A série Adolescência, da Netflix, vem mobilizando audiências ao redor do mundo com uma trama que mergulha de forma crua e inquietante no submundo de comunidades masculinas extremistas, como os incels e adeptos da chamada red pill. Ao explorar temas como masculinidade tóxica, ciberviolência e radicalização juvenil, a produção dá visibilidade a um fenômeno crescente, alimentado por redes sociais e fóruns online, com desdobramentos perigosos na vida real.
Na obra, Jamie Miller, um adolescente britânico de 13 anos, é detido após o assassinato de uma colega de escola. O enredo se entrelaça com discussões atuais sobre discursos de ódio, a cultura do ressentimento masculino e os perigos do isolamento social. As atuações de jovens inexperientes diante das câmeras e as cenas em plano-sequência têm sido elogiadas, mas é o roteiro — denso e provocativo — que tem provocado reflexões e debates públicos.
Quem são os incels?
O termo incel deriva da expressão inglesa “involuntary celibates” (celibatários involuntários) e passou a designar homens que se consideram incapazes de manter relações afetivas ou sexuais, atribuindo essa condição às mulheres — vistas por eles como egoístas, interesseiras ou promíscuas. Originado nos anos 1990 por meio de um blog criado por uma jovem canadense chamada Alana, o conceito foi, inicialmente, pensado como um espaço de apoio para pessoas solitárias. Com o tempo, no entanto, se transformou em terreno fértil para a propagação de misoginia, vitimismo coletivo e, em casos extremos, violência armada.
Esse ambiente digital se consolida em fóruns como Reddit, 4chan e demais comunidades da chamada “machosfera”, onde discursos de ódio contra mulheres e homens bem-sucedidos são rotineiros. Nessas bolhas digitais, jovens frustrados reforçam crenças de inferioridade genética, ressentimento social e inatingibilidade feminina. Termos como “Staceys” e “Chads” representam, respectivamente, mulheres bonitas e homens desejados, alvos frequentes de escárnio e inveja.
Da frustração à violência
A radicalização de incels não é uma mera especulação. Em 2014, Elliot Rodger matou seis pessoas em Isla Vista, na Califórnia, antes de se suicidar. Considerado “herói” por setores da subcultura, ele deixou vídeos justificando os ataques como resposta à rejeição feminina. Em 2018, Alek Minassian atropelou e matou dez pessoas em Toronto, anunciando: “A ‘Rebelião Incel’ já começou!”. Em 2021, no Reino Unido, Jake Davison, também associado ao movimento, assassinou cinco pessoas.
Esses atos resultaram em pressão por parte das autoridades britânicas para classificar comunidades incel como grupos terroristas. Apesar de a proposta não ter avançado, especialistas têm defendido outra abordagem: tratar o fenômeno como uma questão de saúde pública. Pesquisa conduzida pela Universidade de Swansea indica que muitos jovens envolvidos nesses grupos enfrentam graves problemas emocionais e sofrem com baixa autoestima, supervalorizando aparência e status financeiro enquanto desconsideram empatia e afeto.
Segundo o psiquiatra Andrew Thomas, da mesma universidade, é necessário investir em apoio psicológico: “Se quisermos romper esse ciclo, precisamos oferecer apoio em saúde mental, porque, se esses jovens não cuidam de si mesmos, também não vão se importar com os outros”.
Red pill: a retórica do controle
Outro pilar que estrutura essa ideologia extremista é o conceito da red pill — uma metáfora emprestada do filme Matrix, em que o protagonista “acorda” para a verdadeira realidade. Nas comunidades da red pill, essa “verdade” seria de que os homens vivem oprimidos pelo feminismo e devem retomar o controle nas relações de poder.
No Brasil, essa retórica vem ganhando força por meio de influenciadores digitais que se apresentam como “mentores” para homens insatisfeitos. Um exemplo é Thiago Schutz, dono do perfil “Manual Red Pill Brasil”, com cerca de 300 mil seguidores. Schutz viralizou recentemente após ameaçar a atriz e roteirista Livia La Gatto, que o parodiou em tom satírico. Na mensagem, ele afirmou: “Você tem 24 horas para retirar seu conteúdo sobre mim. Depois disso processo ou bala. Você escolhe”.
Livia registrou um boletim de ocorrência e denunciou que o comportamento de Schutz representa uma estrutura de misoginia tolerada nas plataformas digitais: “É um discurso de que, se a mulher não é submissa ao homem, ela merece ser silenciada”. Schutz se defendeu afirmando que o termo “bala” foi mal interpretado e que ele “fala com muitas gírias”. Ainda assim, a tentativa de intimidação ecoa o padrão de comportamento observado em comunidades incel e red pill: o uso da violência simbólica ou real para reprimir o contraditório.
Plataformas e responsabilidade
A propagação desses discursos escancara um dilema central da contemporaneidade: até que ponto as plataformas digitais devem ser responsabilizadas pelo conteúdo que hospedam?. Vídeos com declarações misóginas e incitações à violência seguem circulando amplamente em redes como Instagram, TikTok e YouTube, com pouco ou nenhum controle efetivo.
O caso de Thiago Schutz levou até mesmo a marca Campari Brasil a se manifestar, após o influenciador aparecer em vídeos promovendo a bebida. Em nota, a empresa afirmou que “rechaça veementemente qualquer tipo de atitude de preconceito ou violência” e que não mantém vínculo com o coach.
Ficção que imita a realidade
Para Stephen Graham, criador, roteirista e ator de Adolescência, a produção nasceu da inquietação com dois casos reais envolvendo adolescentes que cometeram feminicídio. “A série não é baseada em uma história específica, mas foi inspirada por fatos que me fizeram investigar o que está por trás disso tudo”, afirmou.
Ao dramatizar o percurso de um jovem que mergulha na radicalização, Adolescência não apenas narra uma história: ela espelha uma realidade alarmante, marcada pelo sofrimento silencioso de muitos adolescentes e pela ascensão de ideologias de ódio disfarçadas de autossuperação.
Mais do que entretenimento, a série se firma como um chamado à reflexão coletiva — sobre o que consumimos, quem escolhemos ouvir e como podemos, enquanto sociedade, evitar que o próximo Jamie Miller ultrapasse o limite entre o virtual e o irreversível.
Doutrina “Red Pill” e Ideologia 80/20
“100” representa a crença de que 80% das mulheres escolhem 20% dos homens, justificando atitudes manipuladoras e discursos de ódio contra mulheres.
Emojis e Termos de Alerta em Conversas Online
TERMO | SIGNIFICADO |
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GNOC | Ficar nu na câmera |
Hooking up | Ter relações sexuais |
“I know a way you can earn money fast” | Possível tentativa de obter fotos/acesso à webcam para chantagem |
“I know someone who can get you a modeling job” | Elogios para obter fotos/confiança |
IRL | Na vida real |
IWSN | Quero sexo agora |
#ana | Anorexia |
#deb | Depressão |
#sue | Suicídio |
#svv | Automutilação |
#thinsp | Incentivo à magreza extrema |
CD9 / 9 / POS / P911 / P999 | Códigos para avisar que os pais estão por perto ou observando |
420 / Crow | Maconha / Cannabis |
ASL | Idade, sexo, localização |
CU46 | Vejo você para sexo |
Corações Coloridos e Seus Significados Ocultos
EMOJI | SIGNIFICADO OCULTO |
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Amor | |
Desejo sexual | |
Flerte inicial | |
Carinho sem intenção sexual | |
Apoio entre amigos |
Outros Emojis com Significado Perigoso
Bola de Futebol Americano: Interesse por menores de idade
100 (“cem por cento”): Usado por comunidades misóginas (regra 80/20)
A “regra 80/20” propaga a ideia de que poucas mulheres escolhem poucos homens, servindo como justificativa para comportamentos manipuladores e misóginos.
Códigos Verbais Utilizados por Pedófilos
- “Perdoe, pequena”
- “Errei, fui Raulzito”
São utilizadas por abusadores para marcar fotos de crianças que chamam sua atenção nas redes sociais, funcionando como sinalização entre predadores.
Contexto Real e Documentado
Esses termos não são ficção. Jovens britânicos e norte-americanos usam essas expressões como forma de escapar da supervisão de pais e professores. A série se baseou em comportamentos reais documentados por investigadores, policiais e especialistas em inteligência digital.
Ações Recomendadas para Famílias e Instituições
- Educação digital nas escolas, com foco em prevenção ao aliciamento.
- Monitoramento legal e supervisionado de dispositivos.
- Capacitação de pais, professores e conselheiros tutelares sobre os códigos e gírias digitais.
- Aprimoramento das unidades de investigação cibernética nas polícias civis e federais.
Técnicas para prevenir, identificar e combater esses movimentosConteúdo exclusivo para assinantes! Faça login para acessar o conteúdo completo ou clique AQUI e assine já!
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