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Criminosos faziam ‘leilões virtuais’ em grupos de WhatsApp para negociar carros roubados

por Editoria Delegados

RS: Integrantes da quadrilha enviavam vídeos como “propaganda” da mercadoria

 

Um grupo criminoso preso no final de março no Rio Grande do Sul fazia uma espécie de ‘leilão virtual’ de carros roubados por grupos do aplicativo WhatsApp. Integrantes da quadrilha enviavam vídeos como “propaganda” da mercadoria. Segundo a polícia, eles chegaram a roubar 150 carros por mês em Porto Alegre e na Região Metropolitana, como mostra reportagem veiculada no Fantástico, da TV Globo.

O grupo é investigado pelo roubo de aproximadamente 1,5 mil carros. Em um ano, a polícia calcula que os bandidos tenham movimentado mais de R$ 6 milhões.

Durante a investigação, que durou pouco mais de um ano, os agentes do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) identificaram pelo menos dez grupos de WhatsApp, onde carros roubados no Rio Grande do sul eram oferecidos para criminosos de todo o Brasil. O levantamento aponta que negócios foram fechados com pessoas de nove estados: Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahia.

 

Como a quadrilha atuava

Os carros eram roubados nas ruas da Região Metropolitana de Porto Alegre, geralmente por dois bandidos, integrantes do grupo, chamados de “cupinxas” ou “puxadores” de veículos. Os assaltos ocorriam sempre à mão armada.

 

Depois de render a vítima, eles fugiam. Procuravam uma rua com vaga para estacionar, ou até mesmo, estacionamentos de shoppings, de supermercados e até do aeroporto – os chamados “bretes”. Ali deixavam os veículos e aguardam “esfriar” as buscas por ele e até mesmo esperar para saber se eram rastreados ou não.

Usando smartphones, os mesmos bandidos tiravam fotos dos carros. As imagens eram enviadas para os líderes do bando, que criaram grupos fechados no aplicativo de mensagens WhatsApp. Por ali ofereciam os veículos, como se fosse um leilão virtual.

 

Com as fotos, informações do ano, modelo, potência do motor e que tipo de combustível, os carros e caminhonetes eram oferecidos, em média, a apenas 10% do valor real de mercado.

O cliente ainda poderia escolher a “modalidade” do veículo, que poderia ficar com as placas originais, que constam no sistema da polícia como carro roubado, ou clonadas. Os compradores, geralmente bandidos de outros estados, poderiam também fazer a compra da falsificação de documentos, que também era oferecida pelos criminosos nos grupos.

Vídeo em empresa de fachada

Em um dos vídeos obtidos pela polícia, um homem “anuncia” uma caminhonete S10 roubada na Zona Norte de Porto Alegre para um “cliente” que está em Goiás. “O bagulho é novo. Não tem uma batida. Nada! Chegou agora!”. No vídeo a caminhonete é oferecida R$ 12 mil. Em concessionárias, custa R$ 143 mil.

O “cliente” era Diego, um homem que se interessou pelo carro por um “anúncio” feito em um desses grupos. Já o “vendedor” era Leonardo Augusto Prestes, de 33 anos, líder da quadrilha desarticulada pela Delegacia de Roubos do Deic na Operação Macchina Nostra, no final de março. Ele foi preso só de cuecas em uma casa de luxo em Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Além dele, foram detidos 22 integrantes do grupo no interior do Rio Grande do Sul; em Blumenau, em Santa Catarina, e em Pato Branco, no Paraná.

O vídeo que anuncia a S10 roubada foi gravado em uma lavagem de carros, que ficava às margens da RS-40, próximo à residência de Leonardo. O local, na verdade, era uma empresa de fachada, que usava o pátio para guardar os veículos roubados pela quadrilha.

Diego e Leonardo negociam a caminhonete em uma conversa privada no WhatsApp, como preferem os criminosos. É que apesar da existência dos grupos, muitas vezes os negócios não são fechados abertamente por ali.

A negociação começou no dia 19 de novembro de 2016. Nos grupos e na internet, Leonardo usa o codinome de Eduardo. No WhatsApp, é identificado como “Leonardo carros Poa”. Em áudio, Diego pergunta o valor da caminhonete a Leonardo, que responde: R$ 12 mil. O ‘cliente’ tenta negociar. “Faz essa caminhonete R$ 10 mil? Moço eu vou c… esse dinheiro aqui mano. Faz a caminhonete R$ 10 mil, ai?”

Leonardo responde: “capaz mano”. O homem insiste e pede para fazer a caminhonete por R$ 10,5 mil. A resposta é firme:

“Não. A caminhonete é 12 ‘pila’. Não baixo um real. O bagulho é a diesel, automática LTZ. É o sonho de consumo isso aí, e daqui a pouco está vendida.”

Em outra conversa, o “vendedor” aceita baixar o valor, e diz está chegando em casa e que vai verificar. “Ô meu, seguinte: vou fazer R$ 11,5 mil a S10 para ti. R$ 11,5, está bem?”

A negociação só terminou dia 24 de novembro. Diego ainda enviou fotos do dinheiro para Leonardo. E, no dia seguinte, ele saiu de Goiás com a família – a filha bebê e a esposa –, pegou a S10 que estava estacionada no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, e tomou a estrada de volta para Goiás. Entretanto, foi abordado por policiais quando parou em um posto de combustíveis, às margens da BR-101, em Osório.

‘Aqui é o Detran’

 
Ao oferecer a clonagem das placas, Leonardo debocha das autoridades enquanto grava com o celular a caminhonete e os rostos de um comparsa e dele próprio: “Vamos emplacar, que aqui é o Detran, está ligado? Temos aqui o nosso despachante, e eu, também, que sou o ‘cara’.”

‘Pareciam profissionais’

A proprietária da caminhonete S10 conversou com a reportagem sem ser identificada. Ela relata que foi assaltada em uma esquina da Zona Norte de Porto Alegre por dois homens jovens “bem vestidos” e que “pareciam profissionais”.

“Quando fizeram a abordagem, a rapidez como tudo aconteceu e a exigência de que soltasse tudo, se via que o foco deles era no veículo. O veículo provavelmente tivesse sido encomendado, estava dentro do perfil de veículos que eles queriam.”

A mulher diz ainda estar abalada com a situação. Ela e o marido entravam no carro quando foram abordados por volta das 16h, em uma região movimentada da cidade.

“Chegaram dois indivíduos armados, perguntando da chave para o meu marido e para mim, que eu deixasse a minha bolsa e todas as coisas de valor dentro do carro. Eu fiquei com uma sensação muito ruim. Porque eu não tinha nem chave para entrar na minha casa e não tinha dinheiro.

A reportagem mostrou à mulher a negociação da S10 dela por criminosos. Ao escutar a conversa, ela demonstrou ter ficado indignada:

“Você se sente humilhado. É u m sentimento horrível. Um bem que a gente trabalha tanto para adquirir sendo vendido por menos de 10% do valor dele. Uma sensação de impotência.”

O delegado Marco Antônio Arruda Guns, da Delegacia de Roubo de Veículos do Deic, explica o interesse de criminosos de outros estados por veículos roubados no Rio Grande do Sul. “É que ele não vai ter o trabalho e o risco de roubar no seu estado e os carros daqui já saiam prontos”, diz o delegado. “Vale a pena para eles.”

‘Braços’ no PR e em SC

Os roubos e as clonagens de carros eram feitos por uma associação criminosa. Além de Leonardo, que coordenava ações na Região Metropolitana, tinha uma espécie de coliderança em Caxias do Sul. Lá o chefe era Márcio Sotel, de 29 anos, um criminoso que ordenava roubos na Serra, mas que também tinha “cupinxas” na Região Metropolitana.

Os dois líderes, Leonardo e Sotel, se comunicavam diariamente, definiam preços e trocavam veículos. No organograma da quadrilha, a polícia identificou mais de 30 criminosos, entre ladrões e clonadores de veículos e falsificadores de documentos que recebiam ordens da dupla.

“Trabalhamos com inteligência para chegar às engrenagens maiores. Porque a engrenagem lá da ponta que faz o roubo, que faz o furto, é fácil de ser trocada. Sai um, entra outro. Agora, a engrenagem principal, os líderes, são mais difíceis, e isso quebra a quadrilha”, observa o diretor de investigações do Deic, delegado Sander Cajal.

O grupo criminoso tinha mais dois braços avançados na Região Sul do país. Em Blumenau, Gabriela Denise Pfau, 32 anos, conhecida no mundo do crime como “Daia”, recebia carros da quadrilha, auxiliava na localização de veículos para clonar e também distribuia documentos falsos.

O contato do Paraná era Peterson Risson Almeida da Silva, 20 anos. Ele encomendava todos os tipos de veículos, mas principalmente caminhonetes utilitárias e de luxo. Segundo as investigações, o interesse de Peterson era basicamente usar os veículos para desmanches e obtenção de peças. Daia e Peterson também foram presos por equipes do Deic, no dia 31 de março.

Leonardo, Sotel e Daia ja tinham passagens pela polícia, entre os crimes, todos com antecedentes por envolvimento no roubo ou receptação de veículos.

Sequestro de bens

Na semana passada, a polícia sequestrou bens e imóveis que somaram mais de R$ 1,5 milhão. Somente em dinheiro, os policiais encontraram nas casas R$ 40 mil, além de carros, joias e uma moto aquática. A residência do líder da quadrilha no condomínio de luxo de Viamão e outra casa de praia em Tramandaí também foram sequestradas. Sete contas bancárias estão bloqueadas, mas os valores ainda não foram analisados.

Segundo o delegado Adriano Nonnemacher, a operação foi dividida em duas, uma para desbaratar a quadrilha e outra para levantar os bens comprados com o dinheiro do crime.

“Realizamos um planejamento estratégico em paralelo de lavagem de dinheiro. Os líderes e alguns gerentes também vão ser indiciados por lavagem de dinheiro. Nossa ideia era atingir o poder aquisitivo da quadrilha. Tudo que for comprovado que foi comprado com dinheiro dos roubos, vai ser impedido em favor do Estado ou para ressarcimento das vítimas”, explica o delegado Adriano Nonnenmacher de Souza, da delegacia de Roubos de veículos do Deic.

 

G1

 

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