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O ‘silêncio’ e a ‘PEC dos Delegados’

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS
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JURÍDICO
O ‘silêncio’ e a ‘PEC dos Delegados’

Por Fabrício De Santis

JURÍDICO

Por Fabricio De Santis Conceição

{loadposition adsensenoticia}Desde os primórdios da civilização as atividades sociais eram distribuídas dentre as tribos como formas singelas de obrigações: obrigação de caçar alimentos, obrigação de cuidar das crianças, dos velhos e enfermos, obrigação da descoberta e busca da cura, obrigação de cuidar das plantações, dos animais, etc. A vida era simplória, e se resumia na manutenção da própria sobrevivência; não existiam carros, cinemas, cidades, cargos, corrupção, nem criminalidade acentuada. Não existia luta pelo Poder econômico, político, nem investidas de um órgão nas atribuições de outro órgão público Constitucionalmente legítimo, ressalvada, é claro, a luta pela própria existência. O silêncio das massas, por motivos óbvios, portanto, preponderava.

Com o desenvolvimento humano, surgiram diversas formas codificadas de obrigações: nossas leis, às quais todos devem obediência, sendo esta traduzida na parcela de liberdade renunciada pela sociedade em busca de sua própria proteção e perpetuação, e, nesse contexto, o “silêncio das idéias” começavam, vagarosamente, a deixar de existir. O povo começava a expressar seus sentimentos, suas ambições, suas análises sobre o justo, suas vontades, suas crenças. Começavam, portanto, a lutar por um ideal, mesmo cientes da abstratividade que ainda reinava.

É certo também que, no Brasil, a evolução das idéias deu causa às perseguições políticas por aqueles que sustentavam opiniões divergentes, inclusive, desencadeando, apenas para citar, a famosa “ditadura” militar de 1967 que se teve conhecimento. Embora muitos tenham sido “silenciados” à época, cada qual a sua maneira, efetivamente o povo lutara pelos seus ideais, por um País justo e solidário, por uma ordem e progresso reais. Ordem e progresso não significavam um simples bordado, tal como hoje aparentam ser, mas um objetivo a que todos aspiravam àquela época.

Pois bem. O “silêncio” do pós regime ditatorial também atingiu – como atinge até hoje -, todos os Delegados de Polícia do Brasil. Em 1988 os servidores da Constituinte arrancaram-lhes várias atribuições inerentes ao próprio e bom desempenho da função, tais como a possibilidade de expedir mandado de busca e apreensão domiciliar, ou adentrar diretamente em residências em busca e vestígios – atos desencadeados pela própria Autoridade Policial, dentre outras.

Após dez anos, já em 1998, por meio da Emenda Constitucional nº 19, outro golpe sofreu os Delegados, por meio de uma sub-reptícia e mal explicada nova redação, dispondo agora sobre os ‘sistemas de consórcios públicos’, que fora dada ao artigo 241 da Constituição Originária do Brasil, que em sua antiga redação dispunha que “Aos delegados de polícia de carreira aplica-se o princípio do art. 39, § 1º, correspondente às carreiras disciplinadas no art. 135 desta Constituição”, consubstanciando, portanto, com sua revogação, a partir desse momento, que a carreira do Delegado de Polícia não seria mais considerada equiparada às carreiras “jurídicas” do País, posto que às Autoridades Policiais não mais se aplicaria a isonomia de vencimentos com as demais carreiras jurídicas de Estado.

Neste contexto, entendemos ser inconstitucional tal Emenda Constitucional, posto que disciplinara sobre alteração de cláusula pétrea, por assim dizer, imodificável pela própria vontade do legislador do Poder Constituinte Originário, traduzidas como limitações materiais ao poder de reforma Constitucional, quando disciplinou que não seria permitida qualquer proposta de emenda tendente a abolir “direitos e garantias individuais”.  

Lastreia-se tal entendimento, pois ninguém de bom senso e inteligência ao mínimo mediana duvida que, a partir do momento em que a CF originária de 1988 conferiu aos Delegados de Polícia o direito de ser remunerado de forma isonômica com os demais membros das carreiras jurídicas do País, tal direito tratava-se, em verdade, de um direito individual elencado e que se encontrava “fora” do rol disposto no Art. 5º da CF, assim como se sustenta que outros existam, tal como ocorre em relação ao art. 228 da CF, o qual trata da imputabilidade penal do menor de idade, referente à impossibilidade jurídica da redução da menoridade penal por meio de emenda Constitucional.

Aliás, a tendência do moderno direito Constitucional brasileiro é encartar, no elenco das cláusulas pétreas, não só os direitos individuais, mas todos os direitos fundamentais, o que englobaria os direitos sociais, os direitos de nacionalidade e os direitos políticos, existindo, inclusive, decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito.

Além disso, o criminoso ganhou o direito recentemente de não ser algemado sem que tal conduta seja devidamente ‘justificada’ pela Autoridade, sob pena desta ser responsabilizada civil, criminal e administrativamente, conforme a Súmula 11 editada pelo Supremo Tribunal Federal, nossa mais alta corte de Justiça do País, onde, aliás, seus membros são indicados por um Presidente da República, os quais assumem o posto após prévia aprovação pelo Senado Federal. Mais uma tentativa de “silenciar” a Autoridade Policial. E o povo também se silencia, cada vez mais, diante de tal inversão de valores e de tamanha injustiça.

Esta breve introdução histórica era necessária para demonstrar que o “silêncio” em relação à valorização da carreira dos Delegados, infelizmente, parece não se silenciar. Ao contrário, parece perpetuar sorrateiramente disfarçado em um aparente regime de democracia representativa e de conveniências da casta dominante.

Atualmente, no Brasil, o centro de obrigações – e de alguns direitos realmente tangíveis – deriva da atual Constituição Federal de 1988, a qual fora elaborada num período de entorpecimento pela democracia; e se é verdade que sua implementação fora essencial à época, também o é o fato de que já merece ser revista em vários aspectos, especialmente no que tange o tema “Segurança Pública”, previsto no Art. 144 da Constituição Federal.

Aguarda-se, ansiosamente, a “quebra do silêncio” do Congresso Nacional, pois existem matérias atinentes ao tema segurança pública que há anos estão emperradas no Congresso Nacional, aguardando votação. Uma delas trata-se da PEC 549 do ano de 2006, relativa à isonomia de tratamento entre Delegados de Polícia e membros do Ministério Público.

Aguarda-se, com muita expectativa, a manifestação daqueles que, silenciosamente, ainda possuam alguma Ética dentro de si. Entrementes, se quem elege nossos representantes somos nós, então, nós é que deveríamos ter ética na escolha de nossos representantes. Enquanto tivermos pessoas sem ética e bom senso ocupando os diversos cargos de comando dos poderes da República, favorecendo, por meio de seus atos, criminosos de todas as estirpes, sempre faltará um pouco de ética em cada um de nós.

Ao menos uma premissa, para nós, se mostra verdadeira: a de que deve o Delegado de Polícia investigar e prender criminoso, seja do alto ou do baixo escalão, fato que nos leva à conclusão, ante todo o exposto, de que o “poder” do Delegado é inversamente proporcional ao “poder” dos interesses daqueles que procuram se esquivar de responsabilidades por seus atos ilícitos – especialmente de alguns “aéticos do alto escalão”, que legislam e governam olhando para o próprio cofre, ao invés de focarem o bem estar social dos representados. E a sociedade continua suplicando por segurança pública em todo o País.

É por isso que enquanto não atingirmos a ética necessária e exemplar lá no topo das instituições, dificilmente o respeitável cargo de Delegado de Polícia receberá o tratamento digno que a carreira exige, incluindo-se ai todas suas merecidas prerrogativas funcionais, semelhantes às dos magistrados e promotores de justiça de nosso País, a fim de que a parcela da democracia relativa à segurança pública possa ser realmente implementada no Brasil. Registre-se que tais prerrogativas são em prol da sociedade, e para, via reflexa, proteção desta, contra desmandos e ingerências políticas que invariavelmente afetam o desempenho dos trabalhos da Autoridade Policial.

Afinal, qual bandido gostaria de ser investigado e preso por uma Autoridade Policial isenta, independente, inamovível, sem amarras políticas, bem remunerada, incentivada e estimulada? O “silencio do povo”, agregado ao “silêncio dos representantes do povo” dificultam, quando não impedem, o implemento de tal parcela da democracia. O “silêncio na votação”, e a subseqüente aprovação e promulgação do Projeto de Emenda Constitucional 549/06 – apelidada de “PEC dos Delegados”, já não nos causa tanta estranheza, pois revela, em última análise, a afirmação da premissa anteriormente descrita. Esperamos em curto espaço de tempo a demonstração de que estamos largamente equivocados.

O “silêncio do voto”, por meio da indiferença do povo na escolha de seus representantes, e o silêncio destes na consecução de seu mister em prol da coletividade – votação em plenário das matérias legislativas, refletem a falta mais grave de obrigação natural existente, essencial à própria preservação da espécie. Em resumo, o que mais nos assusta não é o grito dos bandidos quando do anúncio de seus “assaltos” (seja do erário ou não!), mas sim o “silêncio dos bons”, quando se calam ao presenciarem seus direitos serem constantemente desprezados.

Sobre o autor,

Fabricio De Santis Conceição
Delegado de Polícia do Estado da Paraíba, atualmente aprovado e no curso de formação para Delegado de Polícia no Estado do Rio Grande do Sul; Colunista e correspondente da região Sul/Sudeste do Portal Nacional dos Delegados (www.delegados.com.br); Pós graduado em Direito Penal pela UniFmu/SP e especialista em Tribunal do Júri pela Escola Superior de Advocacia/SP; Professor Universitário e de cursos preparatórios. Foi Vice-presidente da Adepol/PB; Gerente de Inteligência da Sec. Segurança/PB; R2 do Exército Brasileiro; Agente de Segurança Penitenciário/SP; Advogado Criminalista/SP; Membro da Comissão de Tribunal do Júri Penha de França/SP; Membro Assessor da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP; Defensor dativo na área do Júri, junto à PGE/OAB de São Paulo

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