O Ministério Público de São Paulo (MPSP) denunciou o juiz aposentado Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield por utilizar, durante 45 anos, uma identidade falsa. Conforme apurado pela Promotoria, o verdadeiro nome do magistrado é José Eduardo Franco dos Reis, de 67 anos. Ele responderá por falsidade ideológica e uso de documento falso, após ter supostamente construído uma carreira inteira no Judiciário sob identidade fictícia.
A denúncia foi protocolada na 29ª Vara Criminal da capital paulista em 27 de fevereiro de 2025 e recebida pela Justiça nesta segunda-feira (31), tornando o acusado oficialmente réu. O processo tramita sob sigilo.
A apuração teve início após Reis, utilizando o nome fictício, tentar emitir uma nova via de sua carteira de identidade em um posto do Poupatempo na cidade de São Paulo, em outubro de 2024. O episódio levou à abertura de investigação pela Polícia Civil, que identificou a fraude ao cruzar impressões digitais do denunciado com registros anteriores.
Segundo o promotor Maurício Salvadori, o réu teria criado a identidade falsa em 1980, ao obter um RG como Edward Wickfield. Para isso, utilizou documentos como um certificado de dispensa militar, uma carteira de servidor do Ministério Público do Trabalho e uma CTPS, todos em nome da persona inventada. Na documentação, alegava ser filho de Richard e Anna Wickfield, supostos descendentes da nobreza britânica — informação que não pôde ser confirmada.
Sob o nome falso, Reis ingressou na Faculdade de Direito da USP na década de 1980, graduando-se em 1992. Três anos depois, foi aprovado em concurso público para a magistratura paulista e iniciou sua carreira como juiz de direito. Atuou em varas cíveis, proferindo milhares de decisões e chegou a exercer funções administrativas, como a coordenação do Núcleo Regional da Escola Paulista da Magistratura em Serra Negra (SP). Aposentou-se em abril de 2018, conforme registro publicado no Diário da Justiça Eletrônico.
A figura pública de Wickfield foi reforçada por reportagens da época, como uma matéria da Folha de S.Paulo, publicada em 23 de dezembro de 1995. O texto descrevia o então novo juiz como “descendente de nobres britânicos” e relatava sua alegada vivência na Inglaterra até os 25 anos, além da afirmação de que era neto de um juiz britânico — tudo com base em relatos dados pelo próprio acusado à imprensa.
Veja reportagem do Fantástico/Globo
Contudo, registros obtidos pelo MP revelam que José Eduardo Franco dos Reis nasceu em Águas da Prata (SP), em 17 de março de 1958, filho de brasileiros identificados como José e Vitalina. A denúncia aponta que os documentos utilizados por Reis não continham recursos de segurança na época, o que teria facilitado a criação e a manutenção da identidade falsa ao longo dos anos.
O MP sustenta que Reis cometeu três vezes os crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso, com atos documentados em:
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agosto de 2021, em registro junto ao Detran;
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setembro de 2020, no sistema do Renavam;
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outubro de 2024, ao solicitar a nova carteira de identidade.
Com o avanço das tecnologias de biometria, foi possível confirmar que as impressões digitais de Reis coincidiam com as de Wickfield, encerrando a dúvida sobre a fraude.
Na denúncia, o Ministério Público solicitou que os órgãos responsáveis invalidem todos os registros e documentos emitidos em nome de Edward Wickfield, inclusive o CPF. Também foram requeridas medidas cautelares, como a entrega do passaporte e a proibição de o acusado deixar a cidade onde reside.
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