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Conversa informal, gravação clandestina sem autorização judicial e sua legalidade

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS

JURÍDICO
Conversa gravada sem autorização e sua legalidade

JURÍDICO

{loadposition adsensenoticia}Gravação ambiental sem ordem judicial e sua conseqüência jurídica. Fato que atormenta os operadores do Direito e a população que necessita da utilização de apetrecho para gravar alguma situação constrangedora ou no pleno exercício de sua função.

Tranquilo entendimento que somente a interceptação telefônica carece de decisão judicial, deixando a gravação clandestina, a qual pode ser ambiental, telefônica ou similar, além da escuta telefônica, onde se observa a autorização de um dos interlocutores, vítima de ato delitivo, sem necessidade de endosso judiciário. Logo, o juiz de direito só poderá determinar a interceptação telefônica, pois não existe legislação permissiva de escuta ou gravação clandestina.

Jurisprudência majoritária admite a gravação clandestina, a gravação ambiental e a escuta telefônica como provas líticas, principalmente quando a gravação é feita de um agente público no exercício das funções. Exemplo existente quando um agente público se corrompe e exige ‘propina’, havendo gravação clandestina ambiental ou escuta telefônica poderá ser usada como prova lícita, pois, neste aspecto, não há como defender a intimidade do servidor público.

Ventila o STF que “é lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com a autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista”. (MORAES, 2006, p. 101,102).

Luiz Flávio Gomes ainda colore: “a partir de meados da década de 70 passou a vigorar no Brasil o sistema da inadmissibilidade da prova ilícita, sendo acolhido pela Constituição de 1988. O STF também acolhe o sistema da inadmissibilidade. (HC 69.912-0-RS, Pertence). Destarte, a prova ilícita não pode ser juntada aos autos do processo, caso contrário, é ineficaz e deve ser desentranhada”. (GOMES, 2006, p.203, 204).

Entretanto, essa posição, no mesmo pensamento de Luiz Flávio Gomes, permite a exceção de que a prova ilícita ou ilegítima pro reo é admissível, sustentada pelo princípio da proporcionalidade: RJTJESP-Lex 138, p. 526 e ss. Em favor da sociedade, nesse âmbito probatório, não pode ser invocado o princípio da razoabilidade. (STF, HC 69.912-0, Sepúlveda Pertence, DJU de 25.03.94; STF, RE 251445-4, Celso de Mello, DJU de 03.08.00, p. 68)

É farta a jurisprudência nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 332, DO CÓDIGO PENAL. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. GRAVAÇÃO DE CONVERSA POR UM DOS INTERLOCUTORES (GRAVAÇÃO CLANDESTINA). NÃO CONFIGURA PROVA ILÍCITA. I III – A gravação de conversa realizada por um dos interlocutores é considerada prova lícita, e difere da interceptação telefônica, esta sim, medida que imprescinde de autorização judicial (Precedentes do STF e do STJ). Recurso desprovido. (STJ – RHC 19.136/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/03/2007, DJ 14/05/2007 p. 332).

PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao art. 5º, incs. X, XII e LVI, da CF. Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou. (STF – RE 402717, Relator (a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 02/12/2008, DJe-030 DIVULG 12-02-2009 PUBLIC 13-02-2009 EMENT VOL-02348-04 PP-00650).

STF – RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 402717 PR – 02/12/2008


DJe-030 DIVULG 12-02-2009 PUBLIC 13-02-2009 EMENT VOL-02348-04 PP-00650 RT v. 98, n. 884, 2009, p. 507-515 – Ementa – PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao art. 5º, incs. X, XII e LVI, da CF. Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou.

HABEAS CORPUS Nº 94.945 – SP (2007/0274547-0) TRF 3ª

“HABEAS CORPUS . CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇAO PÚBLICA. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇAO DA JUSTIÇA. COAÇAO NO CURSO DO PROCESSO. ALEGAÇAO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇAO DE ILEGALIDADE NA GRAVAÇAO TELEFÔNICA REALIZADA. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇAO DE CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZAO DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ACAREAÇAO. OCORRÊNCIA DE PRECLUSAO. ALEGAÇAO DE ILEGALIDADE POR AUSÊNCIA DE FIXAÇAO DA PENA-BASE. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇAO DE ILEGALIDADE NA EXACERBAÇAO DA PENA. INOCORRÊNCIA.

1. O reconhecimento da atipicidade da conduta em sede de habeas corpus somente é possível nas hipóteses em que houver plena comprovação da incidência da alegada atipicidade do fato, o que não ocorre no presente caso.

2. Como a gravação telefônica por um dos interlocutores não é considerada interceptação telefônica, admite-se que a gravação seja considerada lícita no processo penal, em razão do princípio da proporcionalidade.

3. Observa-se no caso ora analisado a ocorrência da preclusão acerca da alegação de cerceamento de defesa, haja vista que não houve o questionamento da matéria em sede de alegações finais.

4. Ademais, ao se falar em nulidade processual é necessário entender que o Código de Processo Penal acolheu o princípio pas de nullité sans grief , por meio do qual se conclui que somente há que se declarar a nulidade do feito quando, além de alegada no momento oportuno, se relativa, reste comprovado o efetivo prejuízo dela decorrente.

5. No caso em tela, não se vislumbra efetivamente demonstrado o prejuízo sofrido pelo paciente.

6. O juízo de 1ª instância respeitou efetivamente o critério trifásico de fixação da pena estabelecido pelo artigo 68 do Código Penal, não havendo qualquer ilegalidade ou constrangimento ilegal na sua conduta.

7. Não houve qualquer ilegalidade na fixação da pena-base e na sua exasperação. Isso porque o juízo de 1ª instância considerou como maus antecedentes as condenações do paciente decorridas há mais de 05 anos para aumentar a pena-base e considerou as condenações com trânsito em julgado com prazo inferior a 05 anos para aumentar a pena em razão da reincidência.

8. Parecer pela denegação da ordem. ”

É o relatório.

HABEAS CORPUS Nº 94.945 – SP (2007/0274547-0)


EMENTA


HABEAS CORPUS . CONDENAÇAO PELA PRÁTICA DO DELITO DE COAÇAO NO CURSO DO PROCESSO, PREVISTO NO ART. 344 DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇAO DE QUE TESTEMUNHA TERIA SIDO AMEAÇADA APÓS SEU DEPOIMENTO EM JUÍZO. ATIPICIDADE DA CONDUTA: TESE CONTRÁRIA À ANALISE DE FATOS E PROVAS REALIZADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ESTREITEZA DO WRIT. GRAVAÇAO TELEFÔNICA REALIZADA PELO INTERLOCUTOR VITIMIZADO SEM AUTORIZAÇAO JUDICIAL: INSTITUTO QUE NAO SE CONFUNDE COM A INTERCEPTAÇAO TELEFÔNICA, ESTE SIM SUJEITO À RESERVA DE JURISDIÇAO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ACAREAÇAO DE TESTEMUNHA: TESE NAO SUSTENTADA NAS ALEGAÇÕES FINAIS, OU NAS RAZÕES DA APELAÇAO. PRECLUSAO. NULIDADE RELATIVA. DEMONSTRAÇAO DE PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA . PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. REINCIDÊNCIA E MAUS ANTECEDENTES. CONCEITOS DISTINTOS. SUPOSTA OFENSA AO PRINCÍPIO DO NON BIS IN IDEM .


NAO-OCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE MAIS DE UMA CONDENAÇAO DEFINITIVA. EXASPERAÇAO DA PENA-BASE. MOTIVAÇAO VÁLIDA. PRECEDENTES DESTA CORTE . ORDEM DENEGADA.

1. Em processo penal, as instâncias ordinárias são soberanas na análise do conjunto fático-probatório. Não se presta o writ , ante sua estreiteza, a apreciar a alegação do Impetrante/Paciente de que sua conduta teria ocorrido após a audiência, o que ensejaria a atipicidade. Prevalece o que decidido pelo Tribunal a quo e pelo Juízo sentenciante, que condenaram o Paciente porque este teria ameaçado matar o filho da vítima caso ratificasse em juízo o testemunho prestado anteriormente à autoridade policial.

2. A gravação não se confunde com a interceptação telefônica, esta sim sujeita à reserva de jurisdição. A gravação telefônica feita por um dos interlocutores o vitimizado , sem autorização judicial, nada tem de ilícita, e pode ser validamente utilizada como elemento processual. Precedentes.

3 . Se o indeferimento de pedido de acareação de testemunhas não é impugnado na primeira oportunidade após o ato supostamente nulo no caso, as alegações finais , eventual nulidade, que seria relativa, resta convalidada pelo instituto da preclusão. Acrescente-se que nas razões recursais a matéria também sequer foi ventilada.

4. Não há nulidade processual sem demonstração da ocorrência de efetivo prejuízo para o réu, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal. Trata-se do princípio de pás de nullité sans grief . Se os demais elementos de provas são suficientes para a condenação do acusado, não se pode invalidar o processo em razão de material probatório alegadamente nulo.

5. Nada impede que, singularmente apreciadas, levem-se em conta duas ou mais condenações transitadas em julgado; umas, como maus antecedentes, com influência na fixação da pena-base; e outras, distintas daquelas, como reincidência, com acréscimo na segunda fase do cálculo penal. O que não se admite, sob pena de bis in idem , é a valoração de um mesmo fato, em momentos diversos da fixação da pena.

6. É legal a fixação da pena-base acima do mínimo legal, se aplicada de forma proporcional e suficientemente justificada na sentença penal condenatória, em razão do reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis, como condenações transitadas em julgado há mais de cinco (5) anos.

7. Ordem denegada.

Pelo que consta dos autos, a conversa ocorrida entre a testemunha Fátima e o advogado do paciente Amílcar foi obtida através de um gravador, mas sem o conhecimento de Amílcar.

Por isto, esta gravação seria ilícita, eis que violou a intimidade do advogado do paciente.

Realmente, não é permitido no processo penal, o uso de meios ilícitos para a obtenção de prova. Tal preceito vem disciplinado no artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos “.

JULIO FABBRINI MIRABETE, discorrendo sobre a admissibilidade ou não das provas ditas “ilícitas” e as “provas ilegitimamente admitidas” ensina:

” Fala-se, na doutrina, de “prova ilícita”, “prova ilegitimamente admitida”, “prova ilegítima”, “prova obtida ilegalmente” etc. Em resumo, a prova é proibida toda vez que caracterizar violação de normas legais ou de princípios do ordenamento de natureza processual ou material. Com fundamento nessa conceituação, dividem os autores as provas em: ilícitas, as que contrariam as normas de Direito Material, quer quanto ao meio ou quanto ao modo de obtenção; e ilegítimas, as que afrontam normas de Direito Processual, tanto na produção quanto na introdução da prova no processo. É necessário observar, porém, como faz Ada Pellegrini Grinover, que determinadas provas, ilícitas porque constituídas mediante a violação de normas materiais ou de princípios gerais do direito, podem ao mesmo tempo ser ilegítimas, se a lei processual também impede sua produção em juízo.

Cortando cerce qualquer discussão a respeito da admissibilidade ou não de provas ilícitas em juízo, a Constituição Federal de 1988 expressamente dispõe que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 52, LVI). Deu o legislador razão à corrente doutrinária que sustentava não ser possível ao juiz colocar, como fundamento da sentença, prova obtida ilicitamente. A partir da vigência da nova Carta Magna, pode-se afirmar que são totalmente inadmissíveis no processo civil e penal tanto as provas ilegítimas, proibidas pelas normas de direito processual, quanto as ilícitas, obtidas com violação das normas de direito material. Estão assim proibidas as provas obtidas com violação de correspondência, de transmissão telegráfica e de dados, e com a captação não autorizada judicialmente das conversações telefônicas, (art. 52, XII); com violação do domicílio, exceto nas hipóteses de flagrante delito, desastre, para prestar socorro ou determinação judicial (art. 52, XI); com violação da intimidade, como as fonográficas, de fitas gravadas de contatos em encontros de caráter privado e sigiloso (art. 5º, X); com abuso de poder, como a tortura, p. ex.; com a prática de outros ilícitos penais como furto, apropriação indébita, violação de sigilo profissional etc. Por isso, considerou-se ilícita a prova formada com base em documentos apreendidos de modo arbitrário e contraveniente com os preceitos constitucionais, e a gravação por terceiro de conversa sem o conhecimento, pelo menos, de um dos interlocutores. (…) Não são ilícitas, entretanto, as provas admitidas quando o interessado consente na violação de seus direitos assegurados constitucionalmente ou pela legislação ordinária, desde que sejam bens ou direitos disponíveis, como a entrada em residência com a permissão de morador, a gravação em fita magnética de conversa entre duas pessoas, desde que gravada por um deles. Permite-se, também, a gravação por terceiro de conversa mantida em local público. (…) Nessas hipóteses a conduta do autor da prova deixa de ter a ilicitude exigida na Constituição para a proibição da prova.

Assim, há o entendimento na doutrina nacional e estrangeira de que é possível a utilização de prova favorável ao acusado ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros, quando indispensáveis, e, quando produzida pelo próprio interessado (como a de gravação de conversação telefônica em caso de extorsão, p. ex.), traduz hipótese de legítima defesa, que exclui a ilicitude. Diz, assim, Antônio Scarance Fernandes: “Por isso, já se começa a admitir a aplicação do princípio da proporcionalidade, ou da ponderação quanto à inadmissibilidade da prova ilícita. Se a prova foi obtida para resguardo de outro bem protegido pela Constituição, de maior valor do que aquele a ser resguardado, não há que se falar em ilicitude e, portanto, inexistirá a restrição da inadmissibilidade da prova”. A proporcionalidade vale-se da “teoria do sacrifício”, segundo a qual, no caso concreto, deve prevalecer aquele princípio que parece ser o mais importante. Além disso, seria admissível a prova ilícita em favor do réu, quando a única possível.

 

Lê-se dos autos que as investigações se iniciaram a partir do encaminhamento de cópia dos autos de n. 2002.61.81.005718-7, para a Polícia Federal em razão das fundadas suspeitas do juízo da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo acerca do crime de falso testemunho em tese praticado pela testemunha Fátima. Ou seja, as investigações não se iniciaram por conhecimento do fato a partir da gravação da conversa do advogado do paciente.
Da leitura da sentença constata-se, ainda que a mesma não se baseou somente na gravação telefônica mas também em outros elementos como a prova testemunhal e o fato de que a testemunha Fátima não alcançaria nenhuma vantagem em falsear o testemunho, sendo plenamente verossímil a sua alegação de que teria sido ameaçada para falsear o seu depoimento perante o juízo da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo.

Ao contrário do que faz crer o impetrante entende o STJ que pode a polícia, providenciar a gravação de conversas com criminosos a respeito da ação delituosa.

Neste sentido, segue voto proferido pelo i. Ministro Adhemar Maciel, quando do julgamento do HC 3982/RJ ( DJ 26.02.96):

” Os dispositivos constitucionais que alegadamente estariam a tutelar a pretensão do paciente são dois: inciso XII e inciso LVI :
“XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
“LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícitos”.

Ao comentar o inciso LVI, supra, Celso Ribeiro Bastos observa :

” O que cumpre agora fazer é procurar extrair a real significação deste dispositivo, ainda que pessoalmente entendamos que houvera sido melhor para o Brasil adotar uma posição mais contemporizadora, que propiciasse à legislação ordinária e à jurisprudência um avanço no sentido de, em determinadas hipóteses, aceitar-se a prova ainda que ilícita O que nos reconforta é que uma análise mais detida do assunto nos induz a crer que o preceito constitucional há de ser interpretado de forma a comportar alguma sorte de abrandamento relativamente à expressão taxativa da sua redação.
O primeiro ponto que se deve observar é que, a despeito do seu caráter aparentemente peremptório e definitivo, são “inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos” , ainda assim o preceito sob comento tem forçosamente de sofrer certas ressalvas que resultam da sua interpretação finalística teIeoIógica e da sua inserção sistemática no contexto das normas protetoras do direito processual penal.

Não se pode esquecer que aqui (O comentarista se refere a caso da prova ilícita servir para inocentar alguém de crime) há um direito constitucional a ser protegido: o da liberdade, que talvez só perca em importância e relevância para a própria vida. É por isso que sem embargo de o Texto Constitucional excluir do processo as provas obtidas por meios ilícitos, é nosso convencimento que alguns temperamentos se tomam impositivos em decorrência da própria relativização dos direitos individuais e da sua prevalência segundo a própria vaIoração feita pela Constituição. Aliás, interpretação em sentido contrário deixaria de prestigiar o interesse social em que se faça justiça para encarecer tão-somente o direito individual encarnado em uma pessoa.” (“Comentários à Constituição do Brasil”, Saraiva, 1989, 2º vol, p. 273 e seg.).

Quero, mais. transcrever consideração profunda, meditada e digna de reflexão por parte de nossos pretórios, feita peta Professora Ada Pellegrini Grinover em seu livro”Novas Tendências do Direito Processual”(Forense Universitária, 1990, p. 60) :

“A problemática da intimidade integra o pano de fundo do processo penal, na medida em que o Estado, na persecução dos fins punitivos, exerce atividade investigatória que levam quase necessariamente a uma intromissão, na esfera privada do indivíduo. E se, de um lado, o direito à intimidade é parte integrante dos direitos da personalidade, envolvendo a liberdade do homem, é igualmente certo que todas as liberdades têm feitio e finalidade éticos, não podendo ser utilizados para proteger abusos ou acobertar violações”.

Como bem disse a articulista, “as liberdades têm feitio e finalidades éticos, não podendo ser utilizados para proteger abusos ou acobertar violações”, Assim, a primeira indagação que faço é: como pode alguém, que se acha recolhido em estabelecimento penal, por condenação por quadrilha armada, pretender invocar cláusula constitucional que protege o homem livre? Essa escuta telefônica, previamente autorizada por seu juiz natural, redundaria numa “atipicidade constitucional”? (para utilizar-me de expressão da própria articulista in “A Eficácia dos Atos Processuais à luz da Constituição Federal”, publicado na RPGESP, n. 37). A escuta atentaria contra “os direitos dos presos”, também com assento constitucional, seja por previsão direta ou via de tratados internacionais?

A resposta só pode ser NAO.

A Constituição brasileira, como é comezinho, é uma Constituição dirigente e programática. Em decorrência, tanto o legislador ordinário, quanto o administrador e o próprio juiz, esse último através da denominada “atualização constitucional” (Verfassungsaktualisierung), têm de “realizar” o que foi recomendado e modelado pela própria Constituição. Ora. uma leitura atenta da Constituição em vigor nos mostra sua preocupação no combate à macrocriminalidade, ao crime organizado, ao tóxico etc. Desse modo, a própria Constituição nos vai oferecer elementos para interpretações e “atualizações” consentâneas com o standart instituído. Com isso, é bom que fique claro, não me quero transformar em mensageiro de violações dos direitos e garantias fundamentais. Só estou pondo em destaque que a sociedade, como um todo, também merece proteção, tanto quanto o indivíduo.

A LEP, ao enumerar os”direitos do preso”, diz no art. 41 :

“XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento”.

Dessarte, não se pode dizer que a escuta telefônica, no caso concreto, tenha violado direitos fundamentais do impetrante. Se, repita-se, não se achava em seu domicílio ou coisa que o valha. Estava encarcerado em estabelecimento penal, sujeito a regime de vigilância pública constante.
O impetrante/paciente transcreve a ementa da lavra do Min. PERTENCE no HC n. 69912/0-RJ, bem como voto do Min. CELSO DE MELLO, quando se invocou a máxima do Fruits of the Poisonous Tree, ou seja, da contaminação das provas licitamente conseguidas, mas que tiveram sua gênese numa prova tida por ilícita pelo ordenamento jurídico.

Esse entendimento, como já disse e já se repetiu, não teria aplicação no caso concreto, pois o paciente não é um homem livre. Ao contrário, está pagando pela crime cometido e se acha acusado de outro. Mas, como o tema é interessante e será agitado aqui por mais vezes, como já o foi antes, vou tecer aligeiradas considerações sobre o tema.

A jurisprudência norte-americana não tem sido unânime em torno da denominada Exclusionary Rule , isto é, da regra ou princípio da exclusão do processo de prova obtida ilicitamente. Inclina-se, como bem observa Ada Pellegrini Grinover, pela “razoabilidade” ( Reasonableness ).

A Exclusionary Rule se desenvolveu sobretudo na interpretação da Emenda Constitucional n. IV, que veda buscas e apreensões arbitrárias (unreasonable searches and seizures ). O escopo inicial do provimento constitucional foi proteger a propriedade do cidadão contra buscas e apreensões desarazoadas (sic). Suas raízes jurídico-históricas certamente estão na velha Inglaterra, no Semanyne”s Case (1603) e Entick v. Carrington Case (1705).
Nos Estados Unidos, no Olmstead Case , de 1928, por votação apertada (5 a 4), a Suprema Corte decidiu que aescuta telefônicaa de conversas entre quadrilheiros de uísque (bootIeggers) não era ilegal, e”o grampeamento não se achava dentro dos lindes da Emenda IV ( wiretapping was not within the confines of the Fourth Amendment ). Já em Warden v. Hayden [387 U.S. 294, 304 (1967)] a Corte passou a entender que a Emenda IV também protegia a intimidade individual.

Numa análise apressada da jurisprudência americana anterior a 1987, pode – se constatar que a Exclusionary Rule não é tomada em termos absolutos. Como em termos absolutos não é tomada na Alemanha, e não deve ser no Brasil. Além de casos gritantes de proteção individual, pode haver, do outro prato da balança, o peso do interesse público a ser preservado e protegido.

Na própria Alemanha, como ainda noticia a Professora Ada Pellegriní Grinover, as provas ilícitas não são sempre afastadas de plano. Sua contaminação é, assim, relativa. Adota-se o “Princípio da Proporcionalidade ou Relatividade ( Verhältnismãssigkeitsprinzip ). ”
Recentes precedentes ratificam o entendimento ministerial:

“CONSTITUCIONAL. […] . GRAVAÇAO. CONVERSA TELEFÔNICA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES, SEM CONHECIMENTO DO OUTRO. INEXISTÊNCIA DE CAUSA LEGAL DE SIGILO OU DE RESERVA DE CONVERSAÇAO. LICITUDE DA PROVA. ART. 5º, XII e LVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.


1. A gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, quando ausente causa legal de sigilo ou de reserva da conversação não é considerada prova ilícita. Precedentes.


2. Agravo regimental improvido.” (STF, AI 578.858-AgR/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 28/08/2009.) “


“HABEAS CORPUS . EXTORSAO. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. PROVAS ILÍCITAS. GRAVAÇÕES, PELA VÍTIMA, DE CONVERSAS MANTIDAS COM O SUPOSTO INFRATOR. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. ORDEM DENEGADA.

1. Inexiste divergência nesta Corte Superior quanto à legalidade da gravação feita por um dos interlocutores, tal como se dá na espécie, em que a suposta vítima do crime de extorsão realizou a gravação das conversas mantidas com o ora paciente. Precedentes.
2. Opina o MPF pela denegação da ordem.

3. Ordem denegada. “(STJ, HC 87.094/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. NAPOLEAO NUNES MAIA FILHO, DJe de 24/11/2008.)
Também não prospera a tese de cerceamento de defesa, ante o indeferimento do pedido de acareação pelo juízo processante. Tal pedido restou precluso, pois, conforme se colhe dos autos, não ventilado pela defesa no correto momento processual no caso, as alegações finais. E sequer foi objeto impugnação nas razões da apelação.

Portanto, em conformidade com os princípios e as regras de direito processual penal, não há como se verificar a alegada nulidade, uma vez que o prejuízo não foi ventilado no momento oportuno.

Nesse sentido, o seguinte precedente desta E. Corte:

“HABEAS CORPUS . INTERROGATÓRIO. ENTREVISTA PRÉVIA COM O ADVOGADO. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇAO DE NULIDADE. NULIDADE RELATIVA. DEMONSTRAÇAO DE PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF . ORDEM DENEGADA.

1. Não há nulidade processual sem demonstração da ocorrência de efetivo prejuízo para o réu, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal. Trata-se do princípio de direito pás de nullité sans grief .

2. Apesar de a legislação garantir ao interrogado a prévia entrevista com seu defensor (art. 185, 2.º, do Código de Processo Penal), não pode ser declarado nulo o ato ora impugnado, uma vez que, na audiência em questão, a Paciente acompanhada de advogada nomeada pela magistrada singular negou a autoria do crime que lhe fora imputado, não se evidenciando nenhum prejuízo ao devido processo legal.

3. A Defesa não impugnou o interrogatório no momento apropriado, isto é, na primeira oportunidade posterior ao ato considerado nulo. Na verdade, a Defesa não apontou o problema nem nas alegações finais, nem nas razões de apelação, conforme se depreende dos relatórios da sentença e do acórdão. Portanto, evidencia-se a preclusão da matéria.

4. Ordem denegada. ” (HC 132.254/SP, 5.ª Turma, Rel. Ministra LAURITA VAZ, DJe de 21/06/2010)

Outrossim, não há nulidade processual sem demonstração da ocorrência de efetivo prejuízo para o réu, nos termos do art. 5633 doCódigo de Processo Penall. Trata-se do princípio de pás de nullité sans grief . Se os demais elementos de provas são suficientes à condenação do acusado, não se pode invalidar o processo em razão de material probatório alegadamente nulo.

É o que ocorre no caso, em que as demais provas colhidas são suficientes para este fim.

INFORMATIVO STF Nº 250 – FEVEREIRO 2011 – TÍTULO: PRISÃO ILEGAL E PROVA ILÍCITA (Transcrições)

HC – 80949

ARTIGO

Prisão Ilegal e Prova Ilícita (Transcrições) HC 80.949-RJ* RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais.


2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. III. Gravação clandestina de “conversa informal” do indiciado com policiais.


3. Ilicitude decorrente – quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental – de constituir, dita “conversa informal”, modalidade de “interrogatório” sub-reptício, o qual – além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio.


4. O privilégio contra a auto-incriminação – nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição – além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. – importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência – e da sua documentação formal – faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em “conversa informal” gravada, clandestinamente ou não. IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores.


5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores – cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito – mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial.


6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado.


7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido.


8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina – ainda quando livre o seu assentimento nela – em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree).


9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido. Voto: I – Preliminarmente, tenho o habeas corpus, como admissível, em tese, para impugnar a inserção da prova ilícita em procedimento penal e postular o seu desentranhamento. 2. Decidiu-o esta Turma, não faz muito, para ordenar – afastando preliminar acolhida no Tribunal a quo – o conhecimento de impetração dirigida contra decreto judicial de quebra de sigilo bancário de indiciado, que se tachava de ilegal – cf. HC 79191, 1ª T, 04.05.99, Pertence, RTJ 171/258: […] 3. Na fundamentação do acórdão – depois de recordar precedentes do Tribunal na demarcação, nem sempre fácil dos âmbitos do habeas corpus e do mandado de segurança – diferenciei o caso daquele do qual, por votação majoritária, não conhecera o Plenário, porque impetrado contra requisição por CPI de registros telefônicos (HC 75232, 07.05.97, red. ac. Maurício, Inf. STF 70): […] 4. Posteriormente, o Plenário não teve dúvidas em conhecer de habeas corpus contra despacho do relator de processo penal originário de competência do Tribunal, que decretara a quebra do sigilo bancário do denunciado (HC 80100, Pl, Gallotti, 24.05.00, DJ 08.09.00). 5. Ora, se cabe o habeas corpus para impedir por ilicitude a realização da prova ordenada, no curso do processo como no do inquérito, dispenso-me da demonstração de sua admissibilidade – quiçá com maior razão – para questionar a licitude da prova já realizada e pleitear o seu desentranhamento. 6. Recentemente, aliás, a Turma – malgrado não me acompanhasse o voto que trancava o processo por inextrincavelmente baseada a denúncia em provas oriundas de busca e apreensão ilegal – concedeu parcialmente a ordem para determinar fossem elas retiradas dos autos do processo (HC 80420, 1ª T, 28.06.01, Ellen Gracie, Inf. STF 234). 7. Recorda, aliás, Magalhães Gomes Fº, que a solução tem expressa previsão legal no art. 375 C. Pr. Pen. Militar, que – depois de prescrever a inadmissibilidade em juízo da “correspondência particular, interceptada ou obtida por meios criminosos” – ordena seja ela “desentranhada dos autos, se tiver sido junta”: é dispositivo que se pode estender por analogia a todo e qualquer registro documental de prova ilícita. 8. Conheço do habeas corpus . II 9. Não ameaçarei a Turma com considerações acadêmicas, malgrado a temática do caso pudesse provocá-las, para quem, como eu, a ela atribui excepcional relevância na efetivação de valores constitucionais eminentes do Estado de Direito Democrático.


10. Ninguém aqui desconhece a disceptação, ainda insepulta, entre as duas posturas básicas acerca da admissibilidade no processo das provas ilícitas – como tais consideradas as que obtidas com violação de direitos fundamentais.


11. A primeira – por séculos predominante – fiel à velha máxima male captum bene retentum: ao juiz só caberia decidir da existência, ou não, do crime e não, de como lhe chegaram – lícita ou ilicitamente – as provas do fato.


12. Se ilicitamente obtidas, que se aplicassem ao responsável pela ilicitude as sanções civis, administrativas ou penais cabíveis.


13. De outro lado, os que – desde as decisões pioneiras da Suprema Corte dos Estados Unidos – partem da unidade da ordem jurídica e da necessidade de impor contenção eficaz à tentação da violência de todos os organismos policiais e negam se possam admitir no processo provas obtidas por meios tão ou mais criminosos que os delitos a reprimir.


14. Pelos últimos, valha por todos a lição, na doutrina alemã, de Amelung – colacionada por Costa Andrade- segundo a qual “o Estado cairá em contradição normativa e comprometerá a legitimação da própria pena, se, para impor o direito, tiver de recorrer, ele próprio, ao ilícito criminal. Pois, argumenta, ‘o fim da pena é a confirmação das normas do mínimo ético, cristalizado nas leis penais. Esta demonstração será frustrada se o próprio estado violar o mínimo ético para lograr a aplicação de uma pena. Desse modo, ele mostra que pode valer a pena violar qualquer norma fundamental cuja vigência o direito penal se propõe precisamente assegurar”.


15. Testemunham os doutores a prevalência hodierna da tese da proscrição da admissibilidade processual da prova ilícita.


16. Mas a questão, sobretudo nos casos limites, ainda provoca resistências compreensíveis.


17. E delas advém – quando não a recusa frontal do princípio de exclusão da prova ilícita – o apelo, sempre que se cuide da apuração de crimes graves, à necessidade de temperar a sua aplicação, em cada caso, à luz do princípio da proporcionalidade.


18. Apelo esse freqüentemente enriquecido com a invocação de parte significativa da doutrina e da jurisprudência alemãs, minudentemente resenhadas por Costa Andrade.


19. Na questão, entretanto – como em tantas outras – a recepção desavisada de teorias jurídicas estrangeiras é extremamente perigosa, pela diversidade dos dados dogmáticos de que partem, em relação ao nosso ordenamento.


20. Basta notar que, na Alemanha, a solução do problema da admissibilidade, ou não, da prova ilícita no processo não arranca de norma constitucional específica mas, ao contrário, busca fundamento em princípios extremamente fluídos da Lei Fundamental, a exemplo daquele da dignidade da pessoa humana.


21. Na ordem constitucional brasileira, ao contrário – inspirada no ponto pelo art. 32, 6, da Constituição portuguesa -, a opção pelo repúdio à prova ilícita é inequívoca: “Art. 5º (…) LVI. São inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos.”


22. Guarda da Constituição – e não dos presídios – é dessa opção clara, inequívoca, eloqüente, da Constituição – da fidelidade à qual advém a nossa própria legitimidade – é que há de partir o Supremo Tribunal Federal.


23. Ora, até onde vá a definição constitucional da supremacia dos direitos fundamentais, violados pela obtenção da prova ilícita, sobre o interesse da busca da verdade real no processo, não há que apelar para o princípio da proporcionalidade, que, ao contrário, pressupõe a necessidade da ponderação de garantias constitucionais em aparente conflito, precisamente quando, entre elas, a Constituição não haja feito um juízo explícito de prevalência.


24. Esse o quadro constitucional, não tem mais lugar a nostalgia, embora inconsciente, do dogma vetusto das inquisições medievais, para as quais “in atrocissimus leviores conjecturae sufficiunt et licent judiciura transgredi”.


25. Certo, a Constituição reservou a determinados crimes particular severidade repressiva (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV).


26. Mas, como observa Magalhães Gomes Filho, por sua natureza, as restrições que estabelecem são taxativas: delas, não se podem inferir, portanto, exceções a garantia constitucional – qual, a da vedação da prova ilícita -, estabelecida sem limitações em função da gravidade do crime investigado.


27. De resto, graduar a vedação da admissibilidade e valoração da prova ilícita, segundo a gravidade da imputação, constituiria instituir a sistemática violação de outra garantia constitucional – a presunção de inocência – em relação a quantos fossem acusados ou meramente suspeitos da prática de determinados crimes.


28. Abstraio-me, por conseguinte, no caso, de qualquer consideração da extrema gravidade dos delitos, da participação nos quais é suspeito o paciente, pois delas não pode resultar emprestar-se menor peso à vedação constitucional da prova ilícita.


29. Não obstante haver tido por necessária a explicitação dessas premissas do meu voto, espero que o caso não nos obrigue a repisar polêmicas ainda vivas em torno da delimitação de zonas cinzentas na temática da inadmissibilidade no processo da prova ilícita (cujo exemplo mais patente gira em torno da contaminação das que dela sejam derivadas: depois da acidentada decisão do HC 69912 (DJ 26.11.93), a tese dos “fruits of the poisonous tree”, acolhida por 5 votos contra 4 no HC 73351, Pl, 10.05.96, Galvão, (RTJ 168/543) foi afinal afirmada pela maioria absoluta mínima do STF, no HC 72588, 12.06.96, Corrêa (DJ 04.08.00); mas não desconheço as oscilações ulteriores na aplicação da tese por ambas as Turmas.


30. O caso, a meu ver, não reclama o mergulho em águas tão revoltas. III


31. Começo a análise do pedido pela transcrição do que a autoridade policial denomina de “conversa informal na sede desta DRE, gravada em fita K7”, na qual o paciente teria revelado o modus operandi da quadrilha da qual faria parte e revelado os seus projetos imediatos.


32. Pareceu aos julgados das instâncias precedentes – incluído o acórdão do STJ – que, para desmentir o consentimento do paciente na gravação, seria necessário um exame de provas, que o habeas corpus não comporta.


33. Assim não me parece.


34. Há evidências documentais de que a autorização do paciente não existiu, ou, se existiu, não tem valia.


35. Primeiro, é a autoridade policial mesma – na representação ao Juiz pela prisão temporária dos suspeitos – que confessa estar o paciente preso, sem flagrante nem ordem judicial, quando da conversa gravada – f. 84: “…segundo Ana Cristina, ela teria um encontro hoje, às 14:00 horas, na estação de Copacabana do metrô. Assim sendo, policiais desta unidade rumaram para aquela unidade logrando êxito em deter “Chico”, conduzindo-o a esta Delegacia”.


36. Já decidiu esta Turma que confissão sob prisão ilegal é prova ilícita e inválida a condenação nela fundada (HC 70277, 1ª T, 14.12.93, Pertence, RTJ 154/58; Lex 187/295). 37. A fortiori, a confissão que se colha em “conversa informal” do ilegalmente detido com policiais, sem forma nem figura de interrogatório. 38. Há mais, porém. A afirmação do assentimento do paciente à gravação – que surge apenas no processo de habeas corpus -, é previamente desmentida pelo relatório do Detetive interlocutor da “conversa informal”, que o Delegado encaminhara ao Juiz, quando requereu a prisão temporariamente. 39. Leio – f. 87: “que, em conversa informal, confidenciou-nos (…). Tais esclarecimentos constam de fita gravada nesta sede, haja vista que o mesmo se nega a prestar tais esclarecimentos oficialmente.”


40. Depois disso – como está no acórdão do STF – emprestar “fé pública” às informações da autoridade policial, quando já requerido o habeas corpus, com todas as vênias, é abrir o flanco para o mais escancarado desrespeito à Justiça… 41. Não tenho dúvidas em considerar inequivocamente provadas tais circunstâncias de fato, assim, susceptíveis de embasar o juízo do habeas corpus. 42. Entretanto, é possível prescindir de tais fatos evidentes sem prejudicar a declaração da ilicitude da prova resultante dessa gravação de “conversa informal”, na Delegacia, entre indiciado e agentes policiais. 43. Regulando o inquérito, dispõe o C. Pr. Pen. que, entre outras diligências de investigação, deve a autoridade que o dirija “ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII deste Livro” – é dizer, das regras que disciplinam o interrogatório do acusado pelo Juiz (arts. 185 ss) – “devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura”.


44. São requisitos do interrogatório policial, da ausência dos quais pode decorrer a nulidade do ato e a conseqüente desconsideração dos elementos informativos nele colhidos, se invocados pela acusação: é o que Ada Grinover – na senda de Nuvolone – chama “prova ilegítima” – a tomada com inobservância de imperativos ou vedações processuais, para distingui-la da prova ilícita.


45. O interrogatório é a única forma legal de tomada, no inquérito policial, de declarações do indiciado: nele, não há espaço para acolher como declarações do indiciado – e menos ainda para validar eventual confissão nelas contida -, o registro, gravado ou não, de “conversa informal” dele com policiais. 46. A Constituição, no entanto, aditou outra exigência essencial à valoração no processo de declarações do indiciado ou do réu, ao erigir, como garantia fundamental do acusado: “Art. 5º (…) LXIII. o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado…”


47. Elevando aí o nemo tenetur se detegere à alçada de garantia fundamental – além da inconstitucionalidade superveniente, consensualmente admitida, da parte final do art. 186 C.Pr.Pen-, a Constituição – na linha da construção da jurisprudência americana, a partir dos famosos casos Escobedo vs Illinois (378 U.S. 478 (1964) e Miranda vs Arizona (384 U.S. 436 (1969) -, impõe ao inquiridor, na polícia ou em juízo, o dever de advertência ao interrogado de seu privilégio contra a auto-incriminação.


48. A falta da advertência – e, como é óbvio, da sua documentação formal – faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o acusado, ainda quando observadas as formalidades procedimentais do interrogatório.


49. Acentuou, por isso, Ada Grinover que “o interrogatório sub-receptício do indiciado ou acusado, clandestinamente gravado, constitui inequivocamente prova ilicitamente obtida, não só em face dos princípios gerais (…), mais ainda por contrariar frontalmente as regras de advertência quanto ao direito ao silêncio …”


50. Mas a clandestinidade da gravação a que alude a mestra insigne no contexto de trabalho dedicado às gravações clandestinas – se a torna indiscutível – e a tenho como presente no caso – não é essencial à ilicitude da prova advinda do “interrogatório sub-reptício”: à luz da garantia do art. 5º, LXIII, basta, à caracterização da ilicitude da prova, a manifesta ausência da advertência do direito a ficar calado, que a Constituição ordena.


51. Certo, a Turma já se ocupou da alegação de ilicitude da gravação ambiental de conversação entre indiciados e policiais e denegou, em 03.11.92, o HC 69.818, de que fui relator: cuidava-se, porém, de impetração em favor de co-réu delatado pelos participantes da conversa gravada. Donde, a ementa – RTJ 148/213: […]


52. É, com efeito, da teoria dos privilégios, conforme a construção dos tribunais norte-americanos – entre os quais se situa o “privilege against self-incrimination” da V Emenda – que só o titular o possa invocar e não, terceiros. 53. No caso, ao contrário, a gravação documenta confissões incriminatórias do próprio interlocutor.


54. De deferir, pois o desentranhamento do K-7 que contém a gravação da dita “Conversa informal”, assim como a parte do laudo pericial que registra a sua transcrição. IV


55. O mesmo laudo pericial inclui a transcrição de outro diálogo: o que se teria travado, por telefone, entre o paciente e o indigitado chefe da quadrilha investigada.


56. Das circunstâncias desse telefonema já se deu conta pormenorizada no relatório: no mesmo dia da sua detenção e condução à Delegacia e da “conversa informal” lá entabulada, o paciente – que, durante ela se teria disposto a isso – foi levado a um telefone público, do qual ligou para o seu suspeitado comparsa, no estrangeiro, e com ele teria mantido diálogo sobre negócios criminosos, o qual foi gravado pelos policiais que o acompanhavam.


57. Da participação ativa do paciente no fato, pretendeu o acórdão do STJ, ora questionado, configurasse o episódio a gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores, que, afirma, a jurisprudência daquele Tribunal considera “lícita como prova no processo penal”.


58. No Supremo Tribunal, não tem voga a afirmação apodítica dessa licitude, (à qual é certo, em termos, já me filiei): a hipótese de gravação de comunicação telefônica própria, sem ciência do interlocutor, tem sido aqui examinada caso a caso, e ora reputada prova ilícita, por violação da privacidade (assim, v.g., no Caso Collor, Apn 307, Galvão, RTJ 162/3, (ementa, 1.1) e p. 33ss), ora, considerada lícita, se utilizada na defesa de direito do autor ou partícipe da gravação, em especial, se vítima ou destinatária de proposta criminosa do outro (v.g., HC 74.678, 1ª T, Moreira, 10.06.97, e EDHC 74.678, 1ª T, Moreira, 02.09.97, Inf. STF 75; RE 212.081, 1ª T., Gallotti, 5.12.97, DJ 27.03.98; HC 74.356, 1ª T, Gallotti, 10.12.96, RTJ 165/934; HC 69.204, 2ª T, Velloso, 26.05.92, RTJ 144/213 e HC 75.338, Pl, Jobim, 11.03.98, RTJ 167/206). 59. A referência a tais precedentes, no entanto, tem sabor de mera informação, pois sem pertinência à espécie.


60. É impossível, data venia, a identificação, para fins de tratamento jurídico, entre a gravação de conversa própria, de um lado, e a escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda quando a possibilite ou nela consinta um dos sujeitos do diálogo.


61. A distinção – assente na doutrina – é irrecusável.


62. No juízo sobre a licitude da primeira – a gravação de conversa própria – simplesmente não se põe a questão da incidência da garantia do sigilo da comunicação telefônica (CF, art. 5º, XII), que reclama ciência do seu conteúdo por terceiro.


63. Por isso, sói afirmar-se – em si mesma, tão lícita quanto o arquivamento de uma carta missiva – é a divulgação por um dos interlocutores da conversa mantida com alguém que pode pôr em cheque direitos fundamentais do outro, de modo especial, os atinentes à honra, à privacidade ou à intimidade (CF, art. 5º, X).


64. De todo diverso é o regime constitucional da captação e eventual gravação por terceiro – simultaneamente ao seu desenrolar – da conversa telefônica alheia, ainda que ciente ou até cooperador um dos participantes dela. 65. Aqui, rege a situação a garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas.


66. Com efeito, é consensual entre os doutores – salvo, entre nós, a respeitável, mas solitária posição de Greco Filho – que – embora tecnicamente dela se possa diferenciar – a escuta por terceiro se compreende, para fins de direito, no âmbito do conceito de interceptação telefônica e, como tal, o seu registro só se admitirá como prova se, para realização dela, houve prévia autorização judicial, conforme a lei que hoje a disciplina (L. 9.296/96).


67. “A partir del concepto general” elucida Raúl Cervini)- “debe subrayarse que la comunicación constitucionalmente relevante es antes que nada um proceso (…), que queda protegido por el ordenamiento jurídico frente a cualquier interceptación, suponga ésta mera retención o suspensión del curso de la comunicación o, en otro caso, incluso el conocimiento por tercero de su contenudo.”


68. Eloqüente a lição de Ada Grinover, que, a respeito do art. 1º da L. 9.296/96, acentua, para demarcar a “interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza”, objeto da lei, que “somente a ‘terzietà’, referida pela doutrina italiana, é capaz de caracterizar a interceptação”.


69. E – depois de recordar, para mostrar a adequação do critério da “terceiridade” – à lei brasileira, o art. 151, § 1º, II e III, C.Pen, que, na tipificação das violações de comunicações ali incriminadas, alude à “conversação telefônica entre outras pessoas” -, conclui ser “irrelevante indagar a respeito da existência do conhecimento e consentimento de um dos interlocutores.”


70. “É possível” – explica – “que nenhum deles esteja a par da operação técnica, ou que consinta com ela”, mas, malgrado a diferença conceitual acentuada pela doutrina entre “interceptação”, no primeiro caso, e “escuta telefônica”, no outro, “em ambos os casos a ‘terzietà’ está presente, e tratar-se-á de interceptação, subsumível à lei”, diferentemente, acentua, da “gravação de conversa telefônica própria”.


71. Se, assim, é a captação por terceiro – intervindo no processo do telefonema em curso -, conteúdo da comunicação que distingue a interceptação vedada, não há porque excluir da proteção constitucional a escuta, apenas porque um dos sujeitos da conversação esteja ciente da sua captação por outrem e, eventualmente, de sua gravação.


72. É patente – para o interlocutor insciente da intromissão de terceiro na recepção da mensagem que pretende dirigida apenas ao interlocutor de seu telefonema -, a afronta à garantia constitucional do sigilo de sua comunicação telefônica.


73. E aí não importa indagar do conteúdo captado por terceiro da mensagem telefônica da parte insciente da escuta, equiparada a essa à interceptação.


74. “Por el contrario” – nota Cervini, em passagem extremamente significativa – “el secreto de las comunicaciones aparece em las Constituciones modernas – e incluso se infiere en la de Brasil – com uma construción rigurosamente formal. No se dispensa el secreto en virtude del conteudo de la comunicación, ni tiene nada que ver su protección con el hecho – a estos efectos juridicamente indiferente – de que lo comunicado se inscriba o no en el ámbito de la privacidad. Para la Carta Fundamental, toda comunicación es secreta, como expresión transcendente de la libertad, aunque sólo algunas de ellas pueden catalogarse de privadas”.


75. Cita, a respeito, o mestre uruguaio, preciosa sentença do Tribunal Constitucional da Espanha, na qual se notou que, só desvinculando o direito ao sigilo das comunicações da questão substantiva do conteúdo da comunicação, “é que se pode evitar cair na inaceitável aleatoriedade em seu reconhecimento, que resultaria da confusão entre esse direito e o que protege a intimidade das pessoas”.


76. De certo, é de replicar-se que essas considerações são impertinentes a este habeas corpus, onde quem impugna a licitude da prova resultante da gravação do telefonema não é o receptário da ligação, insciente da trama, mas o paciente, que nela teve participação ativa e, portanto, nela teria aquiescido.


77. Em princípio, correta a objeção, que tem por si a observação, sempre lúcida, de Luiz Flávio Gomes.


78. Na espécie, contudo, é preciso ter em conta a medida em que caiba dar relevo à participação do paciente no evento.


79. De logo, reafirmo a convicção de que, no dia do telefonema, o paciente estava ilegalmente preso: reporto-me ao que demonstrado no capítulo anterior deste voto, com referência à “conversa informal”, que precedeu e no curso da qual se teria comprometido ele ao telefonema para o comparsa delatado.


80. Para mim, é quanto basta para duvidar da existência e, de qualquer modo, negar validade jurídica ao seu aparente assentimento na empreitada de captação das mensagens do seu suspeitado comparsa e chefe na organização criminosa.


81. De outra banda – sendo inequívoca a ilicitude do registro da conversa, em relação ao co-indiciado alcançado no exterior – e insciente de cuidar-se de uma manobra policial – resta indagar até que ponto o mesmo elemento de informação seria lícito como prova contra quem, como o paciente, dela tivesse participado.


82. Ao meu ver, há que distinguir duas situações diversas.


83. A primeira é aquela em que os fatos revelados no diálogo captado pelo terceiro incrimina apenas um dos dois interlocutores, seja ele o ciente ou o insciente da escuta ou, comprometendo a ambos, diz respeito a condutas independentes de cada um deles.


84. Então, a ilicitude da prova se restringe àquele dos partícipes do diálogo cujo direito ao sigilo da comunicação foi quebrado com a escuta.


85. Aí, sim, tem plena aplicação a observação de Luiz Flávio Gomes, de que na interceptação em sentido estrito – aquela que se “concretiza sem que nenhum dos comunicadores tenha conhecimento da captação por terceiro – a ofensa do direito ao sigilo alcança os dois, ao passo que, na escuta telefônica, um dos comunicadores sabe da captação e aí, conclui, a ofensa acontece apenas contra o outro.


86. Pode acontecer, porém – é a segunda situação a que me referi – que, no fato ou fatos cuja prova se obtenha mediante a escuta, a participação de ambos os sujeitos da comunicação seja incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal probando.


87. Pense-se no adultério, para a prova do qual o amante se disponha a colaborar com o marido, mediante telefonema, gravado por esse, à mulher, que nele confesse a relação adúltera.


88. O mesmo sucede, no caso, com a quadrilha – objeto principal do inquérito a que respondem o paciente e o seu interlocutor no telefonema internacional gravado: estou em que, esse o quadro, a incindibilidade das participações individuais no fato único implica a incindibilidade da ilicitude da prova, ainda quando se pudesse reputar livre a cooperação do paciente na escuta do seu próprio telefonema para o comparsa.


89. A mim, contudo, vale repisar, basta-me estar o paciente ilegalmente preso, na ocasião, para subtrair qualquer efeito à sua participação na escuta telefônica não autorizada e, conseqüentemente, para estender-lhe a ilicitude da prova, que, portanto também deve ser excluída dos autos. V


90. Da ilicitude das gravações e transcrições decorre imediatamente – e não por contaminação – a do relatório escrito de um (f. 86-88) e as declarações reduzidas a termo de outro dos policiais que participaram tanto da “conversa informal”, quanto da escuta telefônica e que se referem ao conteúdo de ambas as operações ilegais.



91. Há, por fim, um pedido genérico de que se declarem imprestáveis todas as peças decorrentes das gravações ilícitas e das informações nelas colhidas.


92. Nesse ponto, a impetração é inatendível, seja pela imprecisão do seu objeto, seja pelo estágio de procedimento, ainda em curso o inquérito policial.


93. Só a partir de eventual denúncia ou sentença condenatória e do aproveitamento relevante numa ou noutra de elementos derivados das provas ilícitas é que poderá reacender-se oportunamente a questão dos fruits of the poisonous tree VI


94. De tudo, Sr. Presidente, – com escusas compungidas pela extensão do voto – defiro parcialmente o habeas corpus para declarar a ilicitude e determinar o desentranhamento dos autos do inquérito das duas fitas K-7 e do laudo pericial de 04.04.99, que as transcreve; da informação do Detetive Franklin Miranda Monteiro ao Delegado titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes, datada de 25.02.99, e do termo de declarações do Detetive Paulo Roberto Rodrigues, de 04.03.99: é o meu voto.

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