Início » Crimes contra a ordem tributária

Crimes contra a ordem tributária

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS

JURÍDICO
Crimes contra a ordem tributária
Inexistência antes do exaurimento da via administrativa

JURÍDICO

por Alessandro Prado Lemos

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a tese de que falta justa causa para a ação penal relativa aos crimes contra a ordem tributária, tipificados no art. 1º da Lei nº 8137/90, quando ainda pendente processo administrativo fiscal tendente a discutir o crédito tributário.

Palavras-chave: Crimes. Ordem tributária. Prévio exaurimento da via administrativa fiscal. Pendência. Ação penal. Falta justa causa.

1. Introdução

O presente artigo foi confeccionado com o objetivo de trazer algumas explicações sobre a necessidade do prévio exaurimento da via administrativa fiscal para a configuração dos crimes contra a ordem tributária.

O cerne da discussão nos remete à Lei nº 8137/90. No caput do seu artigo 1º o tipo exige, para a configuração dos crimes em comento, a supressão ou a redução de tributo ou contribuição social e qualquer acessório, através de uma ou mais condutas descritas nos incisos do referido artigo.

No art. 2º da mesma lei, o legislador descreveu outras condutas e definiu finalidades ao que elegeu como crimes da mesma natureza, estes crimes também merecem, pelo menos, rápida análise.

Noutro prisma, devemos ter em mente que o tributo ali referido, a ser supostamente suprimido ou reduzido, há de ser o tributo devido, diga-se, por oportuno, aquele que se torna conhecido quando da manifestação final da administração tributária (lançamento definitivo).

Desta feita, para conhecermos o tributo, diga-se tributo devido, dependemos da finalização do processo administrativo fiscal, até porque, se não conhecemos o tributo devido, não sabemos se, porventura, ele foi suprimido ou reduzido.

Mas a análise do tema ora proposto, nos induz a avançar para colher e produzir informações que ajudem o operador do direito a concluir, se a ação penal fiscal oferecida e trancada antes do encerramento do processo administrativo fiscal, pode ser convalidada com o deslinde deste último.

Por outro lado, não podemos perder de vista que a última palavra sobre o tributo ser devido ou não é da administração fiscal e, não obstante acreditarmos que o referido processo é norteado pelos princípios constitucionais garantidores de um processo digno (devido processo legal e ampla defesa), por vezes, nos deparamos com uma interpretação tendenciosa da legislação tributária, e não se diga que essa tendência se curvaria aos interesses do contribuinte!

Sem sombra de dúvidas, as análises realizadas pelo presente trabalho não esgotam o tema, outrossim, levantam questões importantes para que o Estado-juiz possa oferecer a referida tutela jurisdicional com a máxima efetividade e observância aos princípios que norteiam a matéria.

2. Crimes contra a ordem tributária: classificação e elementos do tipo

Os crimes que ora recebem a nomenclatura de crimes contra a ordem tributária, eram definidos na Lei nº 4729/65 como crimes de sonegação fiscal, esta lei se encontra derrogada, pois a mencionada Lei nº 8137/90 revogou implicitamente diversos dispositivos daquela lei de 1965.

O bem jurídico tutelado pela referida Lei nº 4729/65 era o patrimônio público e, no seu bojo, previa a intencionalidade de eximir-se do pagamento de tributo como elemento do tipo penal, através de uma das condutas descritas no mesmo. Desta feita, para a consumação do crime de sonegação fiscal bastaria a configuração de uma das mencionadas condutas direcionadas a eximir-se do pagamento de tributo, sem, contudo, depender do efetivo resultado.

A nova lei que regulou a matéria, da mesma forma que a anterior, procurou resguardar o erário público, o patrimônio público como bem da coletividade, pois para que o Estado cumpra seu ideal de desenvolvimento nacional com a erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais, é necessária a obtenção de recursos garantidores das referidas finalidades.

Pois bem. Os crimes contra a ordem tributária praticados por particular estão previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8137/90, o primeiro é crime material ou de resultado, pois sua consumação se dá quando, através das condutas descritas nos incisos, o agente efetivamente suprime ou reduz tributo ou contribuição ou qualquer acessório, ou seja, é fundamental a ocorrência do resultado previsto no tipo, no caso, a redução ou supressão do tributo para a consumação do crime.

O segundo é crime formal, ou seja, o tipo prevê a conduta e o resultado naturalístico, mas a consumação se configura quando o agente pratica a referida conduta descrita no tipo, sem, contudo, a necessidade da ocorrência do resultado. Acreditamos que, como já dito, os crimes tratados acima são formais e diferem dos de mera conduta, que são aqueles que só descrevem o comportamento do agente, conforme DAMÁSIO:

“Distinguimos os crimes formais dos de mera conduta. Estes são sem resultado; aqueles possuem resultado, mas o legislador antecipa a consumação à sua produção. No crime de mera conduta o legislador só descreve o comportamento do agente. Exs.: violação do domicílio (art. 150), desobediência (art. 130) e reingresso de estrangeiro expulso (art. 338). No crime formal o tipo menciona o comportamento e o resultado, mas não exige a sua produção para a consumação. Exs.: crimes contra a honra, ameaça, divulgação de segredo, violação de segredo profissional e etc.”1

Outrossim, podemos verificar que tanto no art. 1º quanto no art. 2º da Lei 8137/90, há elementos normativos que integram o tipo, ou seja, aqueles elementos que tratam de fatos juridicamente qualificados.

Desta feita, quando se fala em tributo, contribuição social e qualquer acessório, estamos diante de elementos do direito tributário, logo, devemos buscar no âmbito deste ramo do direito as definições e peculiaridades daqueles termos, sob pena de aplicarmos a lei penal em discrepância com o ordenamento jurídico.

3Tributo devido: processo administrativo fiscal

Frise-se que cada ente federativo poderá disciplinar o seu processo administrativo fiscal para regular a constituição e cobrança de seus créditos fiscais, observando-se, contudo, os princípios e normas constitucionais, principalmente, os que asseguram o devido processo legal e a ampla defesa.

No âmbito federal, o processo administrativo fiscal é regulado pelo Decreto nº 70.235/72 e, subsidiariamente, pela Lei n° 9784/99 que, no plano federal, regula o processo administrativo como gênero, do qual o fiscal é espécie.

Desta feita, as principais características do processo administrativo fiscal são: instrumento para o controle da legalidade dos atos da Administração Tributária, instrumento para outorga de direitos e para aplicação de sanções por descumprimento da obrigação tributária. Nestes termos, sustenta Hely Lopes Meirelles:

“Processo administrativo tributário ou fiscal, propriamente dito, é todo aquele que se destina à determinação, exigência ou dispensa do crédito fiscal, bom como à fixação do alcance de normas de tributação em casos concretos, pelos órgãos competentes tributantes, ou à imposição de penalidade ao contribuinte. Nesse conceito amplo e genérico estão compreendidos todos os procedimentos fiscais próprios, sob as modalidades de controle (processos de lançamento e de consulta), de outorga (processos de isenção) e de punição (processos por infração fiscal), sem falar nos processos impróprios, que são as simples autuações de expediente que tramitam pelos órgãos tributantes e repartições arrecadadoras para notificação do contribuinte, cadastramento e outros atos complementares de interesse do fisco.”2

Todos esses aspectos, conquanto assaz relevantes, não cabem na perspectiva deste trabalho, sob pena de se estender demasiadamente o mesmo, portanto, nos ateremos a algumas peculiaridades do processo administrativo fiscal como instrumento para determinação do crédito fiscal.

O PAF federal como instrumento para determinação do crédito fiscal é composto por duas fases, a não contenciosa e a contenciosa, a primeira se verifica com os procedimentos fiscalizatórios da administração tributária competente para fazer o lançamento e termina com o termo de encerramento de fiscalização, que será acompanhado de um auto de infração nos casos em que alguma infração da legislação tributária tenha sido constatada, a segunda, se inicia, necessariamente, com a impugnação do sujeito passivo ao mencionado auto de infração (Dec. 70235/72, art. 14).

A primeira fase constitui o lançamento do tributo, “assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”(CTN, art. 142).

Na segunda fase, o contribuinte pode buscar a alteração do lançamento daquele crédito tributário através da já mencionada impugnação, a fim de questionar a validade do crédito e o seu real montante, através de reclamações e recursos administrativos e, inclusive, buscar o reconhecimento de imunidade, isenção ou compensação, à luz do contraditório e da ampla defesa assegurados ao cidadão por norma constitucionalmente positivada (art. 5º, inciso LV).

Frise-se que, as reclamações e os recursos impetrados pelo contribuinte na esfera administrativa fiscal suspende a exigibilidade do crédito tributário nos exatos termos do art. 151, III do CTN.

O crédito tributário se tornará imutável na esfera administrativa fiscal por ocasião da decisão final administrativa transitada em julgado, ou seja, fase em que não mais caberia nenhum recurso administrativo, restando, apenas, a possibilidade de discussão judicial, é o chamado lançamento definitivo, onde se conhece o valor do tributo a ser pago, se for o caso, restando caracterizado como tributo devido.

Temos neste momento, portanto, o montante do tributo devido, se é que há tributo a ser pago. Desta feita, sempre que uma norma se refere a tributo devemos crer que se trata de tributo devido, aquele que foi devidamente constituído através de processo administrativo fiscal, onde são devidamente observados os princípios constitucionais (principalmente o do contraditório e o da ampla defesa) e infra-constitucionais.

Outrossim, o contribuinte detém verdadeiras armas contra o fisco, no decorrer da instância administrativa. Como por exemplo, o processo administrativo fiscal deve observar os prazos que a lei lhe impõe, sob pena de se extinguir o crédito tributário e, uma vez extinto o crédito tributário, não há mais que se falar em tributo devido, muito menos em tributo suprimido ou reduzido.

Frise-se que, em observância ao princípio da segurança jurídica a administração tributária não pode eternizar a sua busca pela constituição do crédito, mas deve observar o prazo decadencial do direito de lançar (5 anos) previsto no art. 173 e incisos do CTN.

Noutro aspecto interessante, a administração fiscal tributária também deve observar o prazo de prescrição intercorrente de 5 anos, no âmbito do processo administrativo fiscal, conforme se depreende com a leitura do parágrafo único do art. 173 do CTN, alguns doutrinadores sustentam ser esse prazo de perempção, entretanto, outros entendem não existir prescrição intercorrente administrativa.

Se por qualquer dessas hipóteses o crédito tributário restar extinto, não se pode falar em crime fiscal inserto nos artigos 1° e 2° da Lei n° 8137/90, daí a importância do processo administrativo fiscal.

Pelo exposto, temos que se a lei busca resguardar o contribuinte das agruras do Estado-Arrecadador, este deve atentar para o bom andamento de seus procedimentos e atividades a fim de que seu direito não pereça, sob pena de, além de ver seu crédito extinto, por outro lado, não ver o suposto sonegador do tributo demandado criminalmente.

4 Prévio exaurimento do processo administrativo fiscal e consumação dos crimes contra a ordem tributária: entendimento jurisprudencial

Durante a vigência da Lei nº 4729/65, não poucas vezes o judiciário brasileiro se deparou com denúncias contra supostos sonegadores, antes mesmo que a administração tributária tivesse se manifestado sobre a existência de tributo, sua redução ou supressão. Acontece que inúmeras vezes o juízo criminal atestava a responsabilidade criminal e logo após o juízo administrativo afastava a responsabilidade administrativo-tributária, causando verdadeira celeuma sobre a questão.

Isso acontecia, talvez, porque a referida lei tentou fazer menção e reforçar a garantia da independência das instâncias penal e administrativa, como se verifica pela leitura do art. 7º e seus parágrafos da mencionada lei, senão vejamos:

“Art 7º As autoridades administrativas que tiverem conhecimento de crime previsto nesta Lei, inclusive em autos e papéis que conhecerem, sob pena de responsabilidade, remeterão ao Ministério Público os elementos comprobatórios da infração, para instrução do procedimento criminal cabível.

§ 1º Se os elementos comprobatórios forem suficientes, o Ministério Público oferecerá, desde logo, denúncia.

§ 2º Sendo necessários esclarecimentos, documentos ou diligências complementares, o Ministério Público os requisitará, na forma estabelecida no Código de Processo Penal.”

Pela leitura da referida norma legal, podemos perceber que não há menção ao término de qualquer processo administrativo porventura aberto com relação àquela exação tributária, fazendo com que a autoridade administrativa, temendo pena de responsabilidade, remetesse ao MP qualquer tipo de indício de crime, sem mesmo adentrar a questão a fundo.

A celeuma sobre a independência das instâncias foi reacendida com o advento da Lei nº 9430/96, que em seu art. 83 tratou da representação fiscal quanto aos crimes contra a ordem tributária. Pelo menos para alguns, o legislador criou uma suposta norma de confluência entre as instâncias administrativa e penal.

A referida norma foi objeto de diversas e tormentosas discussões, em relação ao seu alcance, surgiram duas posições ao referido artigo: a primeira no sentido de que a norma em comento estabelecia dependência entre as instâncias administrativa e penal (predominantemente doutrinária); e a segunda previa que a norma não estabelecia tal dependência (predominantemente jurisprudencial). Vejamos o citado dispositivo:

Art. 83 – A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Pelas razões expendidas sobre a norma citada, o Procurador-Geral da República impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade, sob a alegação de suposta violação de diversas normas da Constituição Federal. Requereu, em sede de liminar, a suspensão do disposto no art. 83 da lei nº 9.430/96.3

Em sede liminar, o relator, Ministro Néri da Silveira, indeferiu-a, entendendo que a norma em comento não teve o condão de coarctar as atribuições do Ministério Público, conforme delineado no art. 129, I da CRFB/88, pois não criou condição de procedibilidade para a instauração da ação penal pública, mas sim previu o momento em que a autoridade fiscal deve encaminhar ao Ministério Público informações acerca dos delitos contra a ordem tributária.4

A referida ADIn nº 1571-1, que teve como relator o Ministro Gilmar Mendes, foi julgada improcedente ao final, a ação foi assim ementada:

“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 83 da Lei no 9.430, de 27.12.1996. 3. Argüição de violação ao art. 129, I da Constituição. Notitia criminis condicionada “à decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário”. 4. A norma impugnada tem como destinatários os agentes fiscais, em nada afetando a atuação do Ministério Público. É obrigatória, para a autoridade fiscal, a remessa da notitia criminis ao Ministério Público. 5. Decisão que não afeta orientação fixada no HC 81.611. Crime de resultado. Antes de constituído definitivamente o crédito tributário não há justa causa para a ação penal. O Ministério Público pode, entretanto, oferecer denúncia independentemente da comunicação, dita “representação tributária”, se, por outros meios, tem conhecimento do lançamento definitivo. 6. Não configurada qualquer limitação à atuação do Ministério Público para propositura da ação penal pública pela prática de crimes contra a ordem tributária. 7. Improcedência da ação.”5
Noutro giro, cumpre salientar que, se o processo administrativo fiscal deve obedecer todo um sistema legal para que ao final o tributo seja considerado certo, líquido e exigível e se tenha conhecimento de indícios da autoria e materialidade de crimes contra a ordem tributária, o processo-crime fiscal penderia de efetividade prática, seja por falta de condição objetiva de procedibilidade, seja por falta de elemento normativo do tipo.

Com efeito, alguns doutrinadores entendem que o exaurimento da via administrativa fiscal é condição de procedibilidade para a configuração do tipo em comento, outros entendem ser elemento normativo do tipo, independente do entendimento aventado por quaisquer dos posicionamentos, ao final, chega-se à conclusão de que falta justa causa para a ação penal se o processo administrativo fiscal não se revestir da característica da definitividade.

Os tribunais superiores, de igual modo, vem refutando a idéia da continuidade do processo-crime fiscal na pendência de procedimento administrativo fiscal tendente a constituir definitivamente o crédito tributário que deu azo a pretensão acusatória do Estado-Acusador.

Paradigma que se firmou no julgamento do HC nº 81.611, pelo plenário do STF e, foi seguido, à unanimidade por seus órgãos fracionários, no sentido de que nos crimes do art. 1º da Lei nº 8137/90, que são materiais ou de resultado, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva da punibilidade, configurando-se como elemento essencial à exigibilidade da obrigação tributária, cuja existência não se pode se verificar até que haja o efeito preclusivo da decisão final em sede administrativa e que, como o crime só se consuma com a constituição definitiva do lançamento, o prazo prescricional ainda não se iniciou, veja-se a ementa:

“I. Crime material contra a ordem tributária (L.8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.”6

Em outras oportunidades o Pretório Excelso se posicionou sobre o tema seguindo a linha de raciocínio do leading case (HC nº 81.611-8), sempre relacionando a falta de justa causa para a ação penal pela pendência do processo administrativo fiscal ao art. 1º da Lei nº 8137/90, sem, contudo, entendendo aplicável ao art. 2º da mesma lei. Vejamos decisão da lavra do Eminente Ministro Cezar Peluso sobre o tema:

“AÇÃO PENAL. Crime tributário, ou crime contra a ordem tributária. Art. 1º da Lei nº 8.137/90. Delito material. Tributo. Inscrição mediante auto de infração. Cancelamento por decisão judicial em mandado de segurança. Crédito não lançado definitivamente. Falta irremediável de elemento normativo do tipo. Crime que se não tipificou. Trancamento do processo. HC concedido para esse fim. Precedentes. Não se tipificando crime tributário sem o lançamento fiscal definitivo, não se justifica pendência de ação penal, quando foi cancelada, por decisão judicial em mandado de segurança, a inscrição do suposto débito exigido.”7

“Habeas Corpus” – crimes contra a ordem tributária (lei nº 8.137/90, art. 1º) – crédito tributário ainda não constituído definitivamente – procedimento administrativo-fiscal ainda em curso quando oferecida a denúncia – ajuizamento prematuro da ação penal – impossibilidade – ausência de tipicidade penal – reconhecimento da configuração de conduta típica somente possível após a definitiva constituição do crédito tributário – inviabilidade da instauração da persecução penal, mesmo em sede de inquérito policial, enquanto a constituição do crédito tributário não se revestir de definitividade – ausência de justa causa para a “persecutio criminis”, se instaurado inquérito policial ou ajuizada ação penal antes de encerrado, em caráter definitivo, o procedimento administrativo-fiscal – ocorrência, em tal situação, de injusto constrangimento, porque destituída de tipicidade penal a conduta objeto de investigação pelo poder público – conseqüente impossibilidade de prosseguimento dos atos persecutórios –

invalidação, desde a origem, por ausência de fato típico, do procedimento judicial ou extrajudicial de persecução penal – precedentes do supremo tribunal federal – “habeas corpus” deferido.8

Ademais, este último julgado de relatoria do Eminente Ministro Marco Aurélio, deixa claro o entendimento do Pretório Excelso quanto ao trancamento, não só do processo-crime, mas de qualquer inquérito policial tendente a averiguar a existência e materialidade de crimes contra a ordem tributária antes do encerramento do processo administrativo fiscal.

Após diversas manifestações do STF em favor do trancamento da ação penal se pendente processo administrativo fiscal, este Supremo Tribunal decidiu, recentemente, editar a Súmula Vinculante nº 24, que tem o seguinte teor:

“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, inciso I a IV da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.

O STJ em diversas oportunidades já se manifestou a respeito do tema, seguindo a mesma linha de raciocínio do Pretório Excelso, entendendo pela necessidade de se esgotar a via administrativa fiscal, antes de se manejar a denúncia pelos crimes materiais contra a ordem tributária, sob pena de trancamento da ação penal.

Outrossim, este Egrégio Tribunal entende que o prévio exaurimento da via administrativa fiscal é condição objetiva de punibilidade dos crimes materiais contra a ordem tributária, como veremos a seguir:

“CRIME. ORDEM TRIBUTÁRIA. INQUÉRITO POLICIAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. Resulta do descumprimento de condição objetiva de punibilidade a impossibilidade de instauração da ação penal por prática do crime de sonegação fiscal (crime contra a ordem tributária) e, conseqüentemente, do próprio inquérito policial enquanto não houver decisão final sobre a exigência do crédito tributário (lançamento definitivo do tributo), tal como determinado pelo art. 83 da Lei n. 9.430/1996. No caso, não houve sequer auto de infração, como demonstrado por certidão, a comprovar inexistir ainda crédito exigível. Precedentes citados do STF: ADI 1.571-1-DF, DJ 30/4/2004; do STJ: RHC 16.994-RS, DJ 28/11/2005. HC 53.033-BA, Rel. Min. Paulo Medina, julgado em 28/3/2006.”9

“Recurso Especial. Crime contra a ordem tributária. art. 1º, incisos i e ii, da lei n.º 8.137/90. trancamento da ação devidamente fundamentado. art. 619 do cpp. ausência de violação. crédito fiscal. pendência de processo administrativo. ausência de lançamento definitivo. delito não consumado. prazo prescricional que não se inicia. precedentes do STF.”10

“Crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90). Lançamento definitivo do crédito (condição objetiva de punibilidade). Busca e apreensão (prova ilícita). 1. Nos crimes contra a ordem tributária, a propositura da ação penal, bem como o procedimento prévio investigatório, pressupõe haja decisão final sobre o crédito tributário, o qual se torna exigível somente após o lançamento definitivo. 2. Notícia não há, no caso, de decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário. 3. É necessário, antes, que o procedimento seja unicamente administrativo-fiscal, evitando-se, com isso, que expedientes próprios da investigação criminal sejam indevidamente usados para a definição de créditos tributários. 4. No caso, se não se podia, e, de fato, ainda não se pode, instaurar ação penal, então não foram lícitas a busca e a apreensão. 5. Recurso ordinário provido a fim de se determinar sejam devolvidas as coisas de natureza tributária apreendidas em virtude da busca e apreensão.”11

Interessante observar que no julgado acima colacionado, o STJ na voz do Eminente Ministro Hamilton Carvalhido, buscou estabelecer o status quo ante determinando que sejam devolvidos os produtos da busca e apreensão realizada por clara ilicitude do procedimento, tendo em vista que a ação penal não poderia ser proposta, pois pendente processo administrativo-fiscal.

Com relação a possibilidade de convalidação de ação penal fiscal oferecida e trancada antes do encerramento do processo administrativo fiscal e posterior deslinde deste último, o STF entendeu pela sua negativa, vejamos a voz abalizada do Ministro Joaquim Barbosa sobre o tema:

“HABEAS-CORPUS. PENAL TRIBUTÁRIO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTO DEVIDO (LEI 8.137/1990, ART. 1º, I e II). DENÚNCIA OFERECIDA ANTES DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ANULAÇÃO POR VÍCIO FORMAL E SUBSTITUIÇÃO DO LANÇAMENTO DURANTE O CURSO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. Antes da constituição definitiva do crédito tributário, não há justa causa para início da ação penal relativa aos crimes contra a ordem tributária (art. 1º da Lei 8.137/1990). Precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal (HC 81.611, rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ 13.05.2005). A substituição, por novos lançamentos, dos autos de infração anulados por vício formal não convalida a ação penal ajuizada antes do lançamento definitivo, porquanto a constituição do crédito tributário projeta um novo quadro fático e jurídico para o oferecimento da denúncia. Durante a pendência do julgamento de recurso administrativo no âmbito tributário, não há o início do curso do prazo prescricional (art. 111, I, do Código Penal). Ordem de habeas-corpus concedida, para trancamento da ação penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia, com base em crédito tributário definitivamente constituído.”12

5. Conclusão

Com efeito, por todo o exposto, podemos concluir que tratando-se de crimes contra a ordem tributária praticados por particulares previstos no art. 1º da Lei nº 8137/90, resta impossível a propositura de ação penal, ou mesmo abertura de inquérito policial, enquanto pendente processo administrativo fiscal tendente a discutir a exação fiscal objeto de possível crime.

Com relação ao art. 2º do mesmo diploma legal, acreditamos que deve haver razoabilidade na propositura da ação penal, pois mesmo que a consumação do crime não preveja dolo específico, bastando o comportamento típico, sem a necessidade de se verificar o resultado, casos há em que, tais comportamentos não evidenciam perigo ao bem jurídico tutelado.

6. Bibliografia

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, 17ª. Ed. Saraiva: São Paulo, 1993, pág. 168.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral, Vol. 1. – 11ª. Ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral, vol. 1 – 5ª. Ed.Rio de Janeiro: Impetus, 2005.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – Parte Geral, 1º Vol. São Paulo: Saraiva, 1999.

MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a ordem tributária – 2ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2009.

CARNEIRO, Cláudio. Processo Tributário – Administrativo e Judicial. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 12ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

JUSVI

DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social
Portal Nacional dos Delegados

você pode gostar