Convivendo há décadas com massacres em escolas, EUA aumentaram aparato de segurança destes locais; mas, para especialistas, é preciso também prevenir situações de risco
Autoridades e especialistas norte-americanos enfrentam há décadas o desafio de tentar impedir massacres como o ocorrido semana passada na escola Raul Brasil, em Suzano (SP). A tragédia paulista deixou dez mortos (entre eles os dois atiradores) e 11 feridos.
Em 1966, por exemplo, um estudante da Universidade do Texas matou 18 pessoas antes de ser baleado pela polícia. Mas o que os EUA estão fazendo hoje para tentar evitar este tipo de ataque?
Cada tragédia costuma ser seguida por semanas de discussões, em que um lado apela por restrições ao acesso a armas de fogo como forma de impedir novos ataques e, o outro, defende que a solução seria aumentar ainda mais a presença de armas.
Enquanto isso, muitas escolas americanas vêm reforçando sua segurança, com a instalação de detectores de metais, portas reforçadas, software de reconhecimento facial, coletes, mochilas e até lousas à prova de bala.
Segundo a consultoria IHS Markit, o mercado de equipamentos e serviços de segurança para o setor de educação nos Estados Unidos movimentou US$ 2,7 bilhões (cerca de R$ 10,3 bilhões) em 2017. A proporção de escolas usando sistemas de câmeras de segurança passou de 20% em 1999 para mais de 70% em 2013.
Mas apesar dos esforços, o país ainda não conseguiu reduzir o número de ataques. Não há dados oficiais e nem uma definição precisa sobre o que pode ser considerado um ataque (com divergências sobre número de mortos ou feridos, se ocorreu em horário de aula ou não, etc.), mas um levantamento da publicação especializada em educação Education Weekly registrou 23 casos com 113 mortos e feridos em escolas americanas em 2018.
“Apesar dos avanços no nível de segurança utilizado nas dependências escolares, o número de tiroteios nas escolas permaneceu relativamente constante nos últimos 30 anos”, diz o relatório da IHS Markit.
Também são comuns nas escolas americanas exercícios de simulação de tiroteios, em que alunos e professores praticam rotas de fuga e medidas como trancar portas de salas de aula com cadeiras ou mesas.
Depois do ataque a tiros que deixou 17 mortos em uma escola em Parkland, na Flórida, em fevereiro do ano passado, o presidente Donald Trump sugeriu armar e treinar professores para que pudessem reagir a esses incidentes.
A ideia foi recebida com resistência por associações de professores, que argumentam que esses profissionais já têm uma carga enorme de responsabilidades e, além disso, mesmo com treinamento, poderiam acabar ferindo estudantes por acidente. Os opositores da ideia observam que mesmo policiais altamente treinados cometem erros em situações que exigem ação rápida.
Mas apesar da resistência, em pelo menos 14 Estados americanos a prática de armar professores e funcionários já é adotada por algumas escolas e distritos escolares, principalmente em zonas rurais, onde a polícia levaria mais tempo até chegar ao local de um suposto ataque.
As regras variam em cada Estado e em cada distrito escolar. A participação não é obrigatória, mas professores e funcionários que manifestam interesse recebem treinamento, que costuma ser em torno de 80 horas, e podem então portar armas ou ter acesso fácil a armas guardadas nas dependências escolares.
Não há avaliação oficial dos resultados dessas iniciativas. No Texas, por exemplo, defensores da ideia ressaltam o fato de que não há registro de acidentes e afirmam que sua experiência pode servir de modelo para outros Estados.
Por outro lado, opositores dessas medidas salientam que muitas escolas alvo de massacres já tinham sistemas robustos de segurança e guardas armados em suas dependências, o que não impediu o ataque.
Prevenir, e não apenas reagir
Poucos os dias após a tragédia em Parkland, um grupo de especialistas renomados no estudo de massacres do tipo apresentou uma proposta para combater a violência nas escolas americanas. Segundo eles, aumentar a parafernália de segurança e armar professores e funcionários não impede novos ataques, e a solução passa por medidas amplas para prevenir, e não simplesmente reagir a esses episódios.
“Tornar as escolas parecidas com prisões tende a ter um impacto negativo no longo prazo”, disse à BBC News Brasil um dos autores, o especialista em violência em escolas e bullying Ron Avi Astor, professor da University of Southern California (Universidade do Sul da Califórnia), em Los Angeles.
O documento, intitulado “Call for Action to Prevent Gun Violence in the USA” (“Chamado para Ação para Prevenir Violência com Armas em Escolas dos EUA”, em tradução livre), reúne assinaturas de mais de 4,4 mil especialistas e 200 universidades, grupos de educação e saúde mental.
Segundo Astor e os outros autores da proposta, décadas de pesquisas sobre esse tipo de violência indicam que colocar mais armas nas escolas pode ter impacto negativo na assiduidade, desempenho acadêmico e nos relacionamentos e deixar alunos e professores com sensação de insegurança.
Em vez disso, dizem que o ideal é garantir que as dependências escolares estejam livres de armas e educar os estudantes e professores para reconhecer ameaças. Também pedem que sejam proibidas armas de uso militar, às quais muitos civis nos Estados Unidos têm acesso, e reforçadas medidas de checagem de antecedentes para compradores de armas.
“Apesar de medidas de segurança serem importantes, o foco em simplesmente se preparar para um ataque não é suficiente”, diz o documento.
“A prevenção engloba mais do que medidas de segurança e começa bem antes de um atirador chegar à escola. É preciso uma abordagem ampla de saúde pública para lidar com a violência por armas, que seja baseada em evidência científica e livre de posições partidárias.”
Astor enumera sinais de alerta comuns nos autores desses ataques e que, quando detectados, podem ajudar as autoridades a intervir mais rapidamente. Um deles é manifestar obsessão por armas e massacres anteriores e reunir um arsenal. O outro é mencionar planos a familiares, amigos ou nas redes sociais.
“Os autores desses ataques não costumam manter segredo. Mas muitas vezes as pessoas ouvem e pensam que eles estão brincando, que não estão falando sério”, ressalta.
Ele também salienta que esses episódios costumam ser tratados simplesmente como homicídio, mas que quase sempre são casos de suicídio, nos quais os autores também matam outras pessoas, muitas vezes em busca de fama. “Temos métodos de detectar (potenciais) suicidas, mas geralmente não são usados nesses assassinatos em massa”, lamenta.
“É uma combinação de todos esses fatores, é muito mais complexo do que simplesmente uma questão de saúde mental ou de acesso a armas”, diz.
Para Astor e outros especialistas, é preciso criar um ambiente em que os alunos tenham confiança nos adultos da escola e sintam-se seguros para relatar casos de armas nas dependências escolares ou comportamentos ameaçadores.
No ano passado, o Serviço Secreto dos Estados Unidos também divulgou um relatório com recomendações que incluem a criação de equipes de avaliação de riscos nas escolas, compostas por profissionais de educação, saúde mental e policiais.
Segundo o Serviço Secreto, na maioria dos ataques em escolas do país, alguns estudantes sabiam dos planos dos atiradores e haviam manifestado preocupação com seu comportamento. A orientação é criar um clima positivo em que os estudantes sintam que podem falar de suas preocupações e oferecer canais que facilitem o relato dessas ameaças, seja pessoalmente, por telefone, aplicativo de celular ou online.
Mas também é necessário que professores e funcionários tenham orientações claras sobre como reagir a esses relatos. Uma recomendação é que as escolas criem equipes compostas por diretor, conselheiros, assistentes sociais, psicólogos e guardas escolares para conversar com testemunhas e avaliar a gravidade da ameaça.
Dependendo do grau da ameaça, o indivíduo pode ser encaminhado a aconselhamento informal ou terapia. Em casos mais graves, em que há risco iminente, a polícia pode ser envolvida.
Em sua proposta, os especialistas em violência dizem que essas equipes nas escolas devem atuar em conjunto com os serviços de saúde mental da comunidade para dar apoio a pessoas que estejam enfrentando dificuldades e tenham risco de cometer violência. Em caso de expulsão da escola, esses indivíduos devem continuar sendo monitorados e recebendo apoio.
Astor lembra que, apesar de trágicos, massacres em escolas são raros, mesmo nos Estados Unidos. “Há muito mais ataques em restaurantes, cinemas, shoppings, até em correios. E não estamos transformando esses locais em prisões (com excesso de equipamentos de segurança e funcionários armados)”, diz.
G1
DELEGADOS.com.br
Portal Nacional dos Delegados & Revista da Defesas Social