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Quem Vai Pagar o Pato? Por William Garcez

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS
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JURÍDICO
‘Quem Vai Pagar o Pato?’

JURÍDICO

{loadposition adsensenoticia}Com o advento da Lei 12.403, de 04 de maio de 2011, o legislador brasileiro deixou claro, mais uma vez, que o objetivo do nosso sistema processual penal é evitar o encarceramento.

A nova legislação, que entra em vigor a partir de 04 de julho do corrente ano, devido ao seu período de vacatio legis ser de 60 dias, implementa um sistema de repressão ao crime que é para inglês ver (e não acreditar, diga-se de passagem).

Não faz muito, presenciamos a infeliz edição da Lei 11.705, que, no ano de 2008, inovou o ordenamento jurídico para reprimir a embriaguez ao volante e, em vez disso, acabou por implementar alterações inacreditáveis, tais como a produzida no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que conduz à seguinte solução jurídica absurda, em vigor até hoje: se você for flagrado conduzindo veículo automotor em estado de embriaguez alcoólica e aceitar soprar o bafômetro, colaborando com a Polícia, você deverá ser preso. Agora, se você não aceitar soprar o bafômetro, não poderá ser preso, pois ninguém poderá obrigá-lo a fazer.

E mais, a referida lei derrogou a qualificadora descrita no inciso V do parágrafo único do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, que punia de forma mais severa aquele que, sob a influência de álcool ou qualquer outra substância de efeito análogo, ocasionasse homicídio culposo no trânsito. Simplesmente lamentável.

Mal nos conformamos – ou não – com tais aberrações jurídicas e já temos que nos preparar para receber outra pérola do Congresso Nacional, a Lei 12.403/11.

Os profissionais da área jurídica por certo já se deram conta de que, a partir da vigência desta lei, a impunidade reinará ainda mais em nossas Cortes e Tribunais. Definitivamente, mesmo que um indivíduo seja detido em flagrante delito, ele somente ficará preso em pouquíssimos casos, tais como homicídio (será?), roubo, extorsão, latrocínio, estupro (será?), tráfico de drogas, e outros que estejam no topo da pirâmide de desvaloração das condutas que afrontam o pacto social de bem viver.

O fato é que, com a nova lei, a prisão preventiva, que somente pode ser decretada excepcionalmente, agora, além disso, será subsidiária de 09 (nove) medidas cautelares introduzidas pelo Legislador. Tais medidas consistem, resumidamente, em comparecimento periódico no fórum para justificar suas atividades, proibição de freqüentar determinados lugares, afastamento de pessoas, proibição de se ausentar da comarca onde reside, recolhimento domiciliar durante a noite, suspensão de exercício de função pública, arbitramento de fiança, internação em clínica de tratamento e monitoramento eletrônico.

Muito em breve, mesmo que presentes os requisitos (pressupostos, fundamentos e condições) da prisão preventiva, esta somente será cabível se não for possível a aplicação de qualquer uma das medidas cautelares insculpidas pelo Legislador. É absurdo! O Congresso Nacional conseguiu votar e aprovar uma lei que nem mesmo Zaffaroni, Pierangeli e Ferrajoli, juntos, conseguiriam idealizar.

Diante das novas diretrizes, é bem provável que praticantes de infanticídio, aborto, lesão corporal (mesmo as graves), furto, receptação, apropriação indébita previdenciária, estelionato, porte ilegal de arma de fogo, lavagem de dinheiro, e tantos outros delitos graves, que assolam diuturnamente a nossa sociedade, não passem sequer um único dia na prisão, haja vista a possibilidade de cabimento de alguma das medidas cautelares.

Portanto, nos próximos meses, não se assuste se cruzares pela rua com aquele estelionatário de carteirinha, perito em passar a perna em idosos, ou com um integrante daquela quadrilha especializada em fraudar o sistema financeiro nacional mediante a falsificação de documentos ou, talvez, com aquele bandido que desviou milhões dos cofres públicos, ou, ainda, quem sabe, com o assaltante que entrou armado na tua casa.

Não é nenhuma novidade que vivemos em um tempo onde a criminalidade atinge níveis preocupantes, um tempo onde o enrijecimento do sistema punitivo é necessário para frear a marginalidade. A sociedade clama por segurança e justiça. E, antes que seja tarde, é hora de emplacar ideais de cunho protecionista (mas para proteção do cidadão, não do criminoso), é hora de aplicarmos ensinamentos do direito penal do inimigo e declarar guerra aos criminosos.

Entretanto, o que vemos é a implementação do direito penal do amigo, do mano, do brother, do “politicamente correto”, direito penal do “tudo está bom enquanto não acontecer comigo”, direito penal que, como temos visto, a cada inovação, se esquece do ramo que lhe adjetiva.

Confesso que, toda vez que ouço no noticiário a frase o Congresso Nacional aprova uma nova lei me dá um frio na barriga. Logo penso: Lá vem!
É impressionante como os membros do Poder Legislativo nacional, nossos representantes eleitos, homens que, pelo menos se presume, sejam esclarecidos e sensatos, conseguem, a cada lei aprovada, oprimir os anseios da coletividade em prol dos que vivem à margem da sociedade.

Criticando a forma como tudo é feito em nosso país, o ilustre jurista Ruy Barbosa Nogueira, em discurso proferido no final de 1920 – mas que poderia ter sido hoje – disse: “(…) pesai bem que vos ides consagrar à lei, num país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis as que põem e dispõem as que mandam e desmandam em tudo”.

Desta vez não foi diferente, a lei 12.403/11, é a confirmação de que a prisão, notadamente preventiva, está praticamente inviabilizada no Brasil. Espero que não seja abolida!
Outra alteração substancial, promovida com a entrada em vigor da referida lei, atingirá o instituto da fiança, que a muito está fadado ao insucesso. A nova lei ampliou o cabimento da fiança para crimes punidos com até quatro anos de prisão, independentemente da qualidade da pena.

Agora, pela prática dos crimes de porte e disparo de arma de fogo, furto simples, receptação, apropriação indébita, cárcere privado, formação de quadrilha, contrabando, diversos crimes envolvendo pornografia infantil, emissão de duplicada falsa, e tantos outros crimes punidos com até quatro anos de prisão, somente permanecerá preso quem for reincidente, caso contrário, o Delegado de Polícia está autorizado – ou será obrigado? – a conceder fiança.

É fato, com o advento da Lei 12.403/11 só fica preso quem quiser e olhe lá.

A lógica é simples, a nova lei estabelece que, em termos gerais, salvo os casos de reincidência, somente é possível a decretação da prisão preventiva às infrações penais que tiverem pena privativa de liberdade de superior a quatro anos; Mesmo que presentes os requisitos da preventiva, esta é subsidiária das medidas cautelares; Em crimes punidos com pena privativa de liberdade de até quatro anos, será arbitrada a fiança pelo Delegado de Polícia; Acima desse patamar, o Juiz ainda pode arbitrar a fiança, desde que outras medidas cautelares não sejam cabíveis; E, aos crimes inafiançáveis (que são poucos), quando não presentes os requisitos da preventiva, o flagrado deverá ser colocado em liberdade, quando muito se sujeitando a alguma medida cautelar.

Anuncia-se aos quatro cantos que a lei em comento reduzirá significativamente o índice de presos provisórios. De fato, nem precisa ser um gênio pra perceber isso. Com todos os subterfúgios legais criados, imagino que não seja possível chegar-se a outra conclusão.

Também não precisa ser um gênio para perceber o (talvez principal) motivo que determinou a edição da Lei 12.403/11. A redução da massa carcerária, sem dúvida, tem forte influência nos entornos desta inovação. É certo que precisamos encontrar alternativas para a solução da superlotação dos presídios, mas precisamos de soluções que se afigurem viáveis. Enquanto isso, a sociedade paga o pato.
Reduz-se o número de presos provisórios nos presídio, aumenta-se o número de delinqüentes nas ruas. Onde está a vantagem? A própria Constituição Federal informa que segurança pública, além de ser um dever do estado, é responsabilidade e direito de todos.

Está na hora de os nossos governantes se darem conta de que a Constituição Federal não é a Carta Magna apenas dos criminosos, ridiculamente chamado por alguns de príncipes do processo penal, mas também o é do cidadão ordeiro, que, a cada dia, tem que remar contra a maré para conseguir viver em paz.

Sobre o autor

William Garcez é delegado de polícia

DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social
Portal Nacional dos Delegados

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