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Federalização na atribuição de investigação dos crimes informáticos: seria esse o caminho?

por Editoria Delegados

Por Alesandro Barreto

Por Alesandro Barreto

RESUMO

A investigação de crimes informáticos próprios e impróprios vêm encontrando dificuldades na atribuição de autoria delitiva. A despeito de diplomas normativos existentes, o legislador entendeu insuficientes e de pouca efetividade as ações desempenhadas pelas polícias judiciárias estaduais, apresentando projeto de lei para dar atribuição à polícia federal na investigação de crimes cometidos em meio cibernético, preenchidos alguns requisitos. Procurar-se-á, para tanto, analisar a propositura legislativa e seus efeitos práticos na individualização da autoria e materialidade delitiva.

Palavras-chave: Crimes; Internet; Investigação.

INTRODUÇÃO

O crescimento exponencial dos crimes cometidos através da Internet, em razão de suas especificidades, vem gerando desafios na seara investigativa, especialmente na atribuição da autoria delitiva.

Investigar crimes informáticos, sejam próprios ou impróprios, exige do policial uma gama de conhecimentos necessários à identificação, preservação e materialização da evidência para o bojo do procedimento investigativo. Nesse sentido, a lei Azeredo, sancionada no ano de 2012 estabeleceu a “criação de setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado” a fim de que as polícias tenham maior resolutividade nos casos em apuração.

Muito embora o diploma legislativo determine a especialização do trabalho policial, poucos estados assim procederam, favorecendo, portanto, a utilização do ambiente cibernético para a prática de crimes. Noutra oportunidade já havia pontuado sobre a necessidade de conhecimentos técnicos por parte daquele que deve investigar o crime informático[i]:

Não obstante a criação de delegacias especializadas contribuírem, de forma significativa, na resolução de fatos de difícil elucidação como homicídios ou ataques a instituições financeiras, a seara dos crimes informáticos é bastante distinta, não dependendo, pois, de apenas um setor com expertise, e sim da polícia como um todo com capacidade de buscar e materializar a evidência eletrônica.

Com o intuito de suprimir essas deficiências investigativas no campo cibernético, foi apresentado o Projeto de Lei nº 5.202, de 2016, para incluir os crimes praticados contra ou mediante computador, conectado ou não a rede, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado ou de telecomunicação no rol das infrações de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação ou no exterior.

1 ANÁLISE DOS PROJETOS DE LEI COM ATRIBUIÇÃO INVESTIGATIVA DA POLÍCIA FEDERAL

Sancionada em 2002, a lei nº 10.446 teve como escopo dispor sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição. Inicialmente e desde que atendidos os pressupostos, o diploma legal garantia à polícia federal atribuição para proceder, sem prejuízo dos órgãos de segurança pública estadual, às seguintes infrações: sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.

De lá para cá vários incisos já foram acrescentados, aumentado esse escopo de atribuições, dentre os quais podemos destacar:

Inc. Lei Crime

V Incluído pela Lei nº 12.894, de 2013. Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela Internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

VI Incluído pela Lei nº 13.124, de 2015. Furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação.

VII Incluído pela Lei nº 13.642, de 2018. Quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres.

Além do mais, tramita uma proposição visando acrescentar os crimes atentatórios contra a vida de candidatos a cargos eletivos ao rol de infrações penais passíveis de investigação pelo Departamento de Política Federal[ii].

Projeto de Lei 5.202/2016

O projeto de lei nº 5.202/16 é oriundo de discussões da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a prática de crimes cibernéticos e seus efeitos deletérios perante a economia e a sociedade brasileira.

A proposição legislativa visa garantir repressão uniforme dos crimes informáticos próprios e impróprios desde que haja indícios suficientes de associação criminosa em mais de um ente federativo ou no exterior.

Sancionado esse dispositivo, dificilmente uma infração não estaria enquadrada no rol daquelas com repercussão interestadual ou internacional. Diz-se isso em razão da especificidade do crime praticado no meio cibernético, citando como exemplo as fraudes cometidas contra instituições financeiras. Os criminosos, situados na cidade A, utilizam softwares maliciosos e subtraem valores de vítima em ponto B, com pagamento de faturas de terceiros que residem na localidade C, estando as cidades referidas em estados distintos. Essa modalidade criminosa exige repressão uniforme, tem repercussão interestadual e internacional e é praticada por associação criminosa, preenchendo todos os requisitos exigidos pelo projeto de lei.

Outros casos poderiam ser acrescentados ao exemplo citado, tais como: extorsão cometida através de redes sociais, fraudes cometidas em sites de vendas de produtos e uma infinidade de crimes cometidos diariamente na rede mundial de computadores. Na prática, uma quantidade considerável de crimes cumpriria os requisitos dessa proposição legislativa, transferindo, via de consequência um grande volume de procedimentos para a polícia federal.

Cenário parecido constatou-se logo após a criação das delegacias especializadas de repressão aos delitos informáticos em sede estadual, visto que a ausência de regulamentação das atribuições específicas para apurar apenas crimes impróprios ou que preencham alguns requisitos terminou por aumentar exageradamente a quantidade de inquéritos para equipes de investigação reduzidas.

CONCLUSÃO

A investigação de crimes cibernéticos é uma área pouco explorada pelas polícias judiciárias, fortalecendo a ideia de impunidade perante os criminosos. Muito embora alguns Estados tenham estruturado setores e delegacias na repressão a essa modalidade delitiva, as ocorrências cresceram exponencialmente; em contrapartida, as esferas com atribuição para investigar os fatos não acompanharam essa evolução e por vezes, contam com efetivo reduzido e policiais desprovidos de capacitação.

O aumento de incumbências à Polícia Federal tem sido objeto de várias críticas, inclusive por parte de legisladores, sob pena de desvirtuar o cumprimento de suas funções tão bem desempenhadas. Nesse sentido, foi prolatado voto em contrário pelo deputado federal Delegado Waldir do PSL/GO ao analisar o projeto de lei que deu encargo à PF para apurar crime de misoginia praticado na Internet[iii]:

É notável a sintonia entre os três poderes da República quanto ao aumento de atribuições da Polícia Federal, tendência que enfraquece a corporação, uma vez que sua estrutura não condiz com a exacerbação de suas funções na errônea suposição de que federalizada a investigação, o problema estará resolvido. Se não houver controle da prática citada, correremos o risco de comprometer a eficiência da Polícia Federal, mesmo porque não há a contrapartida em termos de aumento de estrutura para atender ao aumento constante da demanda. Desse modo, essas razões nos levam a votar pela rejeição do Projeto de Lei nº 4.614 de 2016, por ser contrário aos interesses da segurança pública, uma vez que aumenta as atribuições da Polícia Federal de forma irrazoável, dentro do pressuposto errôneo de que aquela corporação tem recursos humanos e materiais suficientes para atender ao aumento constante da demanda, banalizando o objetivo da Lei nº 10.446, de 2002, que rege uma situação excepcional e não a regra para a investigação de infrações penais.

Investigar um delito cometido na (ou pela) Internet exige muito mais do que delegar atribuição de investigação a outra instituição. Individualizar autoria exige o aperfeiçoamento dos policiais na busca de evidências no meio cibernético, aplicando procedimentos e técnicas investigativas a fim de lograr êxito na atribuição de autoria.

PRENSKY (2001) amoedou os nativos digitais como os indivíduos originários a partir da década de 80, que cresceram habituados às tecnologias ora postas. Em contrapartida, assinalou como imigrantes digitais os nascidos anteriormente, que precisam de adaptação frente a essas inovações tecnológicas[iv]. Ao fazer essa classificação, o autor analisou os efeitos da tecnologia e seus impactos na metodologia de ensino ora aplicada. Podemos, todavia, aplicar esses termos para demonstrar que a atividade de polícia judiciária faz parte desse último grupo, necessitando, pois, percorrer longos caminhos para adaptar-se a essa nova realidade.

A tarefa de investigar crimes cibernéticos não será solucionada apenas com atribuição a terceiro através de lei nova. Precisamos aperfeiçoar os mecanismos ora existentes sob pena de sobrecarregar instituições que tão bem já desempenham seu mister.

REFERÊNCIAS

 

BARRETO, Alesandro Gonçalves. BRASIL, Beatriz Silveira. Manual de Investigação Cibernética à Luz do Marco Civil da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Brasport, 2016.

______. Análise da lei Azeredo: necessidade de criação de delegacias e setores especializados na repreensão aos crimes informáticos. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI278027,41046-Analise+da+lei+Azeredo+necessidade+de+criacao+de+delegacias+e+setores>. Acesso em: 20 abr. 2018.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 20 abr. 2018.

______. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 20 abr. 2018.

______. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 abr. 2018.

______. Lei nº 10.446, de 08 de maio de 2002. Dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10446.htm>. Acesso em: 10 abr. 2018.

______. Lei nº 12.735, de 30 de novembro de 2012. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, o Decreto-Lei no 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar, e a Lei no 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, que sejam praticadas contra sistemas informatizados e similares; e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12735.htm>. Acesso em: 20 abr. 2018.

______. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm >. Acesso em: 20 abr. 2018.

______. Lei nº 13.642, de 03 de abril de 2018. Altera a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, para acrescentar atribuição à Polícia Federal no que concerne à investigação de crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13642.htm#art1 >. Acesso em: 20 abr. 2018.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 4.614/2016, de 03 mar. 2016. Autoria da Deputada Luizianne Lins PT/CE. Altera a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, para acrescentar atribuição à Polícia Federal no que concerne à investigação de crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, ou seja, aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2078694>. Acesso em: 20 abr. 2018.

______.Projeto de Lei nº 5.202/2016, de 06 mai. 2016. Autoria da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a prática de crimes cibernéticos e seus efeitos deletérios perante a economia e a sociedade neste país. Inclui os crimes praticados contra ou mediante computador, conectado ou não a rede, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado ou de telecomunicação no rol das infrações de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação ou no exterior.Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2083671>. Acesso em: 20 abr. 2018.

PRENSKY , Marc. Digital Natives, Digital Immigrants. Disponível em: <https://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-%20Digital%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2018.

[i] BARRETO, Alesandro Gonçalves. Análise da lei Azeredo: necessidade de criação de delegacias e setores especializados na repreensão aos crimes informáticos.

[ii] Projeto de lei nº 6199, de 03 de outubro de 2016, de autoria do dep. Federal Otávio Leite, PSDB/RJ.

[iii] Voto em separado do Deputado Delegado Waldir na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado durante análise do Projeto de Lei nº 4614, de 2016. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1578427&filename=VTS+1+CSPCCO+%3D%3E+PL+4614/2016.

[iv] Marc Prensky. Digital Natives, Digital Immigrants.

* Alesandro Gonçalves Barreto é Delegado de Polícia Civil do Estado do Piauí e co-autor dos livros Inteligência Digital, Manual de Investigação Cibernética e Investigação Digital em Fontes Abertas, da Editora Brasport, e, Vingança Digital, da Mallet Editora. Coordenador do Núcleo de Fontes Abertas da Secretaria Extraordinária para Segurança de Grandes Eventos nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Contato: [email protected].

 

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