Por Mauro Argachoff
Após ameaçar vetar, por entender ser a pena muito elevada, o Presidente da República finalmente sancionou a lei que inseriu o § 1-A, ao artigo 32 da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente), aumentando a reprimenda quando as condutas de maus tratos descritas no tipo penal forem praticadas contra cães ou gatos. Em tal situação a pena prevista passará a se ser de reclusão de dois a cinco anos, multa, além da perda da guarda no animal.
O tema, há tempos, é objeto de atenção por diversos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo, sendo cada vez mais aperfeiçoado, passando os animais da categoria de meros objetos para “seres sencientes”, capazes de sentir sensações e sentimentos de forma consciente, possuindo direitos e garantias. A Inglaterra, desde 2006, reconhece a chamada “senciência” para animais vertebrados, trazendo a lei referência à abusos que causam sofrimentos, não somente físicos como também mentais. País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte caminham no mesmo sentido. A África do Sul prevê como forma de maus tratos a conduta de enfurecer ou assustar animais, mas, diametralmente, permite a caça nos safáris (Fabricio Veiga Costa; Natielli Efigênia Mucelli Rezende Veloso; Janaina Veiga Costa. DIREITOS DOS ANIMAIS NO BRASIL E NO DIREITO COMPARADO: a problemática da busca do reconhecimento da senciência). Na legislação francesa, os animais também passaram a serem reconhecidos como seres sensíveis, mas o país ainda é apontado como o maior produtor de foie gras do mundo. Com medidas duríssimas a Holanda tornou-se o primeiro país sem nenhum cachorro vivendo nas ruas, alcançando tal façanha com aplicação de multas que chegam aos milhares de euros, além de altas taxas de impostos para quem compra cães de raça.
Como é sabido, o aumento de penas, por si só, não tem o condão de influenciar na prática delituosa ou controlar a criminalidade, como indicam os próprios estudos criminológicos. É necessário um conjunto de fatores políticos, sociológicos, educacionais e até mesmo econômicos que fogem a análise que nos propomos a fazer agora. De outra parte, penas muito brandas ou quase insignificantes acabam por gerar uma sensação de absoluta impunidade e de pouca efetividade do direito penal, fazendo parecer que a conduta que infringiu a norma é até “aceita” pelo ordenamento jurídico. Entendemos que esse é justamente o caso do tipo penal em comento e agora alterado, contudo fazemos algumas ressalvas que podem ser pertinentes.
Em que pese seja efetivamente muito leve a pena prevista no caput do art. 32, da Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente para quem mau trata animais (detenção de três meses a um ano e multa) entendemos que foi tímido o legislador em inserir tal acréscimo de pena apenas para condutas que atinjam as espécies animais cães ou gatos. A justificativa encontrada para tal limitação também não convence, com a alegação de que são esses os animais que mais sofrem com tais condutas criminosas. Basta uma rápida busca através da internet e serão encontrados diversos casos de maus tratos e mutilações contra cavalos, aves ou diversos outros animais silvestres, domésticos ou domesticados.
A título de exemplo tratemos de uma situação hipotética de dosimetria da pena, onde um cachorro e um cavalo sofram mutilação. O autor do crime contra o cão estará sujeito, devido a alteração legislativa, a pena variando entre dois a cinco anos de reclusão, multa e perda da guarda do animal, se a tiver. Já com relação ao agressor do cavalo a legislação é bem mais benevolente, sujeitando-o a uma pena de detenção de três meses a um ano e multa.
Imaginemos ainda que as condutas descritas resultem na morte dos referidos animais. Levando-se em consideração as reprimendas máximas que poderiam ser aplicadas por força do art. 32 e seus parágrafos, o agressor do cão estaria sujeito a uma pena de seis anos e seis meses de reclusão ao passo que o malfeitor do cavalo sofreria uma reprimenda de um ano e quatro meses de detenção.
Na esfera policial, referida diferença abissal nas penas também poderá gerar consequências importantes, sujeitando, dependendo do caso, a prisão em flagrante delito sem a possiblidade do arbitramento de fiança por parte do Delegado de Polícia se a agressão for praticada contra cães e gatos. Já, se a conduta for contra qualquer outro animal, será registrado simples de termo circunstanciado de ocorrência, com a imediata liberação do agressor.
Importante que se leve em consideração que, sendo o tipo penal acrescido absolutamente fechado, pois delimita para o agravamento da pena que a conduta seja praticada apenas contra cães e gatos, todos os demais animais não serão abrangidos pela nova norma mais rigorosa. Nota-se que a alteração legislativa criou uma casta de animais que goza de maior proteção do que os demais. A título de comparação, seria como se o crime de homicídio tivesse pena mais elevada se morta pessoa de determinada classe social. Ora, animal é animal, devendo todos ter a mesma proteção da lei.
Em vista das considerações expostas, conclui-se que o legislador, ao corrigir a baixa reprimenda prevista no caput do art. 32 da lei 9605/98, perdeu enorme oportunidade de ficar na vanguarda com outros países, ao delimitar a alteração legislativa tão somente a dois tipos de animais e deixando todos os demais abarcados pela irrisória pena prevista na Lei. Igualmente, poderia ter caminhado no mesmo sentido de países citados acima, com o reconhecimento dos animais não humanos como seres sencientes, não se limitando a permanecer apenas no simplista e muitas vezes inócuo plano da elevação das penas. Tais condutas sem dúvidas poderiam ser um caminho melhor pavimentado para uma efetiva política de proteção e consequente mitigação dos episódios de maus tratos que constantemente vem a lume.
Sobre o autor
Mauro Argachoff é Delegado de Polícia no Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP
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