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Presidente da ADPF defende “compliance de investigação” após Lava Jato

por Editoria Delegados

Edvandir Felix de Paiva

Os questionamentos acerca de um suposto direcionamento da investigação e até de julgamentos da Lava Jato levantados após a divulgação de conversas entre integrantes da operação com o ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, apontam que o país precisa repensar a forma como diferentes órgãos atuam na apuração de grandes crimes. Precisa também criar controles para evitar que investigações acabem anuladas por dúvidas sobre a conduta de investigadores ou juízes.

Essa é a opinião do presidente da ADPF (Associação dos Delegados da Polícia Federal), Edvandir Felix de Paiva. Para ele, é hora de o Brasil trabalhar para a criação de um sistema de “compliance de investigação”.

A palavra compliance vem do inglês e tem a ver com conformidade, cumprimento de regras e normas. Hoje, grandes empresas e mesmo órgãos de governo já têm suas equipes de compliance, que atuam para monitorar ações e prevenir que funcionários acabem cometendo irregularidades ou atos antiéticos. Ajuda a evitar, por exemplo, que se contrate serviços de uma empresa só porque ela pertence a um amigo ou parente.

Em entrevista ao UOL, Paiva defendeu que técnicas de compliance sejam adotadas por órgãos públicos envolvidos em operações de combate ao crime.

Segundo o policial federal, com controles de comportamento ou mesmo definição de funções claras sobre a participação de cada autoridade na investigação e julgamento de um caso, seriam reduzidas ou dizimadas as dúvidas que pairam hoje, por exemplo, sobre a maior operação de combate à corrupção da história do país.

Acho que devemos pensar num modelo para que investigações não sejam questionadas no Judiciário. Seria algo para que tenhamos operações mais seguras. É [de] interesse público que as pessoas realmente culpadas sejam mesmo punidas e que as operações não sejam anuladas mais tarde.Edvandir Felix de Paiva, presidente da ADPF.
 

Paiva conversou com o UOL na última terça (18). Ressaltou que, até então, nada do que havia sido noticiado sobre a operação Lava Jato era razão para uma possível anulação da operação.

A Lava Jato foi conduzida de uma forma muito boa tecnicamente. Tanto que o pessoal [hackers] está tentando invadir a privacidade [de integrantes da operação] para tentar achar um fato que possa anular a operação.Edvandir Felix de Paiva, presidente da ADPF

O presidente da associação de delegados, contudo, não nega que a Lava Jato esteja hoje sob questionamento. Segundo ele, parte disso poderia ter sido evitado caso os princípios sobre investigações previstos na Constituição tivessem sido estritamente cumpridos e o MPF (Ministério Público Federal), uma das partes dos processos contra os acusados de corrupção, não tivesse assumido o papel de investigador.

“Quando uma parte do processo faz investigação, ela fica muito próxima do juiz e pode ocorrer, sim, um questionamento sobre direcionamento de provas e imparcialidade do julgador”, disse Paiva. “Não estou dizendo que esses problemas ocorreram na Lava Jato, mas existe o risco.”

Paiva explicou que, de acordo com a Constituição, quem deve investigar crimes é a polícia, que não é parte de processos contra acusados. Na investigação, disse Paiva, o MP (Ministério Público) deve atuar somente como “fiscal da lei”.

Ele afirmou que, nesta fase, cabe ao MP analisar se a conduta da polícia está correta e avaliar se pedidos de busca e apreensão, condução coercitiva, escutas telefônicas são legais e necessários. A análise deve ser feita pelo MP antes mesmo que os pedidos sejam avaliados pelo juiz, o qual autoriza ou não as medidas solicitadas pela polícia.

Paiva explicou que, com o passar dos anos, o MP obteve na Justiça autorizações para que ele próprio pudesse investigar suspeitas de crimes. Com isso, inclusive na Lava Jato, promotores e procuradores passaram a fazer investigações junto com a polícia ou mesmo de forma independente.

O presidente da ADPF, entretanto, lembrou que o MP é o órgão acusador nos processos contra os suspeitos de praticarem crimes. Isso, na opinião dele, pode causar problemas na origem das apurações realizadas pelo órgão e colocar em risco a imparcialidade de uma investigação ou julgamento.

“Quando você é a parte, você busca provas para se defender ou para acusar. Obviamente, nesses casos, você acaba se envolvendo demais com o caso e naturalmente, humanamente, no seu íntimo, direcionando a produção da prova”, disse o delegado. “No modelo brasileiro, há a polícia, o delegado, que não está ligado a nenhuma das partes e pode fazer uma investigação sem incorrer em direcionamento.”

Paiva ainda ressaltou que juízes até podem receber promotores ou policiais para discutir operações, mas não opinar sobre rumos da investigação.

“Não sei como ocorreu na Lava Jato pois não trabalhei lá, mas nas investigações que trabalhei, você faz o contato com os juízes, pede um momento para despachar, explica a operação. O juiz ouve e depois decide”, resumiu o delegado.

O contato é comum, mas profissional. O juiz tem que manter uma certa distância da produção da prova para que não seja questionada a imparcialidade dele.Edvandir Felix de Paiva, presidente da ADPF.

Para o delegado, as dúvidas da Lava Jato devem servir de aprendizado. Na sua opinião, em futuras operações, o ideal é que as funções de cada órgão sejam respeitadas. “Acho que ela [Lava Jato] pode servir sim como um grande aprendizado para as próximas operações. Espero que a gente discuta melhor esse papel das instituições.”

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PF aprendeu com “lições do passado”

Paiva ainda ressaltou que, até o momento, nenhum integrante da PF que trabalhou na Lava Jato foi envolvido em diálogos divulgados pelo site “The Intercept Brasil”. Para ele, isso ratifica que policiais federais não cometeram irregularidades na operação e aprenderam com “lições do passado”.

O delegado lembrou que importantes operações policiais, como a Satiagraha, de 2004, acabaram anuladas por decisões da Justiça por conta de falhas em procedimentos.

Paiva não concorda com as anulações. Mesmo assim, afirmou que a PF moldou suas atuações levando em conta as derrotas que sofreu e incorporou isso em sua atuação na Lava Jato. “A gente aprendeu. Discutimos: ‘Olha, essa ação causa uma vulnerabilidade que pode, lá na frente, anular provas. Então, vamos mudar nossa forma de investigar'”.

Paiva, aliás, ratificou que ainda que não há elementos suficientes discutir a legalidade da Lava Jato. Para ele, uma anulação da operação seria péssimo.

“Para uma anulação da operação, deve haver um comprometimento muito grande da prova. Até agora, não houve isso”, disse.

A Lava Jato anulada seria passar para a população que não conseguimos chegar aos poderosos. Que a lei não é para todos”Edvandir Felix de Paiva, presidente da ADPF.

UOL

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