Por Carlos Alberto Marchi de Queiroz
Desde a época em que ingressei na carreira de delegado, sempre quis saber o porquê do nome do cargo, e sua data de nascimento. Por mais que perguntasse aos colegas mais antigos, nenhum deles conseguiu dar-me respostas convincentes.
Somente a pesquisa histórica levou-me à meta optata. O delegado de polícia nasceu no dia 3 de dezembro de 1841, no Município Neutro do Rio de Janeiro. Nessa data, o jovem imperador d. Pedro II assinou a Lei nº 261, instituindo, no Município Neutro da Corte, e em todas as províncias do País, a figura do delegado de polícia. No dia anterior, d. Pedro II completara dezesseis anos. O Brasil estava mergulhado numa sucessão de revoltas que ameaçavam estilhaçar o Império em dezenas de republiquetas lusófonas.
Ainda bebê de colo, o imperador nada podia fazer. Seus sucessivos regentes tiveram que enfrentar, em seu lugar, no ano de 1832, a Cabanada, nas províncias de Pernambuco e Alagoas, e que só iria terminar em 1836. No mesmo ano, explodiu, na Bahia, a revolta conhecida como Federação dos Guanais, sufocada em seu nascedouro.
Em 1834, o Império do Brasil teve que enfrentar a Rusga, que explodiu e morreu, subitamente, em Mato Grosso. Também, a Cabanagem, que aterrorizou o Pará, e que só seria sufocada em 1840. Ainda em 1834, o Maranhão foi assolado pela Balaiada, que viria a ser vencida por Caxias, em 1841.
1836 não foi diferente. A Bahia foi palco da Revolução dos Malês, controlada no mesmo ano. No Rio Grande do Sul, a Revolução Farroupilha, que só seria extinta em 1845, ameaçava o Império, com separação, através da República de Piratini. Em 1837, nova revolta na Bahia, conhecida como Sabinada. Foi sufocada no ano seguinte. São Paulo e Minas Gerais não fugiram da regra e, em maio de 1841, rebelaram-se contra o imperador.
Diante desse quadro, os fracos políticos de então não encontraram outra saída a não ser coroar o jovem príncipe d. Pedro de Alcântara, imperador, no dia 18 de julho de 1841. Pedro II já havia sido declarado maior, no dia 23 de julho do ano anterior, pela Assembleia Geral.
A principal causa dessa anarquia política foi, sem dúvida alguma, a falta de segurança pública vivida em todas as províncias brasileiras. O Código de Processo Criminal do Império do Brasil, promulgado em 29 de novembro de 1832, previa a figura do juiz de paz como primeira autoridade policial a tomar conhecimento das infrações penais cometidas pelas pessoas.
O calcanhar de Aquiles desse sistema processual penal residia no fato de que os juízes de paz eram eleitos pelo voto popular, através de eleições cujos resultados eram manipulados pelos chefes políticos locais. Uma vez eleitos, os juízes de paz, grande parte analfabetos, somente investigavam os casos que não interessavam à classe política dominante, detalhe que fez com que o Brasil mergulhasse na anarquia revolucionária.
Foi então que o jovem imperador, aconselhado pelo notável Paulino José Soares de Souza, o visconde do Uruguai, resolveu, através da Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841, uma verdadeira Lei de Segurança Nacional, assim entendida pelo saudoso delegado Murilo de Macedo Pereira, criar a figura do delegado de polícia.
O delegado de polícia brasileiro não se confunde com os xerifes e marshals (marechais) norte-americanos, muito menos com seus tenentes e capitães dirigentes. E, muito menos, com comissários de polícia franceses e inspetores e comissários de polícia ingleses. Nem de longe, com juízes de instrução espanhóis e franceses. Tão pouco com os delegados do Ministério Público de Portugal.
O delegado de polícia brasileiro é figura única no processo penal mundial. Por ocasião de seu aparecimento, como se pode verificar ao se examinar a Lei nº 261/41 e o Regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842, a autoridade policial fazia parte do Poder Judiciário, devendo esse cargo ser ocupado, nas comarcas de três juízes, pelo magistrado mais jovem na carreira.
Essa situação perdurou até 1871, quando os delegados de polícia, saídos do Poder Judiciário, passaram a integrar o Poder Executivo, ocasião em que houve total separação entre a polícia e a justiça imperiais. Pouca gente se deu conta, mas foi no dia 3 de dezembro de 1841, graças a decisão de um imperador adolescente, que nasceu a poderosa figura do delegado de polícia e que hoje se encontra abrigada pela Constituição Federal, no § 4º do artigo 144.
O dia 3 de dezembro ainda não é ponto facultativo e muito menos feriado. O delegado de polícia é uma criação genuinamente brasileira. Como a jabuticaba e o sabiá laranjeira.
Sobre o autor:
Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor da Academia de Polícia.
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