Levantamento realizado pelo G1 junto aos órgãos que administram o sistema penitenciário aponta que pelo menos 196 presos homossexuais em 14 estados solicitaram autorização para a visita íntima desde junho de 2011, quando o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) publicou uma portaria estendendo o direito, que já era garantido aos heterossexuais desde 1999, a todos os presos com relações homoafetivas.
O levantamento foi realizado pelo G1 com base em números consolidados até dezembro do ano passado e divulgados em 2 de janeiro. No período, cinco estados não registraram nenhum pedido e outros seis estados, mais o Distrito Federal, disseram que não possuem dados separando casais homossexuais e heterossexuais.
Pela norma do CNPCP, órgão do Ministério da Justiça responsável por políticas públicas para o setor, cabe às unidades prisionais receber os pedidos e criar procedimentos internos para que as visitas ocorram pelo menos uma vez por mês. A diretriz foi publicada após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer a união estável de homossexuais como entidade familiar, aplicando a eles os mesmos direitos que valem para relações civis entre homem e mulher.
Em alguns estados, a autorização para visita íntima de homossexuais acontecia antes mesmo da resolução federal, através de determinação judicial – como em dois casos registrados em São Paulo desde 2009 – ou por decisões internas dos governos locais, como no Pará, Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul.
No Espírito Santo, uma portaria da Secretaria de Justiça regulamentou a questão em 2009 e, desde então, quatro casais de mulheres passaram a usufruir das visitas.
No Piauí, segundo levantamento realizado pela Diretoria da Unidade de Humanização e Reintegração Social da Secretaria de Justiça, em 2011 havia 59 internos que disseram manter relações homoafetivas com parceiros do lado de fora das celas, mas somente 8 deles cadastraram o parceiro para a visita.
O estado se encarrega de distribuir preservativos aos presos e também gel lubrificante – só em 2011, foram mais de 4 mil unidades deles.
Em São Paulo, onde o sistema penal contava com 174.365 presos, entre os quais 56 solicitaram oficialmente o direito a visita íntima homossexual, conforme a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). Desses, 34 eram do sexo masculino e 22, do sexo feminino.
Em alas separadas
Em relação ao tratamento dado aos homossexuais, dois estados apresentavam iniciativas nas quais havia uma separação dos que assumem esta opção sexual dos demais presos.
Na Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), pelo menos 20 homossexuais, travestis e transexuais ficavam desde 2009 em uma ala separada, para que não corressem nenhum risco de violência.
Um caso diferente ocorria no Mato Grosso, onde, segundo a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, dois travestis e quatro homossexuais recebiam visitas dos parceiros até duas vezes por semana dentro das próprias celas, e não em cômodos especiais.
Estes presos cumprem pena em um setor diferenciado no Centro de Ressocialização de Cuiabá e receberem os parceiros dentro das próprias celas devido à falta de estrutura na unidade.
Relação dentro das celas
Para a coordenadora da Pastoral Carcerária, Heidi Cerneka, apesar de ainda incipiente a aplicação da norma do CNPC no país, “só vem a melhorar a relação de igualdade e respeito dentre os detentos”. Ela aponta que a resolução trata apenas de relações homoafetivas em que uma das partes está do lado de fora do presídio e destaca a necessidade de se estender o direito a casais formados também atrás das grades.
“Quando os namoros começam dentro da prisão, há muito preconceito. Ninguém gosta de falar disso e a decisão sobre como proceder depende dos diretores de cada unidade. Às vezes, detentas são punidas ao serem flagradas se beijando”, acrescenta Heidi.
“Em um caso que estou atuando, uma presa que mantinha um relacionamento com outra foi posta em liberdade e recebeu autorização da penitenciária apenas para uma visita como familiar, mas não para encontro íntimo. Ainda temos muito para avançar na questão”, aponta.
Apesar disso, Pará, Sergipe e Piauí informaram ao G1 que há casais de presos com relações homoafetivas e que isso ocorre dentro das próprias celas, pois eles não possuem juridicamente o direito à visita íntima.
A reportagem do G1 esteve no Centro de Recuperação Feminino de Ananindeua, na região metropolitana de Belém, no Pará, e conversou com alguns casais que se relacionam dentro da cadeia. Elas criam formas reservadas de terem relações íntimas dentro das celas para diminuir o constrangimento em relação às colegas.
A Pastoral destaca que o tabu é maior nas prisões masculinas, onde há imposições por parte de facções. Outro problema com relações que começam atrás das grades ocorre quando uma das partes consegue liberdade condicional. “Alguns diretores não autorizam a visita, pois a pena de uma parte ainda não foi cumprida totalmente”, aponta a coordenadora.
A juíza Christine Kampmann Bittencourt, relatora da recomendação do CNPCP, diz que cabe aos governos estaduais implementar a nova medida e que, como a diretriz ainda é recente, as secretarias ainda estão se adaptando à questão. “Neste ano faremos uma consulta aos estados para verificar se está sendo atendido este direito”, afirma a vice-presidente do CNPCP, juíza Valdirene Daufemback.
G1
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