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Promotora reage e juiz manda apreender celular de advogado que gravava audiência

Uma cena controversa agitou os corredores jurídicos e levantou questões sobre privacidade e protocolos legais, quando um advogado teve seu celular apreendido

por Editoria Delegados

Uma cena controversa agitou os corredores jurídicos e levantou questões sobre privacidade e protocolos legais, quando um advogado teve seu celular apreendido por um juiz da 2ª Vara Criminal de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, durante uma audiência criminal. O caso ganhou destaque não apenas pelo ato da apreensão, mas pela complexidade das leis envolvidas e pela discussão sobre os limites da gravação de audiências.

O advogado Cleydson Lopes encontrou-se no centro da procela jurídica ao decidir gravar a sessão em que participava, utilizando seu dispositivo móvel. A ação não passou despercebida pela promotora de Justiça Ermínia Manso, que prontamente questionou a legalidade da gravação, uma vez que nem a testemunha nem os demais presentes haviam sido informados ou consentido com o registro.

A defesa de Lopes baseou-se, erroneamente, no artigo 367 do Código de Processo Civil (CPC), que, segundo ele, autorizava a gravação de audiências por quaisquer das partes envolvidas, independentemente de consentimento prévio. No entanto, a promotora Manso contrapôs o argumento com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), destacando a falta de autorização para capturar a voz da testemunha, o que poderia violar a privacidade dos indivíduos envolvidos.

O impasse jurídico culminou com a intervenção do juiz Aylton Cardoso, que determinou a apreensão do celular de Lopes e a interrupção do depoimento. A situação escalou quando o advogado ameaçou chamar um delegado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em defesa de seus direitos e da suposta legalidade da sua ação.

Embora tenha inicialmente apagado as imagens para evitar a apreensão do seu dispositivo, Lopes mais tarde revelou que a gravação ainda estava acessível na lixeira de seu celular, recuperando o registro indevido.

Este incidente não apenas joga luz sobre o conflito entre diferentes estatutos legais – o CPC e a LGPD – mas também suscita um debate mais amplo sobre os direitos e deveres dos profissionais jurídicos, a proteção da privacidade em ambientes judiciais e os limites da transparência e da accountability no sistema de justiça criminal brasileiro. O caso, sem dúvida, serve como um marco para futuras discussões sobre a interseção entre tecnologia, lei e ética profissional na prática jurídica.

Além das restrições encontradas em audiências judiciais, é importante esclarecer que a capacidade de advogados gravarem oitivas, depoimentos e interrogatórios realizados em delegacias e demais departamentos policiais, tanto civis quanto federais, é igualmente limitada. Tal prática encontra obstáculos nas normas que regem a conduta e os procedimentos nestes ambientes, com o intuito de preservar a integridade do processo de investigação, a segurança das informações e a privacidade dos envolvidos. A lei impõe restrições claras à gravação de tais procedimentos, enfatizando que a produção de provas e a documentação de interrogatórios devem seguir protocolos rigorosos, determinados pelas autoridades competentes, sem que haja espaço para iniciativas unilaterais por parte dos defensores.

Especificamente, essas limitações estão alinhadas com os princípios da Lei nº 12.830/13, que estabelece a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia como indispensável para a apuração de infrações penais, excluindo a participação externa na produção de provas sem a devida autorização. O artigo 2º, § 1º, da Lei nº 12.830/13 assegura autonomia ao delegado na condução da investigação, o que implica na necessidade de sua autorização para quaisquer registros. Além disso, a violação da privacidade e a interferência no processo de coleta de evidências sem a permissão expressa dos órgãos responsáveis podem ser enquadradas como infrações à própria LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), bem como ao Código de Processo Penal, que regula a forma como as evidências devem ser coletadas e preservadas.

O artigo 251 do CPP dispõe sobre a ordem e disciplina que devem ser mantidas durante a audiência, o que pode ser interpretado como a necessidade de autorização para gravações, a fim de preservar a ordem processual. Assim, mesmo em ambientes fora do tribunal, a atuação do advogado está sujeita a limites que visam garantir a justiça e a correta administração do direito, protegendo os direitos fundamentais dos cidadãos e a integridade do sistema jurídico.

Neste contexto, em sua análise mais recente sobre o Tema 979 de Repercussão Geral, abordando a problemática da captação de som ambiente de forma velada no âmbito eleitoral, o ministro Alexandre de Moraes previu uma futura interpretação acerca da proibição desse tipo de gravação dentro do processo penal, considerando as mudanças introduzidas pela Lei nº 13.964/19:

“Como procurei demonstrar, se mesmo a Lei 13.964/2019, ‘pacote anticrime’, que alterou o procedimento para interceptação de comunicações (art. 8-A da Lei 9.296/1996), estabelecendo que a captação ambiental deve ser feita mediante autorização judicial, e somente pode ser usada em matéria de defesa no âmbito do processo criminal (§ 4º do referido art. 8º-A), com mais forte razão a gravação ambiental realizada em ambiente privado na seara eleitoral deve ser tida por ilícita se feita por um dos participantes, sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais interlocutores, ou sem a permissão judicial (STF, RE nº 1.040.515, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 03/11/2023).”

De maneira análoga, expressou-se o ministro Gilmar Mendes:

“Por fim, destaco que após o início do julgamento deste caso, o Tribunal Superior Eleitoral reafirmou a diretriz impugnada e, também, a Lei 13964/19 regulamentou a escuta ambiental. Em relação à Reserva de Jurisdição para os casos de gravação ambiental e interceptação telefônica, o advento da Lei 13964/19 veio definir normativamente a tendência que estava sendo consolidada na jurisprudência, ao prever, no § 5º, do art. 8º-A, da Lei 9.296/96, que [se] ‘aplicam subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na legislação específica para a interceptação telefônica e telemática’. Logo, diversamente do alegado pelo recorrente, o acórdão recorrido está fundamentado e a baliza constitucional que exige a Reserva de Jurisdição é justamente a proteção efetiva aos Direitos Fundamentais à privacidade, à intimidade e à proteção de dados pessoais (STF, RE nº 1.040.515, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 03/11/2023).”

A decisão foi no sentido de que tal gravação, quando realizada por um dos interlocutores, não se estende automaticamente para gravações em contextos jurídicos e policiais, onde a expectativa de privacidade e as formalidades legais são distintas.

Dessa forma, são proibidas as gravações realizadas por advogados ou por outras pessoas que participem de oitivas, depoimentos, interrogatórios, acareações, declarações e quaisquer outros meios de coleta de provas sem a autorização expressa do presidente do procedimento, quer seja o juiz de direito ou o delegado de polícia.

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