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O Valor Probatório dos Indícios, por William Garcez

por Editoria Delegados
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Dispõe o art. 239, do Código de Processo Penal: “Considera-se indícios a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.

 

Antes de mais nada, cumpre ressaltar que os indícios são um meio de prova, ou seja, consistem em argumentos lógico-jurídicos aptos à demonstração lícita da existência de elementos capazes de demonstrar a ato, fato, coisa, pessoa.

 

Segundo Fernando Capez, indício é “toda circunstância conhecida e provada, a partir da qual, mediante raciocínio lógico, pelo método indutivo, obtém-se a conclusão sobre um outro fato. A indução parte do particular e chega ao geral”. (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. Saraiva: São Paulo, 1998).

 

Entende Maria Tereza Rocha de Assis Moura que “indício é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado e suscetível de conduzir ao conhecimento de fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de operação de raciocínio”. (MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. A prova por indícios no Processo Penal.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009).

 

Desse modo, resta claro, pelos conceitos supramencionados, que a prova indiciária, ainda que indireta, tem a mesma força probante que qualquer outro meio de prova direta, como a testemunhal ou a documental.

 

Dito isto, cumpre analisar a possibilidade de sua utilização para fins de condenação, em razão da existência de divergência jurisprudencial e doutrinária sobre o tema.

Inicialmente, cumpre registrar que, no Estado Democrático de Direito, a construção do provimento jurisdicional deve respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa, permitindo que as partes manifestem-se sobre os termos do processo e do que seu oponente alega.

 

O processo é, assim, o resultado lógico de uma atividade jurídica realizada com a obrigatória participação dos interessados que suportarão seus efeitos. Ao final, deve o julgador externar a sua decisão com base na livre apreciação das provas, sempre de forma motivada. Esse é o princípio do livre convencimento motivado.

 

A motivação das decisões judiciais surgiu voltada à imposição de limites ao exercício da jurisdição no Estado democrático. Erigi-se, dessa forma, como eficiente barreira de proteção do indivíduo contra violações arbitrárias.

 

Essa “proteção contra o arbítrio”, pautada pelo devido processo legal, é fundamental para a perfeita realização da justiça, uma vez que revela a efetividade da cognição judicial, dificultando, dessa forma, que as decisões consistam-se do produto da vontade pessoal do juiz.

 

É vedada, no sistema processual brasileiro, a valoração por tarifação da prova produzida, também conhecido como sistema da prova tarifada. Não é dado ao julgador atribuir valor predeterminado a cada espécie de prova.

 

Assim, a atividade judicial na valoração das provas deve ser desempenhada em dois momentos distintos. Num primeiro momento, cabo ao julgador perceber a existência do elemento de prova nos autos do procedimento. E, num segundo momento, mostrar o conteúdo de importância do elemento de prova para a formação do convencimento, indicando seus aspectos técnicos, lógico e jurídicos que o levaram a valoração.

 

Segundo Guilherme de Souza Nucci, apesar de a prova indiciária possuir o mesmo valor dos demais meios de prova, ela “não tem força suficiente para levar a uma condenação, visto que esta não prescinde de segurança”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007).

 

Entretanto, conforme ensinamento de Maria Tereza Rocha de Assis Moura, “desde que presentes os requisitos de existência jurídica do indício, este possuirá força probatória suficiente para embasar uma condenação”. (MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. A prova por indícios no Processo Penal.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009).

 

Tais requisitos de existência resumem-se na “certeza do fato indiciante” , na “certeza da proposição geral fornecida pela lógica ou experiência” e na existência de “relação de causalidade entre o fato indicador e o fato indicado”.

 

Presentes esses requisitos os indícios passam a ser evidências.

 

A importância da prova indiciária vem coalescida na lição de Barbosa Moreira, o qual, com a clareza que lhe é peculiar, refere: “o que o indício tem em comum com um documento ou com o depoimento de uma testemunha é a circunstância de que todos são pontos de partida. Enquanto, porém, o documento ou o testemunho são unicamente pontos de partida, o indício, repita-se, já é, ao mesmo tempo, um ponto de chegada. Não, ainda, o ponto final; mas um ponto, sem dúvida, a que o juiz chega mediante o exame e a valoração do documento ou do depoimento da testemunha”.

 

Sobre a questão, já manifestou o Tribunal de Justiça Gaúcho:

 

APELAÇÃO. ARTS. 180 E 311 DO CP. AUTORIA COMPROVADA. FORTE CONJUNTO DE INDÍCIOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. Um conjunto de fortes indícios, todos apontando para a autoria por parte do réu, tanto da receptação quanto da adulteração, é suficiente para embasar um decreto condenatório. Quase impossível que o órgão acusador reúna prova direta, em tais casos. Recurso da defesa improvido (Apelação Crime nº 70031638315, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 22/10/2009).

No mesmo sentido, está o entendimento do Tribunal de Justiça Mineiro:

 

APELAÇÃO – CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – FRAUDE NO PROCESSO LICITATÓRIO – ART. 90 DA LEI Nº 8.666/93 – INDÍCIOS – PROVA SUFICIENTE – CONDENAÇÃO MANTIDA (…). Tendo-se em conta que nosso diploma processual penal erigiu os indícios à categoria de prova direta, é possível a ocorrência de um decreto condenatório com suporte nessa modalidade probatória, sobretudo se corroborados por outros elementos de convicção. Ademais, é impossível a absolvição por inexistência de provas quando o conjunto probatório aponta de forma inequívoca a materialidade do delito e sua autoria. (…). (TJMG – Apelação Criminal nº 1.0054.01.001253-9/001 – Rel. Des. Paulo Cezar Dias, 3ª Câmara Criminal, DJ 02/06/2007).

Ainda, cumpre enfatizar que, a 1a Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus 106.856, entendeu que linguagem cifrada em comunicações telefônicas constitui importante indicio na aferição do crime de tráfico de drogas.

 

Na ocasião, a ministra relatora, Rosa Weber, frisou que “durante as investigações, a Polícia Federal apreendeu 49 kg de cocaína, ocultados em um barco, e constatou ainda o emprego de linguagem cifrada nas comunicações telefônicas do grupo, evidenciando o envolvimento profundo e profissional do acusado no tráfico”.

 

Desse modo, a força probatória dos indícios revela-se semelhante à de qualquer outro meio de prova, tanto que insculpida no mesmo Título (VII) do Código de Processo Penal, devendo ser analisado, caso a caso, a sua efetiva força probante, confrontando-se com o restante do acervo coligido. E, se robustos e cristalinos, podem os indícios ser utilizados pelo magistrado como razão de decidir.

 

Sobre o autor

William Garcez é Delegado de Polícia do Rio Grande do Sul. Representante da Associação dos Delegados de Polícia da Vigésima Segunda Região Policial. Ex-Assistente de Promotoria de Justiça. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – CAMVA/RS.

 

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