de acusado que vem a receber medida de segurança de internação ao final do processo, ainda que se alegue ausência de vagas em estabelecimentos hospitalares adequados à realização do tratamento. Com efeito, o inimputável não pode, em nenhuma hipótese, ser responsabilizado pela falta de manutenção de estabelecimentos adequados ao cumprimento da medida de segurança, por ser essa responsabilidade do Estado. Precedentes citados: HC 81.959- MG, Sexta Turma, DJ 25/2/2008; RHC 13.346-SP, Quinta Turma, DJ 3/2/2003; e HC 22.916-MG, Quinta Turma, DJ 18/11/2002. RHC 38.499-SP, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 11/3/2014 (Informativo no 537).

 

DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DO TIPO DE FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO DE ADOLESCENTE.

O cliente que conscientemente se serve da prostituição de adolescente, com ele praticando conjunção carnal ou outro ato libidinoso, incorre no tipo previsto no inciso I do § 2o do art. 218-B do CP (favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável), ainda que a vítima seja atuante na prostituição e que a relação sexual tenha sido eventual, sem habitualidade. Assim dispõe o art. 218-B do CP, incluído pela Lei 12.015/2009: “Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos”. O inciso I do § 2o do referido artigo, por sua vez, prescreve o seguinte: “Incorre nas mesmas penas: I – quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo”. Da análise da previsão típica do art. 218-B do CP, especialmente do inciso I do § 2o, extrai-se que o fato de já ser a vítima corrompida, atuante na prostituição, é irrelevante para o tipo penal. Não se pune a provocação de deterioração moral, mas o incentivo à atividade de prostituição, inclusive por aproveitamento eventual dessa atividade como cliente. Pune-se não somente quem atua para a prostituição do adolescente – induzindo, facilitando ou submetendo à prática ou, ainda, dificultando ou impedindo seu abandono –, mas também quem se serve desta atividade. Trata-se de ação político-social de defesa do adolescente, mesmo contra a vontade deste, pretendendo afastá-lo do trabalho de prostituição pela falta de quem se sirva de seu atendimento. A condição de vulnerável é no tipo penal admitida por critério biológico ou etário, neste último caso pela constatação objetiva da faixa etária, de 14 a 18 anos, independentemente de demonstração concreta dessa condição de incapacidade plena de auto-gestão. O tipo penal, tampouco, faz qualquer exigência de habitualidade da mantença de relações sexuais com adolescente submetido à prostituição. Habitualidade há na atividade de prostituição do adolescente, não nos contatos com aquele que de sua atividade serve-se. Basta único contato consciente com adolescente submetido à prostituição para que se configure o crime. A propósito, não tem relação com a hipótese em análise os precedentes pertinentes ao art. 244-A do ECA, pois nesse caso é exigida a submissão (condição de poder sobre alguém) à prostituição (esta atividade sim, com habitualidade). No art. 218-B, § 2o, I, pune-se outra ação, a mera prática de relação sexual com adolescente submetido à prostituição – e nessa conduta não se exige reiteração, poder de mando, ou introdução da vítima na habitualidade da prostituição. HC 288.374-AM, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 5/6/2014 (Informativo no 543).

DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA NA RELAÇÃO ENTRE MÃE E FILHA.

É possível a incidência da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) nas relações entre mãe e filha. Isso porque, de acordo com o art. 5o, III, da Lei 11.340/2006, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Da análise do dispositivo citado, infere-se que o objeto de tutela da Lei é a mulher em situação de vulnerabilidade, não só em relação ao cônjuge ou companheiro, mas também qualquer outro familiar ou pessoa que conviva com a vítima, independentemente do gênero do agressor. Nessa mesma linha, entende a jurisprudência do STJ que o sujeito ativo do crime pode ser tanto o homem como a mulher, desde que esteja presente o estado de vulnerabilidade caracterizado por uma relação de poder e submissão. Precedentes citados: HC 175.816-RS, Quinta Turma, DJe 28/6/2013; e HC 250.435-RJ, Quinta Turma, DJe 27/9/2013. HC 277.561-AL, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/11/2014 (Informativo no 551).

 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. INAPLICABILIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL ÀS CONTRAVENÇÕES PENAIS PRATICADAS CONTRA MULHER NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.

A transação penal não é aplicável na hipótese de contravenção penal praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher. De fato, a interpretação literal do art. 41 da Lei Maria da Penha (“Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.”) viabilizaria, em apressado olhar, a conclusão de que os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, entre eles a transação penal, seriam aplicáveis às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher. Entretanto, o legislador, ao editar a Lei 11.340/2006, conferiu concretude ao texto constitucional (art. 226, § 8°, da CF) e aos tratados e as convenções internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, a fim de mitigar, tanto quanto possível, qualquer tipo de violência doméstica e familiar contra a mulher, abrangendo não só a violência física, mas, também, a psicológica, a sexual, a patrimonial, a social e a moral. Desse modo, à luz da finalidade última da norma (Lei 11.340/2006) e do enfoque da ordem jurídico-constitucional, considerando, ainda, os fins sociais a que a lei se destina, a aplicação da Lei 9.099/1995 é afastada pelo art. 41 da Lei 11.340/2006, tanto em relação aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar. Ademais, o STJ e o STF já se posicionaram no sentido de que os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, entre eles a transação penal, não se aplicam a nenhuma prática delituosa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, ainda que configure contravenção penal. Precedente citado do STJ: HC 196.253-MS, Sexta Turma, DJe 31/5/2013. Precedente citado do STF: HC 106.212-MS, Tribunal Pleno, DJe 13/6/2011. HC 280.788-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3/4/2014 (Informativo no 539).

 

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