Interpretação extensiva do conceito de autoridade’, por Rafael Potsch Andreata
É indiscutível que o termo circunstanciado é um procedimento substitutivo do auto de prisão em flagrante delito para as infrações penais cuja pena máxima seja igual ou inferior a 2 anos de prisão.
O procedimento, previsto no art. 69 da lei 9099-95 e chamado por alguns equivocadamente de boletim de ocorrência melhorado, foi concebido pelo legislador como sendo de atribuição exclusiva do Delegado de Polícia Judiciária, Civil ou Federal, a depender da infração penal praticada.
Assim como o auto de prisão em flagrante é de atribuição exclusiva do Delegado, bacharel em direito e o primeiro garantidor de direitos fundamentais, não nos parece correto que procedimento correlato possa ser lavrado por agentes públicos sem a formação jurídica necessária para aplicar o direito penal ao caso concreto.
Quando o legislador quis equiparar agente público à autoridade, o fez por meio de lei. É o que se pode inferir do disposto no art. 5º da lei 4898-1965 “Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração”.
A interpretação extensiva do conceito de autoridade que é somente para efeitos de responsabilização no direito penal, não se estende ao direito processual penal. Imaginemos que o agente policial, seja ele militar ou rodoviário federal, decida lavrar um TCO por lesão corporal leve quando na verdade o caso era de homicídio tentado, ou então capitule equivocadamente um fato como porte de drogas para uso próprio quando na realidade se tratava de tráfico de entorpecente.
Teríamos no primeiro caso um possível homicida solto e no segundo um provável traficante em liberdade, tendo em vista que certamente para não ficarem presos teriam prestado compromisso de comparecer ao juizado especial criminal do local do fato.
Se o objetivo da prisão em flagrante é fazer cessar a conduta criminosa e acautelar a materialidade delituosa e a respectiva autoria, restabelecendo a paz social abalada no momento da violação da lei penal, nas hipóteses acima teria deixado de cumprir a sua função por ausência de tipificação correta quando da lavratura equivocada do termo circunstanciado.
Nos exemplos citados, a ausência de apresentação do preso a autoridade policial (delegado de polícia), para que lavrasse o auto de prisão pelos crimes de homicídio tentado e tráfico de drogas, acabou também por impedir a análise do caso pelo Juiz, já que pelas circunstâncias do fato, poderia o magistrado ter convertido a prisão em flagrante em prisão preventiva caso fosse necessária, tendo agora que expedir mandado de prisão tardiamente e fazendo com que a polícia saia em busca do investigado que já poderia estar recolhido em estabelecimento prisional.
A lavratura do auto de prisão em flagrante e a elaboração do TCO são verdadeiros atos jurídicos, razão pela qual não podem e não devem ser formalizados por agentes públicos sem a devida habilitação jurídica, não podendo atos normativos, substituírem a vontade do legislador autorizando a formalização do termo por servidor que não seja o delegado de polícia.
O princípio da eficiência citado em algumas decisões judiciais para justificar a elaboração dos termos por agentes de policias preventivas acabará por gerar efeito oposto em casos de tipificações equivocadas, levando o Estado a gastar mais recursos para capturar os investigados e prejudicando o próprio poder judiciário tendo em vista o encaminhamento do procedimento irregular a justiça incompetente.
Sobre o autor
Rafael Potsch Andreata – Delegado de Polícia Federal, especialista em direito penal e processual penal
DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social & Portal Nacional dos Delegados