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Entenda os crimes possíveis no caso do incêndio da boate em Santa Maria

por Editoria Delegados
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O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, deixou mais de 230 mortos na madrugada de domingo (27). O G1 ouviu especialistas para explicar quais são os possíveis crimes no caso e quem poderia ser acusado e punido.

 

Segundo os criminalistas, o Código Penal pune o indivíduo por condutas proibidas e não responsabiliza a casa noturna ou a prefeitura, por exemplo.

 

Ou seja, é preciso provar que determinada pessoa praticou uma ação (com ou sem intenção), que provocou um resultado que está previsto na lei como crime. Essa conduta proibida precisa ter relação direta ou indireta com a produção do resultado, no caso, o incêndio e as mortes.

 

Como as investigações ainda não foram finalizadas, os especialistas comentaram o caso em tese e apresentam as hipóteses mais prováveis até o momento.

 

Veja a seguir os crimes possíveis no caso do incêndio em Santa Maria, o que é necessário para a acusação, as opiniões e interpretações para cada um e as consequências:

 

 

HOMICÍDIO CULPOSO
1ª hipótese
 

 – CULPOSO (sem intenção): é a hipótese mais provável para os especialistas. É preciso que alguém tenha agido com imprudência (prática de um fato perigoso), negligência (não toma devidas precauções) ou imperícia (falta de aptidão técnica) e que essa ação esteja ligada ao incêndio e às mortes.

 

“Vai surgir uma discussão se o comportamento de cada um acabou dando causa ou colaborou para o resultado dessas mortes”, afirma o professor em Direito Penal e advogado Leonardo Pantaleão. “Precisa verificar se houve a culpa por uma dessas modalidades e qual o grau de responsabilidade de cada um.”

 

“Entendo que foi de maneira culposa, por negligência, imperícia ou imprudência, que são modalidades de culpa. A análise precisa ser técnica e aí vai precisar de laudo, de perícia, de investigação”, disse Elias Matar Assad, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.

 

“Tem que mostrar que não observaram o dever de cautela. E só é acusado se cabia a essa pessoa tomar essa providência e se ficar provada a ciência dela do risco”, diz Camila Austregesilo Vargas do Amaral, especialista em Direito Penal pela Universidade de Coimbra.

 

“O risco de se cometer injustiças é muito grande. Ninguém causou a tragédia propositadamente. Muitas pessoas estão na periferia da tragédia, não necessariamente de forma criminosa”, complementa Fábio Tofic Simantob, diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

 

Quem pode ser acusado?

– Donos da boate: se ficar comprovado que eles sabiam do risco de incêndio e ainda assim permitiram as apresentações com efeitos pirotécnicos no local.

 

– Vocalista da banda: se ficar comprovado que ele sabia estar utilizando um sinalizador capaz de provocar um incêndio, de forma imprudente.

 

– Responsável pela segurança da banda: se ficar comprovado que ele tinha consciência de que os efeitos pirotécnicos usados no show poderiam causar um incêndio. Pode ter uma pena maior porque a inobservância de regra técnica da profissão é causa de aumento de pena.

 

PENAS: é aplicado o concurso formal (uma conduta que causa vários crimes). Os réus não respondem por 235 mortes. A pena é pelo crime de homicídio, aumentada de um sexto até metade. A pena por homicídio culposo é de detenção, de um a 3 anos. Também contam atenuantes, como ser réu primário, ou causas de aumento de pena.

 

HOMICÍDIO DOLOSO
2ª hipótese
 

    – DOLO EVENTUAL (o agente assume o risco): hipótese controversa e pouco provável para os especialistas. Nesse caso, alguém teria que ter agido sabendo do risco de incêndio, mas acreditando que não fosse ocorrer, atuando com indiferença.

 

“É claro que os integrantes da banda não tinham como prever esse risco, porque eles estavam lá dentro. É disparatado, não faz sentido nenhum”, afirma Camila.

 

“Em nenhum momento houve uma assunção do risco efetivo. O que aconteceu foi uma imprudência, é uma característica de culpa. Eu acho que não se consegue comprovar, tecnicamente. É caracterizado no pior cenário, um homicídio culposo”, diz Pantaleão.

 

“Longe de querer dizer que um crime como esse vá ficar impune. Acho que todos esses fatores jurídicos precisam ser bem analisados para que a resposta penal não seja apenas uma resposta para a sociedade”, afirma Tofic.

 

“Entendo que foi de maneira culposa, por negligência, imperícia ou imprudência, que são modalidades de culpa”, afirma Assad. “Poderá também alguém entender que houve dolo eventual porque não havia extintor, porque o teto foi rebaixado, porque foi usado plástico ou espuma inadequada na cobertura, enfim, mas isso depende de perícia”, completa.

 

PENAS: é a pena do homicídio doloso (com intenção), de 6 a 20 anos, também dosada de acordo com atenuantes, como ser réu primário, agravantes ou causas de aumento de pena.

 

INCÊNDIO CULPOSO

– CULPOSO: causar incêndio sem intenção, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de alguém. Não é citada por todos os especialistas como hipótese de crime no caso. É preciso que o causador do incêndio tivesse consciência do risco e tenha agido com imprudência, negligência ou imperícia.

 

“Depende do resultado da perícia. Se os produtos inflamáveis não estivessem lá, teria ocasionado o incêndio? Os proprietários sabiam que seria usados os fogos e que existia risco do incêndio? Precisa saber as duas coisas”, afirma Camila.

 

“O crime de incêndio desaparece diante do homicídio, principalmente pelo volume de mortes. Esse crime acaba sendo absorvido pelo crime principal”, argumenta Tofic.

 

Quem pode ser acusado?

– Donos da boate: se ficar comprovado que eles sabiam do risco de incêndio com o uso de efeitos pirotécnicos no local.

– Vocalista da banda: se ficar comprovado que ele sabia estar utilizando um sinalizador capaz de provocar um incêndio, de forma imprudente.

 

– Responsável pela segurança da banda: se ficar comprovado que ele tinha consciência de que os efeitos pirotécnicos usados no show poderiam causar um incêndio. Pode ter uma pena maior porque a inobservância de regra técnica da profissão é causa de aumento de pena.

 

PENAS: detenção, de seis meses a dois anos.

 

LESÃO CORPORAL

 

– CULPOSA: há divergência se houve lesão corporal por haver vítimas feridas internadas em hospitais.

 

“Homicídio culposo e lesão corporal culposa eu não tenho dúvida que são crimes configurados neste caso”, defende Assad. “Entendo que foi de maneira culposa. (…) Se estabelecerem que ocorreu homicídio doloso, aí poderia ter o entendimento de  tentativa de homicídio também, mas acho mais difícil.”

 

“Não é lesão corporal, porque a gente tem uma regrinha no direito que, quando há uma conduta gerando resultados diferentes, a pena é calculada sobre o resultado mais grave, que foi a morte. É pena de homicídio, aumenta com base no concurso formal”, discorda Pantaleão.

 

“Só pode ser incluído no homicídio se houver o resultado morte. Se não, é na lesão corporal”, afirma Camila.

 

Quem pode ser acusado?

– Donos da boate: se ficar comprovado que eles sabiam do risco de incêndio.

– Vocalista da banda: se ficar comprovado que ele sabia estar utilizando um sinalizador capaz de provocar um incêndio, de forma imprudente.

 

– Responsável pela segurança da banda: se ficar comprovado que ele tinha consciência de que os efeitos pirotécnicos usados no show poderiam causar um incêndio. Pode ter uma pena maior porque a inobservância de regra técnica da profissão é causa de aumento de pena.

 

PENAS: detenção, de 2 meses a 1 ano, também em concurso formal.

 

Entenda a tragédia

O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, deixou 235 mortos na madrugada do último domingo (27). O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco.

 

Quatro pessoas foram presas na segunda por conta do incêndio: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros serviços.

 

De acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores, é possível afirmar que:

 

 – O vocalista segurou um artefato pirotécnico.
– Era comum a utilização de fogos pelo grupo.
– A banda comprou um sinalizador proibido.
– O extintor de incêndio não funcionou.
– Havia mais público do que a capacidade.
– A boate tinha apenas um acesso, para a rua.
– O alvará dado pelos Bombeiros estava vencido.
– Mais de 180 corpos foram retirados dos banheiros.
– 90% das vítimas tiveram asfixia mecânica.
Equipamentos de gravação estavam no conserto.

(Veja o que já se sabe e as perguntas a responder)

 

Investigação

O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao G1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.

 

O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem “diversos indicativos” de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. “Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes”, disse em entrevista. “Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais”, completou.

 

Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. “O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.

 

O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.

 

Do Portal G1

 

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