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PM planeja núcleos para mediar brigas entre vizinhos em São Paulo

por Editoria Delegados

SP: Projeto implantado no interior paulista deve ser estendido para outras regiões

Policial militar recebe cidadãos para sessão de mediação em Araçatuba, no interior de SP – Alex Tristante/Folhapress

A vida da família de Welington Pipino, 44, virou um turbilhão quando, em março de 2016, conheceram o novo vizinho, Jerolino, 87, morador antigo da rua 25 de dezembro, Vila Paulista, em Penápolis (a 479 km de São Paulo).

Foram cerca de 20 vezes que eles brigaram na rua com gritos e ofensas, parte delas com a intervenção da Polícia Militar —sendo que a mais grave quase terminou em morte.

Na última quarta (29), os dois selaram a paz: apertaram as mãos pela primeira vez em mais de dois anos, trocaram pedidos de desculpas e tomaram café na casa de Jerolino.

A mudança foi um dos frutos de um programa criado pela Polícia Militar para pacificar conflitos entre vizinhos e implantado na região de Araçatuba no final de 2016, com apoio do Tribunal de Justiça.

A corporação planeja agora estender a proposta —batizada de Mediação Comunitária— por São Paulo. “Se possível, vamos implantar em cada posto policial do estado”, disse à Folha Marcelo Vieira Salles, comandante da PM. “Mas é tudo do simples ao complexo, devagar. Vamos fazer a capacitação dos policiais.”

O desembargador José Carlos Ferreira Alves, do TJ, prevê a assinatura do convênio de ampliação ainda neste mês.

Uma das vantagens do programa, segundo a PM, é tentar buscar uma solução para conflitos entre vizinhos que, em grande parte, eram registrados burocraticamente em boletins, “meramente cartorário, mas não servia para nada”.

“Agora há uma solução prática. É uma intervenção pública não traumática”, afirma Salles.

O projeto mira dois problemas que, somados, representaram 24% do total de ocorrências registradas pela Polícia Militar em São Paulo nos primeiros sete meses deste ano: perturbação de sossego público e desentendimentos.

Só no primeiro caso (principalmente motivado por som alto) houve 662 mil queixas em sete meses —3.154 por dia. No segundo (que inclui outras brigas, frequentes entre vizinhos), quase 786 mil nesse período —3.743 diariamente.

No caso de Penápolis, a família Pipino não acreditava em uma ajuda estatal para solucionar a disputa com seu vizinho — e já programava mudar de endereço neste ano.

“Passava um carro com som alto na rua, ele já vinha brigar comigo”, afirma Welington Pipino, que é autonômo.

O ápice do litígio foi em fevereiro deste ano, quando Jerolino pegou uma foice para tentar atacar seu vizinho.

“Precisou de seis policiais para conseguir segurá-lo [Jerolino]. Tem um demônio que pega ele. Não é porque é meu pai, mas ele é difícil”, afirma Valdir de Almeida, 50, filho de Jerolino, que tem problemas de audição.

Se os planos dos vizinhos fossem concretizados, conta Valdir, a família Pipino seria a sexta a deixar aquela casa nos últimos 30 anos —entre inquilinos e proprietários— por dificuldades de relacionamento com Jerolino.

Essa é uma questão comum em brigas no estado. Os endereços problemáticos são geralmente os mesmos e repetem demandas rotineiramente. Há situações de viaturas serem chamadas mais de quatro vezes ao dia no mesmo local. É para esse tipo de perfil que a mediação é oferecida.

A fórmula utilizada em Penápolis é a mesma da de outros núcleos de mediação: as partes em conflito são convidadas para se sentarem em uma mesa e buscarem juntas uma solução amigável. Cada um expõe seu ponto de vista e também como poderia mudar para chegar a um acordo.

Em Araçatuba, os acordos são homologados por juízes (dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania) e podem ser executados contra quem desrespeitá-los.

Em parte dos acertos é estipulada uma multa —com valor definido entre eles em cada caso. Quem descumprir as regras acertadas é obrigado pelo juiz a pagar a multa (por quantas vezes descumpri-las).

O coordenador dos núcleos de mediação da região de Araçatuba, tenente Fábio Webel de Oliveira, afirma que, de cada dez tentativas de acordo, seis acabam frutíferas. Dos 300 acordos firmados até agora (dos cerca de 500 casos tentados), em só três deles (1%) houve quebra do combinado.

Uma das vantagens para a população, segundo Webel, é poder deslocar mais rapidamente os carros de polícia para ocorrências mais graves.

E, também, reduzir em até 20% os chamados de ocorrência de desentendimentos e perturbação de sossego.

Webel diz também que os moradores percebem que sua reclamação está sendo ouvida por alguém. “Todo mundo fica surpreso quando nós ligamos de volta para oferecer essa possibilidade. As pessoas estão adorando”, afirma.

O comando da PM afirma que poderão participar dos núcleos policiais com ao menos dois anos de curso superior e que tenham realizado curso de mediador pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) —que pode habilitar e cadastrar os interessados.

No Seminário Internacional de Polícia Comunitária, realizado na última segunda-feira (27), o desembargador José Carlos Ferreira Alves, do TJ paulista, se manifestou publicamente a favor do programa porque, para ele, é uma prática que só ajuda o cidadão.

“Todo conflito, como dito aqui, é natural, existe e existirá sempre. Quando não resolvido de uma forma consensual, ele vai terminar onde? No Poder Judiciário”, afirma Alves, lembrando o volume de 105 milhões de processo em trâmite pelo país, 28 milhões deles só no estado de São Paulo.

“O PM oferece: quer resolver seu problema hoje ou para sempre?”, completa. Alves diz que o convênio com a PM para ampliar o projeto no estado deve ser aprovado neste mês.

O comandante Marcelo Vieira Salles, da PM, diz que não houve até agora registro de entidade que tenha se manifestado contra as mediações.

A Polícia Civil também tem um setor batizado de Necrim (Núcleo Especial Criminal) que busca a mediação de conflitos, mas na área criminal, sem tratar de discussões na área cível que estão sendo tratadas no projeto da PM.

Folha

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